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Evento discute mecanismos para recensear população afro das Américas
Por Marcus Bennett – Assecom/FCP/MinC
O Seminário Internacional de Dados Desagregados por Raça e Etnia da População Afrodescendente das Américas, realizado na quarta-feira, 24/06, discutiu mecanismos para efetivar a coleta de dados sobre a população negra da América Latina através do Censo 2010.O encontro reuniu institutos internacionais de pesquisa, especialistas em indicadores socioeconômicos, agentes da Organização das Nações Unidas (ONU), além de diversos integrantes do governo brasileiro e representantes da sociedade civil.
A representante do Alto Comissariado da ONU, Sandra Aragon, lembrou durante seu discurso as inúmeras declarações, tratados e constituições federais que têm sido proclamadas no mundo e que trazem, geralmente no início dos textos, expressões sobre igualdade de direitos entre todas pessoas, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que traz em seu Artigo I que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.Por isso, é preciso que se crie mecanismos distintos para proporcionar essa igualdade, sem que isso se configure como discriminação. “Há necessidade de ações afirmativas, pois o povo afro ainda sofre com renegações históricas e falta de oportunidade, por isso a necessidade de um tratamento diferenciado. Mas nem toda distinção pode ser considerada discriminação quando proporcional, legítima e bem definida. A discriminação impede o ser humano de exercer seus direitos e deveres”. Para ela, a pesquisa de dados segregados pela população afrodescendente vai contribuir para a formulação de políticas públicas melhores.
Campanhas regionais – Já Epsy Campbell, representante da sociedade civil, vê no Seminário a oportunidade de viabilizar uma campanha regional para sensibilizar a população latino-americana e reposicionar o tema sobre afrodescendentes.”Não podemos e nem queremos esperar mais dez anos para sermos reconhecidos por nossos Estados!”, ressaltou.
Além disso, Campbell apresentou algumas idéias para a criação de uma estratégia de comunicação, como atividades culturais, atividades com universidades e a mídia, e abrir a discussão para toda a sociedade. “Devemos já começar essa mobilização a partir do segundo semestre deste ano”, disse.Representando o Ministério da Saúde, Adauto Martins, coordenador da Secretaria de Vigilância em Saúde, apresentou um trabalho de coleta de dados relativos à saúde da população dividida por cor/raça, que já vem sendo realizando há mais de dez anos, com dados de nascimento e de mortalidade da população.
“Cerca de 92% dos registros de nascimentos e morte são informados com recorte racial através do Sistema de Informação Hospitalar”, apresentou Adauto. Ele revelou que desde 2005 o Ministério da Saúde publica um livro com dados sobre todas as ações do órgão divididas por raça/cor. Para conhecer os dados e baixar as publicações, visite: www.saude.gov.br (clique no link Vigilância em saúde – Saúde Brasil).Importância dos dados – Fabiana Del Popolo, representante da CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina – da ONU, expôs a necessidade de todos terem a consciência da importância desses dados. “Por que é importante? Não há outra fonte comparativa, não se tem em qualquer lugar uma base de dados sobre a população negra. Devemos ter conhecimento de quem são, quantos são, onde estão e como vivem”, clamou.
Del Popolo lembrou, ainda, que alguns países latinos, com muito atraso, só identificaram suas populações indígenas em 2000. No entanto, o Panamá já incluiu para o seu Censo de 2010 perguntas voltadas aos afrodescendentes. Bolívia, Chile, México e Venezuela também estão estudando a desagregação de dados por raça/cor em seus respectivos censos.
Fabiana finalizou dizendo que o principal desafio “é buscar a qualidade das perguntas que irão para o questionário do censo e a participação da população, para usar a informação disponível para quantificar, caracterizar e avaliar as perguntas”.José Luiz Petruccelli, representante do IBGE, fez um apanhado histórico sobre a racialização e o início da classificação por cor nos censos do IBGE. “As grandes navegações dos séculos XV e XVI propiciaram o encontro entre povos e nações muito diferenciadas dando lugar à necessidade de pensar o outro na sua qualidade de diferente – com toda sua complexidade étnica, cultural, social, política e econômica. Hoje, verifica-se uma re-racialização do mundo globalizado, onde as relações inter-étnicas constituem-se como um dos eixos da produção e reprodução das sociedades e até de confrontos. Nesse sentido, a pessoa pode ser identificada, classificada, hierarquizada, priorizada ou subalternizada a partir de uma cor, raça, etnia ou origem a ela atribuída por quem a observa”, falou.
Classificação racial – Quanto à classificação racial, Petruccelli disse que foi incluída nos suplementos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1976 (Mobilidade e Cor), 1982 (Educação), 1984 (Fecundidade), 1985 (Menor) e 1986 (Suplementação alimentar) e, a partir de 1987, no corpo do questionário. Já para o próximo censo, enumerou alguns objetivos: levantar as dimensões mais relevantes da categorização por cor/raça/etnia das pessoas, respeitando rigorosamente o princípio da autodeclaração como forma exclusiva de identificação. Neste sentido, a pesquisa traz uma inovação metodológica: a seleção exclusiva de um entrevistado por domicílio que responde sobre a sua identificação étnico-racial; compreender o processo social de construção e utilização das categorias de identificação étnico-racial da população brasileira; e fornecer uma base empírica que permita subsidiar a elaboração de uma proposta alternativa para aprimorar o atual sistema de classificação de cor/raça/etnia utilizado nas pesquisas do IBGE.Petruccelli afirmou que a pergunta de classificação de cor/raça/etnia será incluída no questionário básico do Censo Demográfico de 2010, ou seja, será aplicada em todos os domicílios do país. Para a categoria indígena, se perguntará também a etnia a que pertence e a língua falada.
O representante do Fundo de População das Nações Unidas, Carlos Ellis, ressaltou que apenas 45% dos países latino-americanos incluíram ao menos uma pergunta sobre afrodescendentes no censo. E apresentou alguns problemas a serem resolvidos: muitas áreas não são censeadas; perguntas ambíguas; instrutores mal instruídos etc.Para isso, apresentou a necessidade de “sensibilizar os governos, a população em geral, e, principalmente, a população afro, que deve estar disposta a participar e ser contada. É preciso também, uma melhor capacitação dos técnicos para melhorar a abordagem com as perguntas étnicas”, lembrou.Realidade dos dados – Encerrado o evento, o professor Marcelo Paixão, da UFRJ, trouxe alguns objetivos palpáveis a serem alcançados. “Este seminário deve trazer resultados práticos e definição das perguntas e formas de avaliação da população afrodescendente. Por isso, devemos observar alguns itens para que se mostre a verdadeira realidade dos dados coletados e a efetiva contabilização dos grupos raciais”, observou.
Marcelo Paixão pediu que o movimento negro se integre com as ações do censo e esteja presente em todas as tomadas de decisões, opinando na constituição dos processos. Além do mais, Paixão advertiu para a troca de experiências com países que já implementaram políticas públicas voltadas aos afrodescendentes; para o compartilhamento do avanço brasileiro na inclusão do critério cor/raça no questionário e o acesso aos dados das pesquisas.
Wania Sant´anna lembrou que as informações e dados obtidos irão gerar conhecimento e melhorar a qualidade de vida da própria humanidade, a necessidade de campanhas de mobilização e conscientização, e estratégias pós-censo, além de verificar quais países não incluíram dados de raça/cor no censo.
Em breve resumo, seguem alguns pontos sobre as discussões de estratégias para o cumprimento dos objetivos: manter a autoidentificação; incluir o número de países que incluem o afro no censo; incluir ao menos uma pergunta relacionada ao idioma, já que muitas comunidades ainda mantêm idiomas próprios; a plena participação dos indígenas e afros em todo o processo censitário; identificar os locais em que as populações irão necessitar de tradutores para facilitar o entendimento e a participação das populações indígenas e afro no preenchimento dos dados.O Seminário ainda será realizado este ano no Equador, Venezuela e República Dominicana.