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Criança negra não tem destaque na televisão, diz Joel Zito Araújo
Publicado em
30/05/2007 09h00
Atualizado em
28/05/2024 08h24
Rio de Janeiro, 30/5/07 – No início deste mês, ao participar do I Fórum Nacional de TV´s Públicas, realizado em Brasília, o cineasta Joel Zito Araújo, consultor da Fundação Cultural Palmares, destacou que o novo modelo de TV pública deve garantir – de fato e de direito – a presença tanto do índio quanto do negro na grade da programação da tevê brasileira. Na ocasião, Zito apresentou alguns resultados da pesquisa “Onde está o negro na TV pública?”. O estudo mostrou, por exemplo, que apenas 0,9% da programação de três emissoras públicas do país (TV Cultura, de São Paulo; Rede Brasil, do Rio de Janeiro; e TV Nacional/Radiobrás, de Brasília) foi destinado à cultura afro-brasileira. O levantamento indicou também que menos de 10% dos apresentadores são negros e que somente 5,5% dos jornalistas que atuam nas empresas são de origem afro-descendente. Na semana passada, o RIO MÍDIA procurou o cineasta com o seguinte questionamento: se a presença do negro é tão pequena assim nestes canais públicos, o que dizer então da participação das crianças negras na TV aberta comercial? Como elas são retratadas e quais são os impactos desta exposição? Acompanhe a entrevista:
RIO MÍDIA – Como as crianças e os jovens negros são retratados pela televisão brasileira?
Joel Zito Araújo – A televisão brasileira, privada ou pública, como regra, não dá nenhum destaque a criança negra. Temos exceções, mas a tragédia que abate os jovens negros, e, por conseqüência, a sociedade brasileira como um todo, demanda uma intencionalidade maior, uma política efetiva de promoção da auto-estima daqueles que tendem a ser representados de forma estigmatizada em nossas telinhas. Mas, os personagens mais importantes negros foram retratados como a criança adotada ou o menor abandonado. Tanto nas telenovelas dos tempos da Tupi como nas produções da Rede Globo de Televisão.
RIO MÍDIA – Estamos diante de uma visão estereotipada, preconceituosa, cheia de clichês?
Joel Zito Araújo – Sim. O grande clichê é o menor adotado ou abandonado, mas também tivemos o moleque de recados engraçado ou o jovem rapper. De uma maneira geral, o que mais quero destacar é que as crianças negras não têm família. É uma visão preconceituosa porque tende a incorporá-las de forma solitária em um elenco de brancos e muitas vezes fazendo o papel do mais inculto ou ignorante. Portanto, a criança negra é incorporada da mesma forma que qualquer personagem negro: entra como estereótipo de si mesmo, e nunca como representação de qualquer ser humano, do brasileiro comum. Esse privilégio somente é dado aos brancos.
RIO MÍDIA – Isso sempre foi assim?
Joel Zito Araújo – Sempre foi assim na história da televisão brasileira. Mas pode ser diferente, vou dar como exemplo a garota negra (Biba) da produção infantil Castelo Rá-Tim-Bum. Uma personagem linda e de sucesso.
RIO MÍDIA – Quais são as conseqüências desta abordagem para a constituição das identidades das crianças?
Joel Zito Araújo – A TV brasileira praticamente não oferece a possibilidade de nossa criança afro-descendente ter modelos que promovam a sua auto-estima, enquanto que as crianças brancas, especialmente as de padrão ariano, louras dos olhos claros, são hiper-representadas nos comerciais, nas telenovelas e nos filmes. O resultado é óbvio: enquanto a criança negra tem vergonha de sua negritude, de sua origem racial, porque cresce em um ambiente social e educacional de recusas que promovem uma auto-estima negativa, a criança branca cresce superpaparicada e com uma impressão de que é superior a todas as outras. Portanto, a sociedade – com o seu racismo – provoca distorções tanto nas crianças negras quanto nas crianças brancas.
RIO MÍDIA – Se a televisão, como dizem alguns especialistas, é o espelho da sociedade, então somos um país extremamente racista?
Joel Zito Araújo – É evidente que somos. Todos os indicadores sociais comprovam isto. O arianismo é racismo, herança hitlerista. Somos uma sociedade guiada para a promoção do branco e para a negação do afro-descendente.
RIO MÍDIA – O que pode se feito para mudar este quadro?
Joel Zito Araújo – Exigir do Governo e das elites econômicas, artísticas e intelectuais, o compromisso com políticas de reparação. Com inversões financeiras de vulto em programas educacionais, culturais e de saúde. E com cotas nas universidades.