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Diminuir a vulnerabilidade das comunidades quilombolas é foco da Fundação Palmares
Eurides Antônio Ribeiro, 81, é um dos moradores mais antigos do distrito de Mato Grande ainda vivos Foto: Lucas Amorelli / Agencia RBS.
Por Andrei Andrade/ o Pioneiro
Na reportagem Viver e morrer no “Matão” , o Almanaque mostrou a história da comunidade de Mato Grande, distrito de muitos Capões, único grupo na Serra a receber o certificado de autodefinição de Comunidade Remanescente de Quilombo (CRQ) pela Fundação Cultural Palmares.
Vinculada ao Ministério da Cidadania, a Fundação Cultural Palmares (FCP) é o órgão responsável por conceder as certificações das Comunidades Remanescentes de Quilombo (CRQs). No Rio Grande do Sul, existem 130 CRQs, a maioria na região Sul do Estado, em municípios como São Sepé, Canguçu e Piratini. Além de “colocar no mapa”, o título concede a esses grupos, que muitas vezes vivem em extrema vulnerabilidade social, facilidades no acesso a políticas públicas de Saúde, Educação e Cultura por parte do governo federal.
A seguir, confira entrevista feita pelo Almanaque com o presidente da FCP, Vanderlei Lourenço:
Almanaque:
Qual a importância de uma comunidade obter a certificação de Comunidade Remanescente de Quilombo
?
Vanderlei Lourenço
: O início dessa relação parte da própria comunidade, através da sua associação local, tendo como base a descendência dessas pessoas. Logo, naturalmente, ela irá anexar a documentação que possa comprovar a sua relação com aquela localidade. O fato de se reconhecer como CRQ traz alguns benefícios, principalmente no sentido de facilitar o acesso a políticas públicas por parte do governo federal. No caso específico de Mato Grande, constam nos processos os relatos e os documentos dos bisnetos dos primeiros casais que iniciaram aquela comunidade, em 1874, que eram descendentes de povos escravizados. Esse é o início para que a Fundação possa reconhecê-los, com base na sua própria autodeclaração.
É importante salientar que a FCP uma fundação cultural, que tem como marco de atuação preservar traços da cultura oriunda dos povos africanos no país. A partir disso, temos uma atuação social, em conjunto com vários órgãos do Estado, que visa levar melhorias para essas comunidades. Muitas delas estão localizadas em lugares de difícil acesso, algumas vivem quase em isolamento em relação ao município-sede, seu modo de vida muitas vezes é o trabalho de agricultura, mais braçal. Acaba por haver uma situação de vulnerabilidade muito grande e o trabalho de dar esse reconhecimento é para buscar minorar essa situação.
É possível que haja outras comunidades quilombolas na Serra que ainda não tenham pedido a sua certificação?
A certificação é o primeiro passo para que a existência dessa comunidade se torne oficial e que possa haver uma presença maior do Estado no local. Certamente há outras que ainda não se organizaram e nem solicitaram esse reconhecimento. Sobretudo nessa região, que tem um histórico grande com os povos escravizados. Num local onde houve um número grande de pessoas escravizadas, é natural que tenha havido quilombos ou que, mesmo após a abolição, tenha havido comunidades por perto e que seus descendentes ainda estejam nessa região. Não necessariamente existiu ali um quilombo. Pode acontecer que, após a abolição, as pessoas passaram a residir em determinado local, e que seus descendentes tenham permanecido. Essas comunidades são remanescentes em função desse histórico.
Reunir documentação é um entrave?
Existe, sim, a dificuldade de ter a documentação formal. Isso exige uma pesquisa mais detalhada, que permita reunir elementos que demonstrem os laços dessa comunidade. A certificação se dá a partir da autodefinição, mas, após a certidão, é feita toda uma pesquisa antropológica e de checagem de documentos. Muitas vezes é preciso o laudo antropológico, para que o Incra possa regularizar a propriedade daquela terra para os seus moradores, nos casos em que isso é necessário. Não foi o caso de Mato Grande, em que as famílias já tinham a propriedade da terra.