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Área da Lagoa Rodrigo de Freitas pode ser de remanescentes de Quilombo
Uma das regiões mais nobres da cidade do Rio de Janeiro está no alvo de uma disputa que corre há décadas na Justiça, e agora passa por mais um novo round. Vinte e dois condomínios na região da Fonte da Saudade, área com um dos metros quadrados mais caros da cidade maravilhosa, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, foram notificados em 2008 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, e receberam a informação de que suas casas ocupavam uma área destinada ao Quilombo Sacopã. Com isso, os moradores ficaram temerosos quanto ao seu direito de propriedade.
A legitimidade do quilombo é questionada por alguns moradores da região. Para a presidente da Associação dos Moradores da Fonte da Saudade, a médica Ana Simas, o terreno foi propriedade da família Darke de Mattos, cuja matriarca saiu do país e deixou no local os antigos empregados, que ali fixaram residência.
“Ali nunca foi quilombo, o Luís é descendente do Manoel Pinto, que ficou ali depois que a dona viajou e não voltou. Hoje, uma parte é Área de Proteção Ambiental (APA), um lugar público, e eles não podem construir nada ali, e nem morar. E agora eles querem tomar a área dos condomínios com a ajuda do Incra. Isso fere o direito à propriedade” acusa Ana, acrescentando que os quilombolas estariam desmatando a região.
Segundo Kátia Vasconcellos, síndica do condomínio Chácara Sacopã, uma das construções notificadas pelo Incra, o objetivo do quilombo seria ter a propriedade de áreas vazias que são da prefeitura.
“Eles reivindicam áreas da prefeitura destinadas à conservação, e querem construir mais residências. Eles simplesmente não podem usar um terreno que não é deles”, afirma.
O músico Luís Pinto Júnior, o Luís Sacopã, representante do quilombo onde moram 26 pessoas, nega estar desmatando a área. Ele admite que o terreno foi uma doação da família Darke de Mattos ao seu pai, que não teria registrado. Em relação à APA, ele diz que o parque Parque José Guilherme Merchior chegou depois dos moradores.
“Nossa família vive nessa região há cem anos. Inicialmente, entramos com um processo de usucapião, que perdemos por três a zero em 2005. Atualmente, o processo está em terceira instância no Supremo Tribunal de Justiça. Coincidentemente, o relator, quando perdemos, foi afastado do cargo”, defende-se, citando o desembargador Roberto Wider, que relatou o processo e foi afastado do cargo pelo Conselho Nacional de Justiça, por suspeitas de envolvimento em um esquema de venda de sentenças.
Luís nega a intenção de novas edificações e também o desmatamento. “Não derrubamos uma árvore e sofremos uma forte fiscalização da Prefeitura, tanto da Geo-Rio quanto da Secretaria de Meio Ambiente”.
Em relação à legitimidade do Quilombo, a atribuição é de responsabilidade da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. O órgão afirma que a comunidade se autodeclara quilombola, e a certificação não é relacionada especificamente à geografia do lugar, e sim, aos laços culturais que uma comunidade tenha com a residência.
“O conceito de quilombo como um local onde os escravos fugidios se agrupavam não se aplica mais. Agora, se um grupo com presunção de ancestralidade escrava reivindica a condição de quilombolas nós concedemos o título, pois muitas comunidades se deslocaram em razão do agronegócio, e no caso do Sacopã, da especulação imobiliária”, explica o diretor o Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Palmares Maurício Jorge dos Reis.
Instituto diz que moradores de condomínios não serão prejudicados
Sobre a notificação aos 22 condomínos, o Incra informou que a delimitação inicial do quilombo estava errada, e o trabalho está sendo refeito.
“Uma nova planta está sendo confeccionada. Não iremos tomar um centímetro dos condomínios. E quanto ao parque, os quilombolas já estavam aqui antes da criação”, explica o antropólogo Miguel Pedro Alves, coordenador do Grupo de Serviço de Quilombos do órgão federal.
A certidão de autorreconhecimento do quilombo foi emitida em 2004, quatro anos após criação do Parque José Guilherme Merchior durante a gestão do ex-prefeito Conde. A Secretaria de Meio Ambiente informou que tentou retirar os moradores do local, sem sucesso, e que atualmente solicita à Secretaria de Habitação uma solução para realocar os habitantes. A Secretaria acrescentou que dentro da APA não pode existir ocupação segundo a Lei Federal 9985/2000, e realiza uma nova consulta à Procuradoria Geral do Município sobre o processo do Incra.
Descendente de Astréia Darke de Mattos, proprietária original do terreno, o empresário Darke de Mattos explicou que seu pai vendeu parte do lote anos atrás para um grupo de advogados, e o restante foi doado ao município para se tornar uma reserva ecológica.
“Eu fui contra a venda, por achar que resultaria em especulação imobiliária. Nossa família é contra qualquer tipo de ocupação naquela área, inclusive da família Pinto, que teve apenas acordo de boca com a minha tia-avó Astréia”, explica.
Os advogados teriam vendido a escritura dos lotes para uma construtora, que segundo Luís Sacopã, teria um escritório na Torre Rio Sul. A administração negou que qualquer construtora com o nome informado atue no prédio.
Segundo o professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Flávio Gomes existiram inúmeros quilombos na região da Lagoa Rodrigo de Freitas, e caso a remoção de favelas, que aconteceu na década de 1960 que resultou na especulação imobiliária ocorresse hoje, seria fácil para os antropólogos provarem que a população ali estabelecida é de descendentes de ocupações do século 19.
“Não há dúvida que o Sacopã, que é organizado numa base familiar, é remanescente destes formatos de ocupação negra semi-urbana do século 19”, declarou.
Fonte: Portal Áfricas (o grifo é nosso)