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Audiência Pública no Senado debate comunidade negra e matrizes religiosas
Brasília – 21/05/08 – Em continuidade ao ciclo de debates – 120 anos de abolição não-conclusa – realizado pelo Senado Federal, através da Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, desde 29 de abril, aconteceu hoje a Audiência Pública que discutiu a relação entre as diversas religiões no Brasil e, em especial, o preconceito sofrido pelas religiões de matriz africana.
Presidida e idealizada pelo Senador Paulo Paim, o evento é uma oportunidade de se abrir um diálogo entre as mais diversas religiões para que se respeite cada uma no seu modo de ser, evitando intolerâncias e brigas que nos desvalorizam como seres humanos.
E foi isso que abordou a presidente da Federação Brasiliense de Umbanda e Candomblé, Marinalva dos Santos Moreira, ao relatar que, por diversas vezes, já sofreu discriminação pelo fato de ser candomblecista, tendo até mesmo, seu direito de ir e vir restringido. Marinalva parabenizou a mudança de mentalidade que ocorre nos últimos anos no que concerne às religiões africanas. “Estamos aqui hoje porque fomos reconhecidos pelo presidente Lula, através das ações da Fundação Cultural Palmares e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Hoje somos convidados a marcar presença em debates e reuniões sobre o assunto”, coisa que antes era inimaginável.
Outro assunto abordado por Marinalva foi a revitalização da Prainha, local sagrado para as religiões de matriz africana. “queremos que o GDF entregue o mais rápido possível a praça, as pessoas tem que se conscientizar que lá é um local santo, onde veneramos nossos orixás, como outras religiões veneram seus santos”. E finalizou pedindo a união entre os religiosos: “a religião afro ensina, como todas as outras, a respeitar e amar o próximo, independente de sua crença. O Deus é um só, nós é que o dividimos”.
Em seguida, falou o padre Ari Antônio dos Reis, assessor da Pastoral Afro-brasileira da CNBB que enfatizou estar a igreja católica preparada para se colocar ao lado da população negra para ajudá-la a desenvolver a cidadania e combater o racismo. “O pedido de perdão do Papa João Paulo II ao mal causado pela Igreja Católica ao povo negro foi muito importante. A igreja reconhece hoje que os negros não estão totalmente integrados, basta ver quem mais sofre com o desemprego, com a falta de educação”, disse. O padre destacou que a dívida com o povo negro é muito grande, “que não será paga nos próximos anos, por isso, temos que ter iniciativas para diminuir essas diferenças. O que torna importante a discussão sobre cotas nas universidades, o Estatuto da Igualdade Racial e outras ações afirmativas”. Propôs ainda, um diálogo entre os católicos e as religiões de matriz africana e ressaltou, com satisfação, que os praticantes dessa religião sempre demonstram muito respeito aos padres.
Finalizando, o padre Ari destacou alguns dos pontos fundamentais para a igreja católica em relação à luta contra o racismo:
- Luta pelo direito à vida;
- Inclusão social;
- Apoio às ações afirmativas;
- Ações pastorais voltadas aos afro-descendentes;
- Incentivar as vocações para padre e bispo junto aos afro-descendentes;
- Apoio às populações quilombolas, através da Pastoral da Terra; e
- Difundir o diálogo entre as religiões católica e de matriz africana.
Francisco Alves, presidente do Ilê de Owa Isan, contou suas experiências de discriminação sofrida no trabalho e depois, foi breve e enfático, “Tenho irmãos de sangue que são evangélicos e nem por isso brigamos. Temos que bater em cima do racismo”.
Representando a Igreja Brasil para Cristo de São Paulo, o pastor Albert Silva fez uma exposição sobre a quantidade de negros dentro das igrejas evangélicas, revelando que, segundo dados do IBGE, dos 23 milhões de evangélicos, 11 milhões são negros, e que as diferenças religiosas não podem impedir a luta contra o racismo e a discriminação. “Não se pode basear em ideologias políticas ou religiosas para combater o racismo. Por que brigar se estamos lutando pelos mesmos interesses?”, questiona.
Já o teólogo e pastor representante da Igreja Batista Projeto e Cristo, Bentilho Jorge da Silva, deu uma brilhante idéia aos parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Sugeriu que encontros como esse que aconteceu hoje ocorram em outros estados brasileiros. E o mais interessante foi que no final do debate, o senador João Nery já propôs a idéia à Comissão citando, inclusive, os estados que deverão ser os anfitriões nas cinco regiões brasileiras. A proposta foi aceita por todos os membros do grupo de Direitos Humanos do Senado ficando estabelecido diligências externas para tratar do tema da diversidade religiosa nas seguintes cidades:
- na região Norte: em Belém, Pará;
- na região Nordeste: Salvador, Bahia;
- na região Sudeste: na cidade do Rio de Janeiro;
- na região Centro-Oeste: Goiânia, Goiás; e
- na região Sul: Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
O senador Paulo Paim aproveitou para incluir a idéia de que não somente o tema das religiões seja tratado, mas também, que se inclua um debate sobre o Estatuto da Igualdade Racial em todas essas regiões. A iniciativa foi saudada por todos.
E por falar em Estatuto, o senador Paim, como sempre tem feito, reiterou a necessidade de urgência na votação do Estatuto, “pois os parlamentares não podem ficar atrasando a votação, alegando que artigos devem ser alterados. Precisamos coragem! Eu sei que alguns têm o discurso de que tem de mudar um artigo aqui, outro ali, mas na verdade, não querem é votar nada”. E lembrou: “Eu já disse, se alguém quer alterar algum artigo me mande que eu voto no Senado em um mês, no máximo, o que não pode é ficar há dez anos parado como está”.
O ex-presidente da Fundação Cultural Palmares e atual secretário da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, Carlos Moura, também esteve presente ao debate elogiando o que ele chamou de encontro promissor, “pois nasce aqui uma parceria pela construção de uma cultura de paz entre as religiões. É um exemplo de tolerância, de generosidade, uma oportunidade de comunicação e também de respeito às religiões de matriz africana”. Já que, segundo ele, todos irão transmitir essa experiência do debate para as nossas famílias, nosso bairro, nosso estado, para nosso trabalho, “levar o respeito ao outro, ao diferente, um sentimento que tem por base uma religião”.
E contou ainda, a experiência que teve ao dirigir a Fundação Cultural Palmares quando teve que brigar muito com uma instituição co-irmã, o IPHAN (também órgão vinculado ao Ministério da Cultura), para que reconhecesse os terreiros como patrimônio cultural brasileiro. “Se igrejas são tombadas, por que terreiros não podem? Foi uma luta conseguir que eles entendessem que os terreiros também são patrimônios valorosos para muitas comunidades, assim como são templos e igrejas”.
Durante os debates foram apresentados dois vídeos-documentários trazidos por Marcos Rezende, coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Ogan do Ilê Axé Oxumare. Um deles tratou sobre a mobilização feita por religiosos de matriz africana em Salvador, no último ano, demonstrando força e politização das religiões, com milhares de pessoas nas ruas soteropolitanas.
Já o segundo vídeo é uma parte de 100 horas de gravação feita pelo Coletivo, relatando, e denunciando os abusos e discriminações sofridas por praticantes do candomblé e umbanda. Um pouco da história que vimos trouxe o inaceitável acontecimento em fevereiro deste ano, quando servidores da prefeitura de Salvador invadiram e destruíram um terreiro, sem ter mandado ou qualquer autorização que permitisse a eles tal ato.
Além disso, Marcos Resende lembrou a importância dos terreiros para os povos negros. “Quando os negros foram trazidos para o Brasil as famílias foram dilaceradas, nenhum negro teve conhecimento do seu passado ou da sua história, assim, nos terreiro os negros formam as famílias africanas. Quando falamos minha mãe-de-santo, meu pai-de-santo, meu irmão-de-santo, estamos falando na verdadeira família africana, pois antes, ninguém tinha pai, mãe ou irmão. Nos terreiros são construídos esses laços familiares que nos foram arrancados”, relata.