Notícias
QUILOMBOS
As rotas de resistência dos povos da diáspora africana
O presidente da Palmares, com quilombolas e representantes do MEC e da Unesco
O tráfico de negros para fins de escravização deixou marcas de resistência por todo o Brasil. Uma delas é o Quilombo Mesquita, visitado nesta quinta (25) por autoridades da Unesco e dos ministérios da Educação e da Cultura – esse último, representado por uma comitiva de dirigentes da Fundação Palmares.
Nada mais significativo.
Instalado na Cidade Ocidental, em Goiás, o quilombo tem quase 300 anos, mas só foi reconhecido em 2006, quando a Palmares concluiu os estudos antropológicos para delimitar seu território. É o espaço de luta dos quilombolas dentro da esfera governamental.
E eles têm consciência disso.
ROTAS LIBERTÁRIAS. A afluência das autoridades ocorreu no âmbito do projeto “Rota dos escravizados: resistência, liberdade, patrimônio”, da Unesco, que esse ano completa 30 anos. E as celebrações foram pautadas pelas rotas da autonomia econômico-financeira e (principalmente) da educação.
Foi um dia de muitas emoções – falares, memórias, andanças, alertas, reivindicações, promessas. Líder quilombola, Sandra Braga sinalizou para um dos inúmeros, muitas vezes ordinários, mecanismos de apagamento da cultura negra: a inexistência de placas indicativas do quilombo, sinalizado com um genérico, nada inocente, “povoado”.
Não é fato isolado.
“A gente não pode sequer dizer que nossa escola é quilombola”, reclamou. “Estou brigando na UnB para falar do meu quilombo”, reforçou Danusa Lisboa, engenheira agrônoma e pesquisadora da Universidade de Brasília. Num depoimento emocionado, disse que a educação mudou sua vida, e proclamou:
– Nossa maior rebeldia é estudar!
HISTÓRIA. Foi dia também de resgate da história do quilombo, formado, como contou o mesquitense Pedro Garcez, por três libertas do regime escravocrata – o que deu maior significância ao evento, realizado no dia “Dia internacional da mulher negra latino-americana e caribenha” e no “Dia de Tereza de Benguela e da mulher negra”.
Uma trajetória riquíssima, que o embaixador Vusi Mavimbela, da África do Sul, quis conhecer de perto. “As pessoas que começaram essa história viveram na África”, pontuou, referindo-se aos sequestrados das cinco regiões do continente e seus descendentes.
Negros e negras da diáspora, “a sexta região da União Africana”, que continuam a lutar pelo direito de existir, como pontuou o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Santos Rodrigues, com a consciência de quem sabe que “o sistema sempre vai fazer de tudo para esconder a nossa história”, e que a base da resistência “é a educação”.
Cléber Vieira, do Ministério da Educação (MEC), e Mariana Braga, da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), foram ao território para firmar essa bandeira. “Queremos inserir a interculturalidade e saberes de vocês na educação”, resumiu Mariana.
LUTA. O Quilombo Mesquita é exemplo de resistência às ameaças de aniquilamento, por forças dominantes – suas sempre renovadas formas de opressão. Uma das mais recentes, a tentativa de redução de seu território em 80%, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em maio de 2018.
A investida não foi à toa.
Os mesquitenses são guardiões não apenas de tradições centenárias, mas do rico ecossistema da região, alvo de cobiça do setor imobiliário, que já fez estragos irreversíveis nesses 278 anos de existência. Como lembrou Sandra Braga, as terras do quilombo iam até a Esplanada dos Ministérios, e hoje se reduzem a 4.200 hectares.
Servido aos participantes do encontro, o doce do marmelo é uma das principais fontes de renda das 785 famílias quilombolas, que realizam, todo mês de janeiro, há mais de 100 anos, a tradicional “Festa do Marmelo”, atraindo para o local, na atualidade, entre cinco e seis mil pessoas por ano.
REVERÊNCIA. Fazendo uso de práticas sustentáveis, elas produzem ainda feijão, hortaliças, cana-de-açúcar, mandioca e milho, além de criarem gado, porcos, galinhas, patos e... gansos, como o que recepciona os visitantes do terreiro da mais antiga mãe de santo do quilombo, Joana Benedita.
Parteira da comunidade, é responsável pela vinda ao mundo de parte considerável dos mesquitenses, que a reverenciam, respeitosamente, chamando-a de “avó”. Aos 99 anos, lúcida, falante, conta que teve 11 filhos – de nove deles, ela mesma fez o parto. “Eu faço meus remédios, benzo, curo... Eu não, Deus”.
Ou Olorum.
Após o terreiro, os participantes visitaram a escola municipal, a igreja, as plantações da comunidade. A andança culminou em almoço de confraternização, e deixou saudades na comitiva da Palmares, composta, além do presidente João Jorge, pela chefe de seu gabinete, Angela Inácio, e pelos diretores Flávia Costa (Departamento de Proteção ao Patrimônio) e Nelson Mendes (Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira).
Nas palavras da quilombola Flávia Costa, o resumo do sentimento da comunidade:
– Sensação de estarmos menos abandonados.
Programação comemorativa
Organizadas pelo MEC, em colaboração com a Unesco, as atividades comemorativas dos 30 anos do projeto “Rotas dos escravizados” começaram na quarta (24), com a realização do “Seminário internacional Brasília na rota dos escravizados”, no Instituto Rio Branco, em Brasília.
Reforçando o papel da Fundação Cultural Palmares na preservação e promoção da cultura afro-brasileira, o presidente João Jorge e os ex-presidentes Carlos Moura e Dulce Pereira falaram aos presentes, destacando a importância de um Brasil mais inclusivo e consciente de sua diversidade cultural.
Durante os trabalhos, que incluíram uma homenagem a Joel Rufino Santos, foram relançados os livros “África e suas diásporas” (história geral da África, volume 10) e “Brasil-África: histórias cruzadas” (ensino fundamental), com depoimentos dos professores Valter Sivério e Nilma Lino Gomes.
#Quilombos
#ResistênciaNegra
#HistoriaAfroBrasileira
#Educação
#PatrimônioCultural
#FundaçãoPalmares