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Aniversário da Palmares: Oficina de Chula
Roberto Mendes explica sobre a cultura da Chula
Alunos de escola pública participam de oficina musical na Palmares
Por Marcus Bennett
Os alunos do Centro de Ensino Fundamental CEF 11 do Gama tiveram uma experiência bem diferente na manhã desta terça-feira. Longe das salas de aula, os alunos vieram até a Fundação Cultural Palmares aprender um pouco da cultura musical da Chula, uma espécie de samba de roda de ritmo característico do Recôncavo Baiano, trazido pelos negros escravos no século XVIII.
O professor responsável por essa turma é um dos mais expressivos músicos brasileiros e maior representante da Chula, é o santoamarense Roberto Mendes.
Durante a oficina, Roberto procurou levar aos alunos um tipo de música pouco conhecida por eles, dando a chance de vivenciarem uma tradição musical que dificilmente chegaria até os estudantes sem a ação da Palmares.
Ex-professor de matemática, Mendes falou da oportunidade única:
“Esses jovens jamais iriam me ver e ouvir. Talvez, através de Gil, Caetano e Betânia, mas dificilmente iriam a um show meu. Se fosse falar sobre os Beatles seria mais fácil, mas sobre uma cultura fora da realidade desses meninos, onde é mais fácil aceitar o que vem de fora, como a música estrangeira.
Então, essa iniciativa que a Palmares proporcionou pra eu vir como inventariante da música, pra falar sobre nossa cultura, coisa nossa, que surgiu aqui, sem palco grande, amadora, assim como é a criação, me traz muita satisfação. Porque hoje, no Brasil, os músicos são muito profissionais. Eles não têm tempo, oportunidade, nem acesso para se juntar com crianças e mostrar pra cada uma delas como é bom tocar e cantar. A música é para dar prazer. O show de entretenimento, show business é bom, mas eu gosto mesmo disso aqui. Estou como cidadão do Recôncavo, representante da minha região”.
O músico ainda falou sobre a experiência de estar com os jovens estudantes:
“A minha experiência como professor e com meus próprios filhos facilita essa relação aqui com esses estudantes. É uma relação de afeto e não profissional. Adoro tocar em escolas para crianças e mostrar a cultura de Santo Amaro”.
Aluno da oitava série do CEF 11, Madson Albuquerque, de 15 anos, achou interessante conhecer o novo ritmo e participar da oficina. “Pra mim é novo, nunca tinha escutado esse ritmo. E ainda vai ajudar bastante no trabalho da escola o que aprendi aqui, pois estou fazendo um trabalho sobre instrumentos e ritmos africanos”.
Quem também gostou foi Lídia Santos, de 16 anos, que até estranhou ouvir a raiz do samba: “achei que nem existia mais esse tipo de música. Achei que tinha sido esquecida. Mas gostei muito de ouvir e dançar”. A colega Maiara, também de 16 anos, achou importante participar da oficina, pois “é bom conhecer novas pessoas, novos músicos e diferentes sotaques e formas de falar. E também, faz a gente se interessar mais por coisa com cultura e não besteiras sem cultura como o funk”.
Quem também esteve presente na Oficina foi Nizaldo Costa, compositor e parceiro de Mendes. Nizaldo explicou para os alunos sobre alguns fenômenos da língua, sobre a métrica das letras, composições e até mesmo, regionalismos e vícios de linguagem que são utilizados nas músicas. Por exemplo, o rotacismo, vício no qual se troca uma letra pelo “erre”, como em: “brindex”, ao invés de blindex; “Cráudio”; no lugar de Cláudio; “probrema”, querendo dizer problema etc.
Contudo, como explicou Nizaldo, muitos desses erros na língua são comuns e até considerados certos em algumas regiões, principalmente, no interior do Brasil. E a música reflete essa realidade. Muitas das composições são escritas com esses “erros” propositalmente, para identificar a cultura de determinado povo.
Nizaldo acredita ser interessante mostrar aos jovens essa outra cultura, essa forma diferente de enxergar a língua. “A divisão da sílaba métrica no verso é bem diferente do aprendido em sala de aula, na divisão silábica. Então, é muito legal essa iniciativa da Palmares. Acho que deve se multiplicar, pois os jovens gostam de música e se interessam pela língua, assim é mais fácil aprender. A FCP deveria dar continuidade ao projeto”.
Após a Oficina, os alunos foram visitar a exposição Negrice Cristal, do fotógrafo Januário Garcia.
Sobre o músico
Roberto Mendes começou sua carreira em 1972, no grupo Sangue e Raça, ao lado do parceiro Jorge Portugal e Raimundo Sodré. Ex-integrante do grupo Baiafro ao lado do percussionista Djalma Corrêa, ele teve duas músicas (Filosofia Pura e Lua) gravadas por Bethânia no disco Ciclo. Estreou sozinho em 1988, em Flama, com participações de Gilberto Gil e Edith do Prato. Em Matriz (1992), o convidado foi Caetano. Mendes é considerado por muitos críticos como um dos maiores compositores e violonistas brasileiros surgidos nos últimos vinte anos.
Roberto lançou, recentemente, pela Fundação Cultural Palmares, o livro “Chula – Comportamento traduzido em canção”, com o tema: A música raiz do Recôncavo Baiano na formação da nacionalidade brasileira. Afinal, a chula é considerada a precursora do samba que hoje conhecemos e que muitos dizem ser a marca da cultura brasileira.