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EM DEFESA DO DECRETO 4887/2003
O Decreto nº 4887/2003, erguido após profunda discussão com a sociedade civil, é conhecido por regulamentar o procedimento, de competência atribuída ao INCRA, para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombo. Contudo, além disso e dentre outras coisas, esse Decreto é responsável:
Por apresentar a definição de maior consenso sobre comunidades remanescentes de quilombo – são “grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”;
- Por destinar à Fundação Cultural Palmares (FCP) o dever pela certificação das comunidades autodefinidas como remanescentes de quilombos e por sua inscrição em um Cadastro Geral; e
- Por garantir assistência jurídica para defesa da posse dos territórios tradicionalmente ocupados por essas comunidades contra esbulhos e turbações.
- Decreto nº 5.758/2006 – Institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, seus princípios, diretrizes, objetivos e estratégias. Esse Plano reconhece que assegurar os direitos territoriais das comunidades quilombolas funciona como instrumento para conservação de biodiversidade;
- Decreto nº 6040/2007 – Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e seu objetivo é promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. Fundação Palmares, INCRA e SEPPIR fazem parte do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais;
- Portaria Interministerial nº 419/2011, substituída pela Portaria Interministerial nº 60/2015 – Estabelece procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA e postula que sempre que houver impacto socioambiental direto em terra quilombola, a comunidade deverá ser consultada;
- Portaria nº 175/2016, do INCRA – Reconhece os agricultores familiares remanescentes de quilombos como beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária, incluindo aí, acesso às mesmas linhas de crédito, políticas de assistência técnica e demais políticas de desenvolvimento.
Cabem ainda alguns outros esclarecimentos. Primeiro, para ser certificada pela Fundação Palmares, uma comunidade, além de se identificar como remanescente de quilombo, necessitará apresentar requisição formal ao presidente da instituição, seguido de relato sintético da história da comunidade e de ata de reunião/assembleia convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela maioria de seus moradores, acompanhada de lista de presença devidamente assinada, conforme informa a Portaria FCP nº 98/2007.
No que diz respeito ao processo conduzido pelo INCRA, a demarcação e posterior titulação só ocorre após executados um conjunto de estudos que compõem o RTID, dentre os quais estão o Relatório Antropológico de caracterização histórica, econômica, ambiental e sociocultural; o levantamento fundiário; a planta e memorial descritivo do perímetro da área reivindicada; e o cadastramento das famílias.
Portanto, é flagrante que não possui base a afirmação apresentada pelo, então, Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), na petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, de que o Decreto nº 4887/2003 reconhece o direito à propriedade das terras a quem apenas se autoidentificar como remanescente das comunidades dos quilombos e que a demarcação dessas terras se dá por mera indicação dos interessados, sem considerar critérios histórico-antropológicos. Essa informação é extremamente equivocada e quem a faz só pode fazer por duas razões: desinformação completa ou má fé.
Vale ressaltar que existem também outros normativos que detalham o regramento das disposições do Decreto nº 4887/2003. Destacam-se a Portaria FCP 98/2007, que regula o procedimento da certificação de uma comunidade como remanescente de quilombo, e a Instrução Normativa nº 57/2009, do INCRA, que esmiúça o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por essas mesmas comunidades.
É importante lembrar a todas e a todos que, ao longo desses quase quinze anos de vigência do Decreto nº 4887/2003, foram certificadas 2.958 comunidades pela FCP, e o INCRA, por sua vez, titulou, total ou parcialmente, 151 territórios, publicou o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) de 238 comunidades e possui outros 1.536 processos abertos.
Nesse período, as comunidades remanescentes de quilombo foram adquirindo prestígio e sua proteção, preservação e promoção foi ganhando reconhecimento, o que pode ser comprovado, por exemplo, pelo número de normativos jurídicos que foram editados e que, em algum grau, tratam da questão quilombola. Segue uma breve lista:
Por isso, o dia 16 de agosto de 2017 poderá ficar marcado na história do nosso país e na história da luta da população afro-brasileira, especialmente para as comunidades remanescentes de quilombo. A depender do resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, a data poderá ser vista como um marco do reconhecimento à resistência, à força e à grandeza dessas comunidades, que enfrentaram séculos de opressão e desprestígio do Estado brasileiro, e como um movimento de consolidação de direitos recentemente alcançados, mais precisamente a partir da Constituição Federal de 1988, ou, pelo contrário, será lembrada como uma inflexão, um retrocesso em relação às conquistas que, além de corrigir dívidas históricas, buscam garantir tratamento digno a esses povos e valorizar seus modos de vida.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a ADI nº 3239 e é preciso o voto seis ministros a favor da manutenção do Decreto nº 4887/2003 para que essas conquistas não se desmanchem no ar. Por essa razão, convidamos todas e todos a assinar a petição idealizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a dizermos ao STF, em alto e bom som, que NÃO aceitamos a ADI nº 3239.
O Brasil é Quilombola!
Somos todos Quilombolas – A favor da constitucionalidade!