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Ato de desagravo aos recorrentes casos de violência contra casas de umbanda e terreiros de candomblé
Na manhã desta quinta-feira (17/03), na Caixa Cultural, em Brasília/DF, reuniram-se o ministro da Cultura, Juca Ferreira, a presidenta da Fundação Cultural Palmares (FCP), Cida Abreu, o diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), TT Catalão, e lideranças das religiões de matriz africana para ato de desagravo aos recorrentes casos de violência contra casas de umbanda e terreiros de candomblé.
A presidenta Cida ressaltou a relevância do ato e lembrou que, nos últimos anos, 21 terreiros do Distrito Federal e do Entorno foram vítimas de ataques. Algumas autoridades dessas casas compareceram ao ato de ontem, entre elas estavam o Pai Babazinho, Mãe Baiana, Mãe Noeme e Babá Djair.
Segundo Cida Abreu, a reunião dessas casas em evento com a presença do ministro Juca serve, sobretudo, para demonstrar que o povo de santo não está só no combate à intolerância religiosa e na defesa de seus direitos constitucionais.
“Quando o ministro me convidou para assumir a Palmares, ele me deu a missão de não só cuidar de todas as artes que interferem na cultura afro-brasileira, mas me disse com atenção: ‘Cuide das religiões de matriz africana e do patrimônio dos povos tradicionais de terreiro’.”, afirmou a presidenta da FCP.
TT Catalão, por sua vez, declarou que a presença do ministro da Cultura, da presidenta da FCP, associado ao ato de desagravo não é movimento que inaugura um diálogo, mas sim a ratificação de um conjunto de políticas públicas que dão visibilidade a inúmeros aspectos da cultura afro-brasileira, dentre elas a religiosidade.
Quanto à intolerância religiosa, TT Catalão afirmou: “É racismo. É não permitir que o outro seja o outro, diferente e que isso seja a soma. Ninguém quer homogeneização, ninguém quer identidades padronizadas. É a soma dos diferentes o que a gente quer.”
Em sua fala, o ministro Juca Ferreira ressaltou o difícil momento vivido pelo país, em que há um “afloramento de todas as doenças sociais, como a discriminação, a homofobia, discriminação com as mulheres.” E acrescentou: “A doença do fascismo, a doença da intolerância, a doença do racismo não pode prosperar entre a gente. Ver no outro um inferior, sentir a necessidade de destruir o outro porque é diferente de si mesmo, isso tudo são doenças individuais e coletivas que se manifestam em nossa sociedade.”
O ministro da Cultura destacou ainda que a missão do MinC é cuidar das diversas expressões simbólicas que constituem a cultura brasileira e a tornam uma das mais complexas e ricas do mundo. Em seu entender, as manifestações culturais compõem a cosmovisão de setores importantes da sociedade brasileira e, tal como qualquer direito social, devem ser garantidas e preservadas.
As autoridades religiosas presentes, sacerdotes e sacerdotisas, aproveitaram o ato de desagravo à intolerância religiosa contra o povo de santo para fazer denúncias e apresentar demandas que consideram urgentes.
Mãe Railda de Ogum, a mais velha Iyalorixá do Distrito Federal, relatou que teve que se desfazer de seu terreiro, que ficava na área rural de Valparaíso, por causa da constante invasão de sua propriedade por traficantes para a venda drogas, bem como devido ao assédio de fanáticos religiosos.
Para Pai Alan de Ogum, há um agravante que é a discriminação institucional:
“Se a gente for reparar nós fomos expulsos do DF, a gente teve que se acolher no entorno, porque dentro da cidade houve plano de legalização de igreja no Guará, no Núcleo Bandeirante, nisso e naquilo. No DF, não houve nenhum plano de legalização de casas de matriz afro. Então, a gente vê que a discriminação não começa no meio evangélico. A discriminação começa lá de cima. Outro dia Babá Alexandre foi proibido de entrar na Câmara Legislativa do DF porque ele estava caracterizado de sacerdote.”, registrou.
O representante da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (RENAFRO) e do FOAFRO-DF, Pai Nino de Oxumaré, destacou que para a Lei nº 10.639/2003 (que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”) ser bem-sucedida é preciso investir na capacitação dos professores.
Por fim, Melillo Dinis do Nascimento, advogado e membro do GT Jurídico Nacional da Casa de Oxumaré, compreende que, embora o povo negro tenha sido criado na luta e seja fruto da resistência histórica, é imprescindível a construção de melhores vias de diálogo com o Estado, que torne possível combater o ódio às diferenças com eficácia.
Exposição celebra patrimônio imaterial brasileiro
A Caixa Cultural foi escolhida para a realização do ato de desagravo, pois desde o dia 27 de janeiro está abrigando a exposição A celebração viva da cultura dos povos, que reúne os 38 bens registrados pelo IPHAN como patrimônios culturais imateriais do Brasil.
Como bem frisou o ministro Juca Ferreira, a força e o papel basilar desempenhado pelas culturas afro-brasileiras e indígenas na constituição de nossa identidade nacional reflete-se na composição do conjunto de bens registrados e reconhecidos como patrimônios.
A exposição permanece até este sábado (19/03).