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Cotas raciais nas mãos do STF
A legalidade das políticas de cotas raciais em universidades começa a ser definida a partir de hoje no Supremo Tribunal em Federal (STF). Por três dias, 38 especialistas de associações, fundações, movimentos sociais e de entidades envolvidas com o tema debaterão o assunto. As discussões subsidiarão as decisões que serão tomadas pelo STF em dois processos que estão em pauta. O entendimento do tribunal deverá ser aplicado em todos os outros casos semelhantes.
Além dos velhos argumentos usados pelos dois lados, teses polêmicas também estão na programação, como a dívida histórica com os negros e a inexistência de raças. Os defensores das cotas prometem usar dados das experiências realizadas nas universidades que aderiram às ações afirmativas.
De acordo com Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares, uma das entidades presentes no debate, o sistema de cotas é adotado hoje por 77 universidades e beneficia 400 mil jovens – a pioneira foi a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em 2003. Segundo ele, as pesquisas demonstraram resultados positivos: os cotistas têm desempenho semelhante ao dos outros alunos e registram uma evasão menor. E as cotas não acirraram os preconceitos raciais, argumenta.
Para Araújo, é necessário que a política de cotas continue. “Apesar de todos os esforços, a realidade brasileira ainda não mudou”, opina. De acordo com ele, o país ainda tem uma dívida histórica com os negros por conta de 400 anos de escravidão. “O país tem de reparar os danos com medidas compensatórias. Se mulheres, deficientes físicos e idosos obtiveram essas medidas, por que não os negros?”, questiona. “Os filhos de fazendeiros tiveram direito a cotas nas universidades até 1985 com a ´Lei do Boi´”, argumenta. Na verdade, a lei, de 1968, reservava vagas para filhos de agricultores apenas em cursos de Agronomia ou Veterinária, independentemente de os pais serem ou não donos de terras.
Escravidão
Outro convocado para o debate no STF, o mestre pela Universidade de Coimbra e professor de História do Direito do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) Ibsen Noronha, rebate o argumento de que as cotas se justificam por uma questão de dívida histórica. “Os estudos históricos são superficiais e caricatos. Tenta-se culpar apenas os brancos pela escravidão, mas havia muitos negros envolvidos”, afirma. De acordo com Noronha, desde o século 16 havia negros alforriados e, no século 17, alguns chegaram a alcançar títulos de nobreza, como Henrique Dias, herói da Batalha de Guararapes. No século 18, segundo o especialista, negros alforriados passaram a adquirir escravos. “Em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, os negros eram um terço dos senhores”, conta. No século 19, quando iniciou o processo legislativo de abolição da escravatura, apenas 5% da população era de escravos, segundo o historiador.
“Com as cotas raciais, corremos o risco de dar uma vaga a um descendente de escravocata e lesar um branco, descendente de imigrantes europeus que vieram recentemente, como italianos ou ucranianos, e que não tiveram a ver com a escravidão”, conclui Noronha. `Justiça é dar a cada um o que é seu e não lesar ninguém”, define.
Miscigenação
De acordo com Noronha, ainda, a miscigenação do povo brasileiro é um obstáculo à política de cotas raciais. “Havia escravos de pele mais clara, filhos de mães negras e pais brancos. O filho seguia a condição da mãe”, diz o historiador. Araújo contesta. “Biologicamente não existem raças, somos iguais, mas o racismo é um fato social. No Brasil, com a miscigenação, o racismo criou uma escala cromática: quanto mais escura a pele, maior o preconceito”, argumenta.
Nem mesmo o movimento negro é totalmente coeso. Entidades como o Movimento Negro Socialista (MNS), o Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro (MPMB) e a Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia (Acra) prometem defender o fim das cotas raciais. “Somos lutadores incondicionais pelos direitos universais para todos. As políticas de leis raciais vão no sentido oposto, não melhoram o ensino público fundamental, beneficiam uma elite negra e aprofundam o racismo”, opina o coordenador nacional do MNS, José Carlos Miranda.