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Delegação de Cabo Verde busca parcerias no Brasil na área cultural
Publicado em
02/09/2008 09h00
Atualizado em
02/04/2024 10h57
Para os membros do Ministério da Cultura de Cabo Verde as perspectivas de cooperação cultural com o Brasil são as melhores possíveis
Uma delegação de representantes do Ministério da Cultura de Cabo Verde veio ao Brasil com o objetivo de conhecer políticas culturais brasileiras e buscar parcerias que possibilitem àquele país incrementar ações nas áreas de audiovisual, bibliotecas, patrimônio e direitos autorais. A comitiva foi composta pelo presidente do Instituto da Investigação e Patrimônio Culturais, Carlos Carvalho; pelo presidente do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Joaquim Morais; pelo diretor de Salvaguarda do Patrimônio, Martinho Brito; pelo diretor da Promoção Cultural e Direitos do Autor, José Maria Barreto; e pela diretora do Centro Cultural do Mindel, Josina Freitas Fortes.
Cabo Verde, país africano com pouco mais de 500 mil habitantes, somente em 1975 conquistou sua independência de Portugal. Gradativamente, o Estado, em suas várias esferas, está procurando se equipar e estruturar políticas públicas para oferecer aos cabo-verdianos mais opções nas diversas áreas culturais.
A delegação cumpriu uma agenda extensa, no período de 25 a 30 de agosto, em que ouviu relatos e propostas das autoridades brasileiras nesses setores. Para os membros da comitiva, a visita ao Brasil foi bastante frutífera e promete amplas possibilidades de cooperação, necessárias e propensas a darem bons resultados, além de servirem para o estreitamento das relações entre os dois países, ambos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em todas os encontros, as autoridades brasileiras se mostraram bastante acessíveis e dispostas a estabelecer parcerias em todas as oportunidades para a promoção, a qualificação profissional e dos serviços que explorem essas potencialidades.
Experiências históricas e culturais – No primeiro dia de visitas ao Brasil, a comitiva se reuniu, no Rio de Janeiro, com o presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Muniz Sodré, que expressou aos visitantes a grande identificação entre brasileiros e cabo-verdianos, resultado de experiências históricas e culturais similares. Discorreu sobre os programas Livro Aberto, que pretende zerar o número de municípios brasileiros sem bibliotecas, Biblioteca Digital, que disponibiliza parte do acervo da FBN de documentos raros dos séculos XVI ao XVIII para acesso via internet. O professor Muniz Sodré falou também sobre os cooperações internacionais, como o Prêmio Camões (com Portugal) e a participação na Cerlalc (Centro Regional de Fomento ao Livro na América Latina e Caribe).
O presidente do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Joaquim Morais, falou sobre a instituição que preside, criada em 1999, e das possibilidades de conhecimento técnico a partir da experiência da FBN/MinC e do apoio para conquista de uma agência ISBN em Cabo Verde.
No dia seguinte, 26, os membros da delegação foram visitar os museus Chácara do Céu e Castro Maya, onde tiveram conhecimento sobre os acervos e da importância histórica e cultural desses museus. Em seguida, foram à TV Futura, onde lhes foram apresentados os três eixos trabalhados nas relações internacionais: licenciamento de conteúdo, jornalismo e co-produção. A equipe do Canal Futura falou também sobre a parceria entre a emissora e a Soico TV, de Moçambique, que resultou em uma série de programas rodados naquele país em 2006, e na possibilidade de iniciativa semelhante ser formulada com Cabo Verde.
O Canal Futura foi convidado a participar do Fórum de Economia Cultural, que será realizado em novembro, em Cabo Verde.
Na Funarte, último compromisso no Rio, a comitiva cabo-verdiana tomou conhecimento das políticas desenvolvidas pela instituição. Ali relataram que hoje a música é o setor que mais se destaca mundialmente, mas, como em outras áreas, há a necessidade de formação técnica e acadêmica. Falaram de algumas iniciativas nas áreas de artes plásticas e música e reafirmaram o interesse em conhecer a experiência e firmar acordos de cooperação nessas áreas.
Parcerias e conservação do patrimônio – Em Brasília, a agenda foi igualmente extensa. No primeiro dia, a delegação do Ministério da Cultura de Cabo Verde conheceu a nova sede da Fundação Cultural Palmares, o trabalho da Secretaria do Audiovisual (SAV) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os encontros apontaram para a possibilidade de várias parcerias para os dois países, na formação de artistas e na conservação do patrimônio cultural.
Ainda pela manhã, seguiram para o Ministério da Cultura, para uma reunião com a Secretaria do Audiovisual. O diretor da SAV, Paulo Alcoforado, apresentou o projeto DOC-TV CPLP, que envolverá documentários da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A delegação de Cabo Verde foi convidada pelo diretor a participar desse projeto, que tem data prevista de execução para janeiro de 2009.
À tarde, a delegação participou de uma reunião no Iphan, com o presidente do Instituto, Luiz Fernando de Almeida. Na reunião, Carlos Carvalho disse da necessidade de aproximar as relações e de ganhar a experiência do Brasil. Falou sobre a realidade de Cabo Verde, onde cada município exige a sua biblioteca e o seu centro cultural. O presidente do Iphan convidou Cabo Verde a participar da concepção do Centro de Patrimônio Mundial no Brasil, onde haverá formação permanente e pode funcionar uma política de cooperação para essas formações. Segundo Luiz Fernando, o centro faz parte de um projeto da Unesco de implantar centros de patrimônio mundial em várias regiões do mundo. O centro da América Latina ficará no Brasil e deve começar a funcionar em 2009, no Rio de Janeiro.
Incentivo à leitura e produção literária – Na quinta-feira, pela manhã, a delegação, em reunião com os coordenadores do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), soube como funciona o programa brasileiro de incentivo à leitura e à produção literária. O PNLL é um conjunto de políticas, programas, projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela sociedade para promover o livro e a leitura. E tem por finalidade assegurar a democratização do acesso ao livro, o fomento e a valorização de leitura, e o fortalecimento da cadeia produtiva do livro como importante fator para o incremento de produção intelectual e o desenvolvimento da economia nacional.
O secretário-executivo do PNLL, José Castilho Marques Neto, apresentou à delegação alguns dados obtidos por pesquisas, como a leitura do brasileiro, que hoje está em torno de 4,7 livros por ano. No entanto, o secretário explicou que se desse número forem retirados os livros escolares, a média cai para 1,3 livro por ano. Média muito baixa se comparada com outros países sul-americanos, como Argentina, Chile e Colômbia.
Alguns dos principais problemas para esses números são: a baixa tiragem de livros e o alto custo do preço que chega ao consumidor, “bem diferente da capacidade de compra do brasileiro”, disse Castilho. E ainda, a falta de ações governamentais contínuas por parte dos governos municipais, estaduais e federal.
Os representantes cabo-verdianos puderam verificar o esforço do governo brasileiro para reverter esse quadro. O secretário-executivo apresentou algumas metas fundamentais, como o conhecimento pleno da situação do país – que só pode ser obtido através de pesquisas; a sistematização e integração das ações; a criação de estruturas e formas de financiamento, além de tornar as ações do livro e da leitura um programa permanente.
José Castilho explicou que é preciso entender a produção literária como parte da economia brasileira. “A economia do livro influencia o desenvolvimento econômico do país”, disse. E comentou, também, a existência de convênios com financiadores públicos para o incentivo à indústria editorial e ao comércio livreiro, como exemplo, o Banco do Nordeste, que possui um programa de liberação de crédito para implementar, ampliar e modernizar iniciativas voltadas ao desenvolvimento da cultura nordestina.
O presidente do Instituto da Biblioteca Nacional do Livro de Cabo Verde sugeriu que as informações sobre o PNLL sejam levadas para a próxima reunião entre os ministros do Brasil e de Cabo Verde, a fim de que programas como esse sejam desenvolvidos em conjunto e implementados em ambos os países em parceria.
À tarde, a delegação participou da posse do novo ministro da Cultura, Juca Ferreira, no Palácio do Planalto. Atentos, elogiaram o discurso do presidente Lula e do ex-ministro Gilberto Gil. Na transmissão do cargo, impressionou a presença da diversidade brasileira: grupos de Samba de Roda do Recôncavo Baiano, lideranças indígenas, povos ciganos, artistas, cineastas, autoridades e representantes culturais de todo o país. Para eles, impossível não se admirar com o novo ministro. O discurso contundente e recheado de propósitos, em que o ministro firmou o seu compromisso para o desenvolvimento cultural do país, deu-lhes a certeza de que há de fato a possibilidade de parcerias promissoras entre os dois países.
Ponto de Cultura Grupo Atitude – Na sexta-feira, a comitiva segiu para a cidade de Ceilândia, para conhecer o ponto de cultura Grupo Atitude, uma organização não-governamental criada em 1998 por um grupo de jovens moradores da região. A organização não tem vínculo partidário, estudantil, nem religioso e se fundamenta nos princípios da cidadania, na luta pela garantia dos direitos civis constituídos, acreditando estar, dessa forma, contribuindo para uma sociedade mais justa e solidária.
A entidade desenvolve ainda atividades de cunho social nas áreas de saúde, educação e defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de exclusão social, em conflito com a lei, moradores de rua e estudantes da rede pública de ensino do DF.
O Grupo Atitude trabalhou nestes anos para encontrar respostas coletivas a esses tipos de carências, criando espaços de debates, encontros e organização envolvendo adolescentes, operadores culturais, professores e pais. A estratégia dessas atividades é trabalhar o protagonismo social dos jovens da periferia, a defesa dos direitos básicos e ao mesmo tempo propor ações e projetos de inclusão social, produtiva e cultural.
Recepcionados por crianças assistidas pela instituição, os membros da comitiva assistiram à apresentação de um sarau, com dança, desenhos etc. Conversaram entusiasmadamente com a delegação, curiosos por saber mais a respeito da cultura de Cabo Verde, o crioulo e o que estavam achando do Brasil durante sua passagem aqui.
Após isso, foram apresentadas as instalações da instituição, que possui uma biblioteca, ilha de edição de vídeos, uma radioweb comunitária e um estúdio de gravação. Sérgio de Cássio, idealizador do Atitude, conversou com a delegação e contou um pouco da história do grupo, sua relação com a comunidade e o hip-hop, e do interesse em conhecer novas culturas para passar aos jovens de Ceilândia.
Carlos Carvalho, chefe da delegação, expressou alegria em conhecer o projeto Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura, em especial de ir conhecer de perto a experiência de um ponto em funcionamento. Disse que essa idéia pode ser replicada em Cabo Verde, com as adaptações necessárias. Josina Fortes, diretora do Centro Cultural de Mindelo, propôs colocar em contato o grupo Atitude com os grupos de hip hop de Cabo Verde ,a fim de trocarem experiências sobre música e realidades. Joaquim Morais, da Biblioteca Nacional, informou que doará à biblioteca do Ponto alguns livros sobre a história e a cultura de Cabo Verde, para que as crianças e adolescentes que freqüentam o lugar possam saber mais sobre o seu país.
Fortalecimento da relação – Mais uma reunião ministerial concluiu o circuito de todas as áreas do Ministério da Cultura. Desta feita, a reunião contou com a presença do novo secretário-executivo, Alfredo Manevy, do secretário dos Direitos Autorais, Marcus Souza, e do presidente da Fundação Cuiltural Palmares, Zulu Araújo, que relatou como se iniciou essa relação, desde a sua primeira visita a Cabo Verde, e como esse processo avançou até culminar nesta visita dos membros do Ministério da Cultura de Cabo Verde. Zulu Araújo ressaltou a necessidade dessa relação, que tem como principal eixo de ação, o fortalecimento da língua portuguesa, o laço cultural, identitário, que une.os dois países e os demais membros da CPLP. Propôs fazer do Seminário Internacional Economia Cultural uma agenda estratégica entre os dois países.
Para Carlos Carvalho, neste célebre encontro com o Brasil, “estamos de fato solidificando o compromisso de todos em uma base muito sólida. A cultura é uma área complexa, é preciso enxergar as falhas para ter dimensão para avançar”. Segundo ele, todas as reuniões foram bastante produtivas, “uma âncora segura que vai permitir realizar as expectativas na cooperação com o Brasil”. Bastante impressionado pelo ponto de cultura que visitou no dia anterior, Clóvis Carvalho expressa sua admiração: “Vimos que não é preciso muita coisa para fazer muita coisa. O que vimos nos deu a dimensão do que podemos fazer”.
Para Alfredo Manevy, “esse panorama me dá a certeza de que a vinda dessa delegação viabilizará uma agenda extraordinária” e, dirigindo-se a Zulu Araújo, ressaltou o seu papel de intermediador e de guardião para que essa cooperação aconteça.
A delegação de Cabo Verde foi convidada a participar, em outubro, no Rio de Janeiro, da criação do Observatório da Unesco para a área do Patrimônio. Em todas as áreas foram apontadas as possibilidades de formação de técnicos e daquele país em estágios no Brasil e de outras formas de cooperação.
Em nome do bem coletivo – As visitas in loco foram muito apreciadas, tanto no Ponto de Cultura, quanto na cidade de Pirinópolis, pois lhes deram a dimensão do esforço do governo brasileiro em garantir cidadania e preservar o patrimônio cultural. Foi assim que na histórica cidade, vizinha a Brasília, a delegação de Cabo Verde pôde sentir a universalidade do tema patrimônio como um bem coletivo que, se preservado, gera outros fazeres.
Lá conheceram técnicas de restauro, como a que soergueu a Igreja Matriz da cidade, que sofreu um incêndio em 2002. Visitaram ainda a fazenda Babilônia, que possui uma rica arquitetura rural e conta com o apoio do Iphan na sua preservação.