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Apropriação cultural, racismo estrutural, racismo recreativo e o fetichismo pelo período escravocrata
Na última sexta-feira (08), a diretora da Vogue Brasil, Donata Meirelles comemorou seu aniversário de 50 anos em uma festa que causou e tem causado polêmica nas redes sociais.
Fotos divulgadas na internet mostra com a hashtag “#DoShow50” onde em uma delas, Donata aparece sentada em uma cadeira e ao lado dela duas mulheres negras vestidas em trajes brancos. A princípio, o que se entendeu pela imagem que era semelhante a fotografias feitas no período escravocrata, era de uma festa alusiva ao período colonial, onde ela simbolizava uma senhora de escravos e as modelos eram negras escravizadas, as “mucamas”.
Em seu Instagram, Donata publicou uma nota em pedido de desculpas e tentativa de explicar o “tema” da festa.
“Ontem comemorei meus 50 anos em Salvador, cidade de meu marido e que tanto amo. Não era uma festa temática. Como era sexta-feira e a festa foi na Bahia, muitos convidados e o receptivo estavam de branco, como reza a tradição. Mas vale também esclarecer: nas fotos publicadas, a cadeira não era uma cadeira de Sinhá, e sim de candomblé, e as roupas não eram de mucama, mas trajes de baiana de festa. Ainda assim, se causamos uma impressão diferente dessa, peço desculpas. Respeito a Bahia, sua cultura e suas tradições, assim como as baianas, que são Patrimônio Imaterial desta terra que também considero minha e que recebem com tanto carinho os visitantes no aeroporto, nas ruas e nas festas. Mas, como dizia Juscelino, com erro não há compromisso e, como diz o samba, perdão foi feito para pedir”, escreveu.
Justificativa essa que não minimiza o problema e a problemática da festa. A nossa história, nossa cultura e símbolos merecem ser respeitados e não devem servir de adorno, festa ou fantasia.
A estrutura racista do país, o que se dá pelo racismo estrutural trata tudo isso como algo comum, algo normal e não se enxerga a problemática presente nesses atos. Há ainda uma dificuldade ou omissão em enxergar o racismo no país, caracterizando o “mito da democracia racial”, onde mesmo com estatísticas, sobre violência, desigualdade e falta de oportunidades, com demonstrações explícitas de que o negro ainda é tratado de maneira inferior em toda e qualquer relação social, a sociedade brasileira em parcelas substanciais ainda nega a existência dele.
Os negros no Brasil são os que mais são assassinados, os que morrem mais cedo, os que recebem menores salários, os que têm menor escolaridade, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde de qualidade, os que ocupam em menor quantidade cargos de poder e de liderança, como por exemplo na política. E são os que mais lotam as prisões. O racismo estrutural normaliza esses dados, sendo de maneira consciente ou inconsciente e mesmo com tanta gente falando sobre, agem como se fosse invisível. Ou seja, o país continua estruturalmente racista só muda o modus operandi.
Sendo assim, o racismo não se apresenta na sociedade somente através da “violência direta”, como a ofensa e a discriminação. O racismo se dá por diversas facetas, bem como: o racismo institucional, a apropriação cultural, o racismo recreativo, entre outras demonstrações racistas.
Tratar nossa cultura, nossos símbolos ou até mesmo o período escravocrata como algo festivo, faz parte dessa naturalização do racismo. Onde esvaziam nossos símbolos, retiram o significado, ignoram e esquecem toda história do povo negro e acreditam que não tem nada demais em transformar tudo isso em festa, em fantasia. No racismo recreativo as pessoas acreditam que é aceitável romantizar, e transformar tudo que para um povo foi e é totalmente doloroso, em fantasias; decorações de festas e que trazem a “nostalgia e o fetiche” de um período que a estrutura racista diz não ter acontecido e que onde, ainda hoje o negro continua apenas no papel de servidão.
A justificativa da diretora da Vogue não minimiza o fato de ser uma atitude racista. Ainda que segundo ela, a cadeira que estava sentada não era de sinhá e sim de candomblé. As religiões de matriz africana como candomblé e umbanda ainda são demonizadas e seus praticantes são perseguidos diariamente no país. No Candomblé a cadeira é o símbolo máximo de sabedoria e poder e mais que isso, um símbolo sagrado onde só quem deve sentar é uma Mãe ou Pai-de-santo. Yalorixás e Babalorixás.
O rapper Emicida na sua música “bang” diz o seguinte em um dos versos:
“A dor dos judeus choca, a nossa gera piada”
Piada essa que o povo preto nunca deu risada. E que a cada dia a estrutura racista possa entender que estamos falando sério quando dizemos que nossa história merece ser respeitada e não deve virar festa.