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Back2Black: De volta ao começo da civilização
O movimento começou cedo no estande-vagão da Palmares, no primeiro dia do festival internacional
Por Suzana Varjão
São 16 horas do dia 27 de agosto de 2010. Um batalhão composto por carpinteiros, eletricistas, iluminadores, pintores, carregadores, motoristas, designers, técnicos de som, cenógrafos, produtores e faxineiros circula de um lado para outro, nos espaços destinados às atividades do Back2Black Festival: os palcos e os estandes-vagões da Estação Leopoldina, no Rio de Janeiro.
O ritmo é cada vez mais frenético. Apenas duas horas separam esse batalhão de um outro, composto por ministros, governadores, prefeitos, secretários de Estado, empresários, intérpretes, compositores, musicistas, artistas plásticos, fotógrafos, cinegrafistas, repórteres, colunistas, atores, cineastas, socialites e consumidores em geral de produtos culturais.
No espaço central, técnicos sobre gruas – espécies de guindastes que carregam pessoas – dão os últimos retoques no cenário, composto basicamente por painéis fotográficos gigantescos, de 10 a 12 metros de altura, expondo as formas e o jeito de ser e de vestir de negros e negras; nas salas de apoio, o lufa-lufa do credenciamento de jornalistas e autoridades; no palco principal, a passagem de som da trupe de Carlinhos Brown.
ESTANDES-VAGÕES – Na área destinada aos patrocinadores, monitorada pessoalmente pelo administrador Osmar Rodrigues, o vai-e-vem é igualmente intenso. No estande-vagão patrocinado pela Petrobrás, Márcia Ferreira, gerente da Incubadora afro-brasileira, orienta a montagem de peças de roupa, artesanato e objetos relacionados à cultura afro-brasileira – incluindo belos quadros de Cascardi.
De sandálias de couro, camiseta, bermudas e boné, o fotógrafo Januário Garcia ajuda a fixar painéis na face externa do vagão da Palmares. Autor de 25 anos do Movimento Negro no Brasil, ele é uma das estrelas da grande festa, mas não se furta ao trabalho pesado de montagem, supervisionado pela equipe de Elisio Lopes Jr., diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-Brasileira da Fundação.
Às 17 horas, Dora Dias e Lúcia Helena Martins apressam o mutirão. Nil Santos, um dos imponentes modelos negros destacados para recepcionar os visitantes, chega para ajudar, e transforma exemplares de O negro na TV pública, a serem autografados por Joel Zito Araújo, numa referência estilizada da logomarca da Fundação Cultural Palmares. Verdadeira obra de arte.
ESTAÇÃO PALMARES – Aos poucos, vassouras, pás de lixo, baldes, sacos, sacolas, fitas adesivas, grampeadores, tubos de cola, cordas, cordões e tesouras vão desaparecendo de cena. Escurece. O efeito estético produzido no espaço é extraordinário. De um lado da “estação”, sucatas de trens transformadas em esculturas; do outro, vagões reformados, ambientados e decorados para a ocasião.
Um tapete vermelho colado no chão da fábrica de sonhos conduz os visitantes ao estande da Palmares. No interior do vagão, uma viagem através do tempo, por meio da recomposição da história da Fundação nos últimos quatro anos. Cubos iluminados exibem fotos dos encontros, seminários, conferências, ritos e festas promovidos, apoiados ou presenciados pela instituição.
Uma variada gama de personagens que cruzaram ou ainda cruzam os caminhos da Palmares desfila através do acervo de imagens: o presidente Lula, Gilberto Gil, Elza Soares, Ubiratan Castro… Figuras em película apreciadas por outras, de carne e osso, e que no próximo ano serão também história: a pop rocker Sylvia Patrícia, o cenógrafo da festa, Gringo Cardia, o cineasta Zózimo Bulbul, o fotógrafo Valter Firmo…
São três dias de movimento incessante na “Estação Palmares”. As filas das sessões de autógrafos são consideráveis; a busca pelas publicações sobre cultura negra disponibilizadas no estande, surpreendente. A Fundação cumpre, assim, o seu papel, difundindo um trabalho que “materializa a alma de uma gente que nunca se dá por vencida”, como registrado no vagão-estande da Incubadora afro-brasileira.
O que é… Back2Black é um título construído em língua inglesa. Pode-se traduzir o termo back como retorno, volta. Black, código cultural mais universalizado, mais compartilhado entre todos os povos, quer dizer preto, ou negro. A pronúncia do número 2 (two, por extenso) é equivalente a to, que significa “para”. Back2Black é, portanto, um jogo semântico e estético, podendo ser traduzido como “de volta ao negro”, ou “de volta à negritude”, ou ainda, numa compreensão mais ampla, como “de volta ao berço do processo civilizatório”. |