Notícias
Escolas precisam compreender especificidades quilombolas
Glória Moura fala da importância do território quilombola como espaço educativo
Daiane Souza
O Ciclo de Palestras Cultura Afro-brasileira: nosso patrimônio foi marcado, nesta quinta-feira (24), pela reflexão da professora Glória Moura da Universidade de Brasília (UnB), quanto às necessidades educacionais dos remanescentes de quilombos. Promovido pelo Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra da Fundação Cultural Palmares (Cnirc/FCP), esta etapa do ciclo teve como tema Quilombos contemporâneos: resistir e vencer.
Aproveitando que o público do encontro foi composto em sua maioria por estudantes e quilombolas, a especialista abordou a atual situação das comunidades no que diz respeito às suas especificidades escolares. “As crianças quilombolas precisam ter sua realidade sociocultural e histórica levadas em consideração no ambiente escolar”, disse Glória. Para ela, é dever da gestão dos sistemas de ensino, escolas e cursos de formação inicial e continuada de professores a adequação das referências e valores tradicionais na transmissão dos conhecimentos.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, para que estas adaptações aconteçam precisam ser considerados aspectos como o que se entende por quilombo, territórios quilombolas, direitos, cultura e ancestralidade africana. “Por exemplo, o lanche precisa ser pensado segundo a realidade dos estudantes”, disse Glória.
Quilombos contemporâneos – Até cem anos após a abolição, os quilombos eram considerados regiões com grandes concentrações de africanos que fugiam do regime de escravidão. Com a Constituição Federal de 1988, o termo “quilombo” passou a definir os territórios ocupados por seus remanescentes. Hoje, essas comunidades passam por etapas de identificação, autorreconhecimento e certificação, o que lhes garantem a legalidade e a posse inalienável de seus territórios.
Glória Moura ressalta que os territórios quilombolas significam mais que simples espaços a essas comunidades. “Para eles o valor da terra é cultural, pois é onde acontecem as manifestações herdadas de seus ancestrais: a música, as danças, os métodos para a subsistência”, explica. “A identidade se define pela cultura, pelas tradições e se reafirma na terra, em sua permanência nela”, completa.
História e resistência – Os conflitos territoriais são comuns entre grileiros e a maioria dos quilombos brasileiros que atualmente correspondem a 1717 certificados. Moradores da comunidade Mesquita, o quilombo mais próximo da capital federal – 30 km –, que também enfrenta especulação imobiliária e ameaças também participaram do encontro.
Sandra Pereira Braga, liderança do quilombo, considera essencial a iniciativa da Fundação Palmares de levar aos jovens em idade escolar o significado das comunidades tradicionais para a história do país. “O ciclo é uma oportunidade de resgate cultural ao mesmo tempo em que ensina a valorização de nossas origens, nossa cultura e intensifica o respeito aos nossos valores. Uma chance de mostrarmos o que fomos, o que somos e nossa possível situação futura enquanto quilombolas”, disse.
Marina Dutra Costa também é quilombola Mesquita. Estudante de Pedagogia, ela considera que a iniciativa precisa ser expandida na sociedade, mas também precisa chegar aos quilombos. Segundo ela, a difusão do conhecimento nas comunidades seria de grande importância para a aceitação das raízes e ajudaria a reforçar a identidade garantindo a proteção territorial. Ela, que tem formatura prevista para o próximo ano já pensa em como trabalhar sua realidade em sala de aula.
Perspectivas – De acordo com Carlos Moura, diretor do Cnirc/FCP, a instituição pretende com o Ciclo de Palestras desenvolver atividades no sentido de preparar os jovens em formação para a vida, valorizando a diversidade da cultura de matriz africana. Para ele, é uma chance também de dar voz à comunidade negra a fim de que se mantenha organizada para o presente e para o futuro.
“O estado só se move em benefício da sociedade se ela grita, reivindica, se organiza. Só ouve a voz rouca das ruas, quando ela se faz altaneira e isso só é possível quando todos nos organizamos”, estimulou Moura, reforçando que para que esses objetivos sejam atingidos é necessário, conhecimento, militância e comprometimento.