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Carlinhos Brown celebra os 24 anos da Fundação Cultural Palmares
Ascom/FCP
Admirador da ancestralidade africana, extremamente ligado à cultura afro-brasileira e ao carnaval da Bahia e um dos grandes produtores de matéria-prima para artistas da música popular brasileira, Carlinhos Brown se considera o retrato, ou melhor, a partitura do Brasil. Nascido nas ruas pobres da favela do Candial em Salvador, rodou o mundo e concorreu ao Oscar 2012 com a indicação à categoria de melhor canção original pela música do filme de animação ‘Rio’. Fez mais de 400 participações em discos de artistas de todos os estilos.
Consagrado pela excelência e diversidade cultural de suas composições e inúmeros trabalhos nacionais e internacionais, o percussionista agita o verão com o seu show Sarau du Brown 2012, e promete balançar as estruturas da capital federal com um show aberto ao público, em comemoração ao aniversário da Fundação Cultural Palmares. A apresentação acontecerá, no dia 22 de agosto, às 19h30, na sala Villa Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro, onde mostrará toda sua originalidade com a mistura rítmica e exuberante da cultura e religiosidade negra brasileira.
Em entrevista ao site da FCP, Brown fala sobre carreira, ações afirmativas, valores, preconceito e é claro, música.
São 33 anos dedicados à música afro-brasileira. Você acha que houve uma mudança de comportamento ou uma aceitação mais positiva quanto a maneira de pensar e sentir a música baiana, que tem feito tanto sucesso dentro e fora do país nos últimos anos?
Dentro dessa estética miscigenada e com liderança explícita da base africana na música baiana, encontramos uma multiplicidade de ritmos, informações, compositores, manifestações. A gente pode falar do samba de roda, da bossa nova de João Gilberto, dos nossos tropicalistas, da axé music, do rock, do samba reggae e de tantos sons, todos eles bem recebidos pelo público e cada vez mais compreendidos como manifestações de uma cultura plural.
Criativo e irreverente, você foi um dos criadores do samba-reggae e da Timbalada. Como a música contribui para a autoestima da população afro-brasileira?
A música é a nossa segunda alma e nela encontramos forma de perpetuar nossa história. É uma forma de autoafirmação, uma maneira de comunicar aquilo que se é e sobre o que se pensa. E da mesma maneira que é importante para o artista se expressar, é para o público se sentir representado através da música e da cultura.
Como você avalia o racismo e a discriminação ocorridos no Brasil?
O racismo e a discriminação existem naquele que é estrangeiro no seu próprio tempo. O povo brasileiro nasceu com o legado de miscigenar o mundo e se perde nesse discurso pela própria incompreensão de que a escravidão foi feita num momento impensado da história. Essa dor não nos pertence mais. A barbárie sobre o povo negro foi e tem sido maior que o holocausto, por exemplo, mesmo assim o homem não consegue se manter diante da violência que persiste quando ele perde a razão. O movimento negro nasceu em Eva e sempre existirá enquanto a terra girar. Este assunto de racismo e discriminação não cabe mais a nós, suprassumos da autoestima e da resistência. Creio que, com nossa capacidade técnica, isto não passa de inveja da nossa exuberância.
É necessário nos concentrarmos nas poucas oportunidades e fazê-las grandes, gerar consciência nos nossos filhos e descendentes de que há um tempo para que as coisas aconteçam. E mais ainda: quem está em cima ajuda quem está embaixo. Há muitas formas de nos manifestarmos. Devemos utilizar nosso poder como cidadãos para, por exemplo, nos manifestarmos enquanto consumidores, exigirmos respeito dentro do mercado de consumo. O povo negro precisa ser uma equipe de mudança para esse planeta, pois temos ancestralidade, capacidade técnica e informação oral para devolver coisas que as pessoas não mais sabem vivenciar.
Você é um artista que sempre difundiu em suas apresentações a prática da humildade, compreensão e respeito. Como você acha que esses valores podem contribuir para a construção de uma sociedade menos preconceituosa?
Essas práticas são a base de uma sociedade mais justa e mais igual. Enxergar o outro, compreendê-lo e aceitar a diferença, seja ela qual for, é uma forma de acabar com o preconceito.
De que maneira os artistas podem trabalhar em parceria com o movimento negro e sociedade a favor da cultura negra?
Estetizando menos. Não apenas se utilizando de nossa história, mas dividindo conosco os méritos. Há muita gente que se utiliza de nossa cultura, muita gente que só conhece a dor e que perpetua isso. Somos sofisticados, temos gosto apurado e conseguimos ganhar corações com nossa culinária, artes plásticas e música. A visão que boa parte do Brasil tem da África é a “África de Tarzan”. O oba-oba só enxerga o uga-uga.
Que iniciativas governamentais ou sociais gostaria de ver implementadas para o fomento e a valorização das artes negras no Brasil?
Tirar o atravessador, incentivar com tecnologia de ponta, trazer o mecenato para perto e dar o que a arte mais gosta: tempo para o artista se apresentar.
Qual a importância dos conhecimentos culturais de origens iorubanas, jeje e angolana na construção da identidade do Brasil?
A matriz africana é muito evidente na nossa cultura, na religiosidade, na música, na culinária… É um dos pilares da construção desse povo plural, que é o brasileiro. Não podemos negar, no entanto, que poucos a conhecem e que está na hora de conhecê-la.
Como as religiões de matriz africana influenciaram em sua vida?
Da forma mais positiva: a religião me ofereceu calma nos momentos mais impetuosos, doçura nos momentos mais dolorosos e força na caminhada. Porque aquele que um pouco se aproxima da força do orixá poderá passar por água, fogo, terra e ar, estará apto para a compreensão. Quando a natureza se revela, algo de novo se acende.
O que o público presente na festa de comemoração de 24 anos da FCP pode esperar do seu show?
Vejo o show como um xirê, através do qual você conta uma história. A música brasileira se dispersou muito, mas, por incrível que pareça, ela sempre teve aliados fortíssimos na cultura negra, para que seus ritmos e acordes não sejam meros instrumentos tocando, mas que ali sua história seja respeitada. Sempre que subo ao palco, levo uma orquestra de inspiradores comigo: Agostinho dos Santos, Cartola, Batatinha, Clementina de Jesus, Gilberto Gil, Djavan, Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Fela Kuti, James Brown e muitos outros que se fazem presentes, pois como músico sou intérprete da cultura africana, que nasceu para nascer e renovar as coisas do mundo.
Para participar dessa celebração à cultura afro-brasileira, retire seu ingresso a partir de sexta-feira (17/08), das 12h às 20h, no Teatro Nacional (SCTN – Via N2 – Brasília/DF).
Informações: (61)3325-6239 / 3325-6256