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Embaixadora do Brasil na Etiópia fala sobre o Seminário realizado pela FCP e UNESCO
Por Denise Porfírio
Embaixadora do Brasil na Etiópia, Isabel Azevedo Heyvart, representante brasileira na União Africana (UA), afirma que os africanos têm um imenso respeito pelo governo brasileiro e que olham para o país como modelo de desenvolvimento econômico e social. A embaixadora é também uma das 14 diplomatas voluntárias que integram um grupo designado a analisar a situação das mulheres do Sudão.
Em entrevista ao site da Fundação Cultural Palmares, Isabel Azevedo Heyvart fala sobre o Projeto A Rota do Escravo e o Seminário Internacional “Herança, Identidade, Educação e Cultura: gestão de sítios e lugares de memória ligados ao tráfico negreiro e à escravidão”, realizado em Brasília, além de dar opinião sobre políticas públicas, sociais e econômicas entre Brasil e Etiópia.
O tráfico negreiro proveniente da Etiópia, no século XIX, trouxe para o Brasil um imensurável legado de tradições culturais africanas. Que contribuições a Etiópia acrescenta ao Brasil hoje?
A Etiópia já tinha 1.500 anos de história quando o Brasil foi descoberto e quando houve a independência do Brasil. Nós herdamos um sistema de relações típico da época. Nosso relacionamento era primordialmente com os países europeus. Fundamentalmente, a grande contribuição que a Etiópia pode trazer para o Brasil é histórica. O país tem uma história única do cenário africano é o único que jamais foi colonizado com dois mil anos de história com uma língua e escrita própria. É um país singular, símbolo de liberdade e história motivo de orgulho para todos nós que temos raízes africanas.
O projeto A Rota dos Escravos marca as relações da África com outros continentes. Como essa experiência contribuirá para o seu trabalho de articulação entre os setores públicos e privados do Brasil e da África?
Uma das coisas que eu achei muito importante desse encontro foi o processo de reflexão e, principalmente, um aspecto que eu sinto muito falta no meu trabalho, a inexistência de uma massa crítica de pessoas do Brasil que conheçam a África e que garantam a sustentabilidade desse processo de intensificação das relações do Brasil com o Continente Africano. Eu gostaria de ver pessoas trabalhando em todos os níveis: internacional, social, econômico, comercial, entre outros. Uma das ideias que me ocorreu foi promover um memorando de entendimento entre o governo brasileiro e a União Africana, para que a gente possa promover a ida de estudantes brasileiros universitários ou de pós-graduação para conhecer o funcionamento da União Africana para ter uma visão completa, de maneira que as pessoas possam conhecer de fato a África.
A Etiópia é considerada um dos sítios mais antigos da existência humana. Na opinião da senhora, quais são as principais medidas de preservação da memória dessa ancestralidade?
Esse é o berço da humanidade. Esse é um desafio muito grande, principalmente se tratando de um país com desafios sociais enormes, com poucos recursos e com uma população de 82 milhões, que vive de modo extremamente modesto. O governo valoriza muito isso, mas nem sempre a realização desse interesse acontece do melhor modo possível. Faltam recursos. Há preocupação internacional de organismos como a UNESCO de participar, de apoio à conservação de elementos históricos, da qual a Etiópia realmente compreende. Mas, seria necessário um esforço muito maior.
Na Etiópia existem catalogadas aproximadamente 160 locais arqueológicos descobertos ao sul de Adis Abeba. Quais relações a senhora faz da cultura etíope com o patrimônio negro brasileiro?
Em primeiro lugar, sobre Adis Abeba é o nome da capital da Etiópia é um nome amárico que significa Nova Flor. Eu acho isso muito poético. Conheço alguns poucos deles e uma coisa que eu me ressinto muito na Etiópia é exatamente a falta de informações consolidada sobre isso, até mesmo para uma pessoa que tem interesse na história é muito difícil encontrar os interlocutores para alimentar e dar informações.
Quais contribuições a senhora leva deste Seminário para a redução das desigualdades raciais existentes no Brasil e na África?
Para mim, o mais importante agora, inclusive dada a essas conexões entre o tema Rota do Escravo e a União Africana, é reforçar o foco nesse assunto e verificar qual o nível de desenvolvimento dele no âmbito da União Africana e, a partir daí, procurar reforçar todos os vínculos possíveis com o Brasil nesse campo, aproveitando as oportunidades de descobrir formas de cooperação. Eu acho que vai ser uma das minhas prioridades. Falar em prioridades na Etiópia é difícil, porque são muitos os temas de interesses recíprocos a trabalhar, diante da dificuldade. Foi a primeira vez que eu participo de um seminário dessa natureza, foi uma grande revelação. Eu fiquei muito surpresa com o nível de participação das discussões, com a motivação das pessoas e com o interesse em recuperar esse nosso passado. Eu, como afrodescendente, fui surpreendida com várias informações. Já é mais do que hora de sabermos a nossa história e os detalhes que nos foram negados.
A senhora faz parte de um pequeno e seletivo grupo de mulheres que trabalham com a análise da situação das mulheres sudanesas. Com base nesta experiência, quais são as medidas que a acredita ser cabíveis para a valorização da mulher negra?
É um grupo informal de mulheres embaixadoras junto à União Africana. Composta por representantes dos Estados membros e dos Estados observadores latinos, europeus e das américas. E nós percebemos a importância do nosso grupo como porta-voz dessas mulheres. No ano passado, nós visitamos o Sudão juntos com as Nações Unidas para perceber qual era a situação das mulheres em um estado de forte instabilidade política. O objetivo era perceber as questões femininas e a participação política das mulheres sudanesas. Foi muito interessante, porque nosso trabalho foi o de chamar a atenção. Descobrimos que em alguns casos as mulheres estão participando das negociações, mas, na verdade, elas não estão na mesa das negociações. O que também nos chamou a atenção foi a situação das mulheres nos campos de refugiados e no empoderamento dessas mulheres quando a situação se normalizar para que elas tenham condições de contribuir para o crescimento do país e se tornarem seres autônomos.
Esse ano, houve outra iniciativa nossa relacionada à questão da Somália. Em fevereiro, teve a grande reunião da Conferência de Londres sobre a Somália e foi uma janela de oportunidades para finalmente retirar a Somália da situação de conflito, definitivamente. Descobrimos que o papel da mulher nesse processo todo estava totalmente esquecido. De modo que graças à mobilização do grupo houve um foco maior nas questões de promoção de gênero.
O grupo atribui uma enorme importância a participação do Brasil, porque o país é símbolo de vanguarda, pois temos pela primeira vez uma presidenta. Isso tem um impacto no trabalho com as questões de gênero.