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Empossado, Zulu Araújo promete maior integração com países africanos
A importância do trabalho de Zulu Araújo a frente da promoção da cultura e do combate ao racismo na Bahia e também em outras partes do Brasil e do mundo foi lembrada pelo ministro Gilberto Gil. Segundo ele, a Fundação Cultural Palmares ganhou na atual gestão do presidente Lula o status de incrementar o intercâmbio entre o Brasil e os países africanos de língua portuguesa. Gilberto Gil reconheceu também as iniciativas de produção editorial e audiovisual e salientou a necessidade de se garantir a instituição recursos financeiros e humanos.
Em sua fala, o presidente Zulu Araújo também ressaltou o papel fundamental da FCP como um braço do governo brasileiro voltado a realizar políticas de produção cultural. Ressaltou também que em suas metas de trabalho estarão presentes o incremento do intercâmbio com o continente africano, valorização dos recursos humanos e o reforço em ações de Comunicação Social, para dar maior visibilidade a cultura afro na grande mídia ( rádio, TV e Internet).
Na gestão do Ministro Gilberto Gil, a Palmares reencontrou sua vocação natural, ou seja, fazer da cultura o principal instrumento de convencimento, sensibilização e difusão na sociedade brasileira da necessidade de superação da gritante desigualdade racial existente em nosso país. Para tanto, partimos de um olhar positivo sobre a contribuição africana para o Brasil. Sem negar ou esconder a dor e o sofrimento pelo qual passou e passa milhões de brasileiros de origem africana, fruto da tragédia histórica que foi a escravidão, fincamos o nosso ponto de partida no caráter civilizatório que a presença negra trouxe para o Brasil, bem como nas inúmeras experiências positivas do desenvolvimento humano que o continente africano legou para o mundo. E neste sentido, a cultura tem sido sua marca mais relevante. Cultura enquanto valor abrangente, que se expressa no modo de falar, cantar, dançar e trançar os cabelos, no ritmo dos seus tambores, no sabor e criatividade da sua culinária, no jeito de corpo para driblar os dissabores da vida, mas que caminha sem percalços pelos versos dos seus poetas e a prosa dos seus escritores. Cultura que está na sonoridade dos cantos – sagrados ou profanos – mas que também se manifesta na firme convicção de que a liberdade e a igualdade são valores universais e não propriedade de um pequeno grupo, etnia, nação ou região do mundo.
Foi, com este referencial, com esta guia de Xangô, que traçamos os nossos caminhos para o quadriênio que ora se encerra. Para tanto, o diálogo permanente com todos os segmentos da comunidade negra brasileira foi imprescindível.
A articulação com variados setores do Ministério da Cultura, e ministérios como o da Educação, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Justiça, Direitos Humanos, Seppir foi mais que uma opção, foi uma necessidade.
Neste particular, a parceria com o Ministério das Relações Exteriores foi das mais frutíferas. Percorremos inúmeros países com o apoio e a orientação fraterna e solidária do Departamento Cultural do MRE, culminando com a realização do maior evento da história das relações político/cultural entre o Brasil e o continente africano que foi a II Conferência dos Intelectuais da África e da Diáspora, na Bahia, em julho de 2006, presidida pelo Ministro Gil e que contou com a presença de 10 chefes de Estados, dentre eles o nosso Presidente da República Luiz Ignácio Lula da Silva.
A forte presença da Fundação Cultural Palmares, na área quilombola, articulada com o Ministério Público Federal, a Advocacia Geral da União e o Ministério do Desenvolvimento Social na defesa dos interesses dos remanescentes de quilombos, possibilitou o reconhecimento de mais 1.000 comunidades e o apoio a dezenas de demandas judiciais, oriundas da insensibilidade e conservadorismo que ainda permeia grande parte do campo brasileiro.
Também estivemos presentes na discussão e reflexão de temas abrangentes da sociedade brasileira, como a democratização do acesso ao ensino superior (cotas para negros nas universidades) e o combate à intolerância religiosa, que lamentavelmente ainda se faz presente em nosso país.
O Brasil, vive um momento particular na história do seu desenvolvimento. Poucas vezes, nestes 500 anos, tivemos uma chance tão poderosa para fincar raízes fortes e profundas na estrutura do nosso país rumo a um período sólido e duradouro de desenvolvimento sustentável. Por isto mesmo, temos que ter (todos) sensibilidade e clareza, para a um só tempo, afirmar os nossos interesses particulares, consolidar as nossas conquistas, mas também sermos parceiros e solidários dos demais segmentos sociais, na construção de um Brasil verdadeiramente democrático.
No seu Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil, O Ministro Gil, afirma – “O fato é que a cultura brasileira impacta tanto o crescimento material de emprego e renda como a qualidade de vida”, deixando claro o valor inestimável que a cultura possui para a consecução dos nossos objetivos, enquanto nação. Se esta afirmação vale para o Brasil, para a comunidade negra, no particular é como um mantra, pois não houve, até hoje, instrumento mais eficaz para a nossa própria sobrevivência que não a nossa cultura. Mais adiante, no mesmo documento, o Secretário Executivo, Juca Ferreira, complementa – “Trata-se de uma compreensão da cultura como dimensão simbólica da vida social, como direito de cidadania, direito de todos os brasileiros e como uma economia poderosa, geradora de ocupação e renda”. Nada mais apropriado para a importância e a força da cultura no processo de inclusão racial do nosso país.
Integrar-se a este esforço que vem sendo desenvolvido pelo Ministério da Cultura será algo imprescindível para que a Palmares continue sendo a implementadora líder da política de fortalecimento da cultura afro-brasileira. Outro elemento importante, neste novo momento da Palmares, é a necessidade premente de ampliação do diálogo com os demais segmentos da sociedade brasileira, em particular com os poderes legislativo e judiciário, mas sobretudo, com as organizações, entidades e instituições que compõe o campo democrático da nossa sociedade e que possuem demandas assemelhadas às nossas, para que juntos possamos não apenas enfrentar as resistências aos avanços democráticos na área cultural, mas, para, primordialmente, ampliar os espaços de negociação, consolidar conquistas e garantir o tratamento digno e igualitário para a cultura afro-brasileira.
Neste sentido, embora tenhamos construído um bom trabalho, há muito por fazer. Para darmos continuidade a este processo de avanços e conquistas, será preciso ousar mais. E, para tanto, teremos em primeiro lugar que dar seqüência aos trabalhos que deram certo, ampliando-os de tal forma que os mesmos tornem-se irreversíveis. Um bom exemplo neste sentido, é o intercâmbio internacional. A Palmares precisa e deve ampliar o contato com os países africanos, particularmente os de língua portuguesa, bem como consolidar instrumentos e mecanismos que viabilizem a troca permanente de experiências culturais neste terreno.
A II Conferência dos Intelectuais da África e da Diáspora, realizada no Brasil, em 2006, foi uma semente e o sinal de que podemos ser a referência maior no processo de reflexão e elaboração de propostas para o fortalecimento da cultura negra nos países da diáspora. Mais que isto, podemos ser um elemento poderoso na articulação de políticas internacionais para o tão desejado “renascimento africano” desde que cumpramos com o nosso dever de casa, que é a implementação de políticas públicas abrangentes e inclusivas, e neste sentido, a Fundação Cultural Palmares é um “lócus” privilegiado para consecução destes objetivos. Há, evidentemente outras ações que podem e devem ser desenvolvidas neste campo, pois deram ótimos resultados, tais como:
a. Realização do II Festival África/Brasil.
b. Realização da II Mostra Pan Africana de Arte Contemporânea.
c. Realização da II CIAD Cultural.
d. Realização da I Conferência Mundial de Doadores para a viabilização do Portifolium de Projetos da CPLP.
No plano nacional, a carência existente no fomento as manifestações culturais afro-brasileira é um fato. Como também é um fato a escassez de recursos da Palmares para atender a demanda tão extensa. Portanto, construir parcerias deixa de ser uma opção e passa a ser uma obrigação. Articular-se interna e externamente será uma tarefa prioritária para a próxima gestão. Discutir e refletir com os demais organismos do MinC sobre as sugestões e contribuições que os mesmos podem aportar para o fortalecimento da cultura afro brasileira, será um imperativo. Do mesmo modo, a interlocução permanente com empresas estatais, agências de desenvolvimento e outros ministérios que tenham interface direta com o nosso trabalho, será uma ação permanente. Por isto mesmo, a criatividade aliada à determinação deverão ser instrumentos importantes para que as ações da Palmares ganhem escala e amplitude.
Um dos grandes desafios postos hoje à sociedade brasileira, é encontrar caminhos que estimulem a plena participação da juventude no processo de desenvolvimento do país e o reconhecimento dos mesmos enquanto cidadãos. No caso particular da juventude negra, este é um tema crucial. Habitando, em sua grande maioria, as periferias das grandes cidades, ela está sujeita a toda sorte de violência: física, emocional, social, racial, etc., além da exclusão dos direitos mais elementares como o de ir e vir. Elaborar e implementar uma política pública que amplie o acesso dos jovens afro-brasileiros aos bens culturais, que valorize e estimule sua organização através das atividades culturais e que seja um forte mecanismo de articulação com área educacional, concretizando assim o sonho da inclusão desta juventude na sociedade brasileira, deverá ser uma importante tarefa a ser também desenvolvida pela Palmares. Considerando que já existem inúmeras experiências em andamento e com relativo sucesso, como o Movimento Hip Hop, os Pontos de Cultura, Blocos Afros, etc., caberá a Palmares incentivar e apoiar estas experiências, articulando-as com as demais ações do MinC nesta área, bem como com as ações da Secretaria Nacional da Juventude do Governo Federal.
No campo da reflexão crítica sobre a produção cultural, qualificar a discussão sobre a cultura negra é uma das missões mais relevantes que a Palmares tem a seu alcance. Identificar e acolher sugestões de temas importantes para o debate, como o Estatuto da Igualdade Racial ou a avaliação do Sistema de Cotas nas Universidades Públicas brasileira, serão essenciais. Promover e estimular o estudo e a pesquisa, além de apoiar e lançar publicações sobre a temática afro-brasileira, será de grande importância.
No que diz respeito à comunicação, teremos que de um lado dar prosseguimento às ações que a Palmares vem desenvolvendo e de outro buscar espaço nos grandes meios de comunicação (Rádio, Internet e Televisão), tendo em vista sua enorme capilaridade, para que a imensa e criativa produção cultural de origem negra tenham a visibilidade que merece. Sensibilizar e convencer os dirigentes destes veículos será o grande desafio, mas não impossível de se realizar, haja vista o campo favorável existente hoje, na sociedade brasileira, para ações deste porte. Neste sentido, a articulação com as TVs Públicas e em especial com a Radiobrás servirá de grande estímulo para que tenhamos resultados positivos.
A proteção ao patrimônio afro-brasileiro tem sido um dos trabalhos mais difíceis que a Palmares tem enfrentado, por envolver a um só tempo a velha questão agrária brasileira, a discriminação racial e a intolerância no seu grau mais concentrado. Embora representem pouco mais de 3% da população afro-brasileira, a situação dos quilombolas no Brasil é tão dramática que transformou-se numa questão de honra para a superação do racismo em nosso país. Portanto, ampliar este atendimento, consolidar as vitórias alcançadas e em articulação com o INCRA e a SEPPIR intensificar a titulação das terras quilombolas deverá ser o passo adiante nesta caminhada.
Ainda neste terreno, outro patrimônio afro brasileiro precisa de cuidado todo especial: a religiosidade de matriz africana no Brasil. Vítima das mais odiosas e permanentes campanhas de difamação e discriminação, as religiões de matrizes africanas tem resistido bravamente aos seus detratores e dado ao nosso país grandes lições de compreensão, tolerância e generosidade. Proteger e apoiar ações que levem ao pleno reconhecimento da enorme contribuição que estas manifestações tem ofertado ao nosso povo e o direito inalienável que os seus adeptos possuem de professá-las, é uma obrigação não apenas da Fundação Cultural Palmares, mas de todo e qualquer cidadão brasileiro. Estabelecer uma política especial para o tratamento deste segmento, aliado a ações com outros ministérios, como o de Desenvolvimento Social e da Justiça, será fundamental.
Enfim, este será mais um desafio na minha vida pública, que espero poder enfrentá-lo com a mesma determinação com que conduzi minha vida até o momento, mas sobretudo com a parceria, compreensão e solidariedade dos servidores da Palmares e do Ministério da Cultura.
Toca a zabumba que a terra é nossa !
Zulu Araújo
Presidente da Fundação Cultural Palmares