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Com a bênção dos orixás
Assinatura de convênio garante revitalização do Parque São Bartolomeu e de 55 terreiros
As folhas de mangueira espalhadas pelo chão significam vida. Antes de tocarem o solo, palavras de axé são proferidas para invocar a presença dos orixás. O ritual do candomblé foi realizado no Palácio da Aclamação, na manhã de ontem. O motivo para tamanho saudosismo foi a assinatura do convênio de revitalização de 55 terreiros pelo Ministério da Cultura, o governo do estado e a prefeitura de Salvador. Santuário do povo de santo, o Parque São Bartolomeu também será agraciado com o Projeto Memorial Pirajá.
Na capital baiana, existem 1.162 terreiros cadastrados, apesar de a verba federal contemplar menos que a metade. Os critérios para a seleção foram apresentados pela federação responsável pela organização das atividades nos terreiros, que priorizou a urgência das reformas estruturais. Houve também uma eqüidade na escolha dos espaços considerados grandes e pequenos. A verba destinada às obras é superior a R$1,5 milhão. Para a revitalização do parque foi liberado um total de R$4,6 milhões.
O repasse das verbas será de responsabilidade da Fundação Cultural Palmares, entidade ligada ao Ministério da Cultura. Dos terreiros cadastrados, 41 serão beneficiados através da prefeitura e 14 pelo governo do estado. Já a preservação do Parque São Bartolomeu, que possui uma extensão de 175 hectares, também será de responsabilidade municipal. A proposta é que as obras sejam iniciadas a partir de 2008.
Oportunidade – O secretário executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, não encara o encontro como apenas a reforma de uma praça, mas sim como a oportunidade de afirmar uma nova relação com o povo negro da Bahia. O momento foi considerado histórico pelo presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo, já que para conseguir a aprovação do projeto foi necessário ter paciência, compreensão e contar com o reconhecimento por parte dos órgãos envolvidos na questão.
Juca Ferreira aproveitou a oportunidade para divulgar outras ações promovidas pelo órgão. O Programa Mais Cultura tem como proposta a ampliação de 150 pontos de cultura, já assinou convênios com 24 estados brasileiros e liberou uma verba de R$33,8 milhões. Do valor total, Salvador receberá R$6,1 milhões. A parcela destinada à elaboração do projeto de revitalização da Feira de São Joaquim também já foi encaminhada e soma R$1,5 milhão.
A conquista é considerada satisfatória pelo governador Jaques Wagner. “A gente vive de exemplos, e este é um aspecto positivo. Na Constituição, o Brasil é laico, ou seja, nenhuma religião é do país”, afirma. Sem muitas palavras, o governador expressou seu desejo de ampliar o projeto para atender os terreiros que ainda não foram contemplados.
A comunidade quilombola também foi citada durante a solenidade. Além de Juca Ferreira anunciar o reconhecimento dos quilombolas como parte dos brasileiros, o secretário de Desenvolvimento Urbano do estado, Afonso Florence, informou que o primeiro programa estadual de habitação para a comunidade quilombola está em andamento com a perfuração de um poço artesanal em Barra dos Pretos.
Em meio às explanações dos participantes ativos da luta para a assinatura do convênio, o prefeito João Henrique transferiu a palavra para o secretário municipal da Reparação, Gilmar Santiago. “Nossa luta pela preservação do Parque São Bartolomeu é antiga. Queremos manter viva a riqueza histórica do local”, afirma o secretário. Segundo ele, a área serviu como hábitat para os índios tupinambás, depois foi sede do quilombo do ouro e palco da batalha do 2 de Julho. Atualmente, o Rio do Cobre abastece 1% da população de Salvador, equivalente a mais de 20 mil pessoas.
Macota Valdina Pinto, do terreiro Tanuri Junsara, agradeceu às autoridades o apoio e fez questão de ressaltar que a conquista não foi de mão beijada. “Isso é fruto da nossa luta e vamos aproveitar a maré enquanto está dando peixe”.
A mãe Val, mameto de inkissi da senzala religiosa Mukunndewá, explica que o Parque São Bartolomeu é o santuário religioso do povo-de-santo, onde o primeiro índio orixá (Oxóssi) canonizado pelos negros habitou. Segundo ela, a assinatura é a primeira conquista mediante o poder público para a valorização de direitos de igualdade. “Somos eleitores iguais aos de qualquer outra religião e também precisamos de recursos”, explica, ao fazer um comparativo com as verbas destinadas às igrejas da cidade.