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Espetáculo com divas negras emociona Salvador
A convite das divas, público se levanta e vai dançar à beira do palco
Por Joceline Gomes
Silêncio absoluto, atenção e encantamento. Jogos de luzes, vozes de ialorixás e a orquestra anunciam o início do espetáculo Mães D´Água – Yèyé Omó Ejá. A plateia, hipnotizada, acompanha os primeiros acordes, tira fotos, suspira e prende a respiração quando entra a primeira diva da noite: Mariene de Castro. Substituindo Paula Lima, sua grave e singular voz ecoa, reverberando em sua postura de rainha, Rainha do Mar, Iemanjá em pessoa no palco do Teatro Castro Alves (Salvador/BA).
A clássica Caminhos do mar, de Dudu Falcão, Dorival e Danilo Caymmi, emociona a plateia, que canta junto e aplaude com força a segunda diva a entrar, para um dueto – Luciana Mello. Seu jeito de menina-mulher contrasta com a força da canção que interpreta com Mariene: a bela Arrastão, de Edu Lobo e Vinícius de Morais. A abertura do show não deixava dúvidas sobre o que viria: um espetáculo grandioso, digno de Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da cidade, celebrada no mesmo dia do lançamento do DVD Mães D´Água.
O concerto é dedicado às mulheres e à grande mãe africana do Brasil, a senhora das águas Iemanjá, iyabá (orixá feminino) da mitologia afro-brasileira que indiscutivelmente é a mais louvada e cantada por todo o País. Mariene de Castro, Luciana Mello, Alaíde Costa, Rosa Marya Colin, Margareth Menezes, Mart´nália e Daúde – sete divas negras da Música Popular Brasileira, de diferentes gerações e estilos, representando sete divindades – ou arquétipos de Iemanjá.
SÍMBOLOS – Dando sequência à belíssima homenagem à Rainha das Águas, as ilustres sereias-mães Rosa Marya Colin e Alaíde Costa deliciam os espectadores com Quem vem pra beira do mar, de Dorival Caymmi; Canto de Iemanjá, de Baden Powell e Vinícius de Moraes; e Conto de areia, de Romildo S. Bastos e Toninho Nascimento. A firmeza e a maturidade das vozes dedicadas à MPB transformam as intérpretes, nesta noite, em símbolo da devoção à iyabá.
A poesia, a serenidade e o romantismo estavam nos olhos, nos timbres e na postura das duas intérpretes, que sincronizavam uma dança ritualística suave enquanto cantavam e encantavam o público. Após este momento de deleite, a diva negra da animação, da força e da afirmação entra no palco. A voz grave anuncia: Margareth Menezes está presente, sendo ovacionada pela plateia baiana, sua casa, seu público.
O samba fica ainda mais excitante com a entrada da descontraída Mart´nália, que não deixa o entusiasmo esmorecer nem mesmo sobre a cadeira de rodas, amparo para o pé quebrado, arrancando aplausos e gargalhadas do público a todo momento. As duas divas brincam, dançam, se divertem e divertiam, enquanto fazem um duo pra lá de animado com Rainha do mar, de Dorival Caymmi.
A este dueto seguem-se solos das duas intérpretes. Margareth, com Na beira do mar, de Mateus e Dadinho, emociona fortemente a platéia (muita gente chora). Mart´nália, interpretando O mar serenou, ensaia ficar de pé, samba num pé só e chama o público para cantar, que responde, em uníssono, conforme ela pede: “Quem samba na beira do mar é sereia”.
Eis então que surge a última sereia da noite: Daúde. Com sua doce e sofisticada voz, a simpática e talentosa diva profere Agradecer e abraçar, de Vevé Calazans e Gerônimo, e Lenda das sereias, de Vicente, Dionel e Veloso, em dueto com Mariene de Castro, de forma original e fascinante.
Os solos e duetos sustentam o espetáculo até o final, quando as sete divas, em um encontro emocionante, cantam juntas Lendas das sereias e Dois de fevereiro, o grande hino a Iemanjá composto pelo baiano Dorival Caymmi. O público responde, em coro: “Oguntê, Marabô, Caiala e Sobá/ Oloxum, Ynaê, Janaína e Iemanjá…”. A última canção surpreende inclusive as estrelas, que vêem a plateia se levantar e ir para a beira do palco cantar, sambar e celebrar a Rainha Das Águas.
Embora a conexão entre as divas e a divindade – suas sete representações – permeasse toda a concepção do espetáculo, o mimetismo não se expressou de forma óbvia. O figurino (Márcia Ganem), criativo e belíssimo, e a iluminação (Irma Vidal), que realçava, com sensibilidade, o clima de cada canção, foram os “detalhes” que fizeram a diferença, complementando, com brilho e luxo, do jeito que Iemanjá gosta, este grandioso espetáculo.
Odoyá!