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ARTIGO
Alcântara é um exemplo claro de que é possível construir um Brasil mais justo
Emoção na visita do presidente Lula, da ministra da Igualdade Racial e do presidente da Palmares à comunidade quilombola de Alcântara. Crédito: Foto: Ricardo Stuckert
João Jorge Rodrigues*
Foi um dia de grande emoção, o da visita à comunidade quilombola de Alcântara, no Maranhão. As comunidades quilombolas de lá lutam há mais de 40 anos para garantir seus direitos em relação à base aérea espacial instalada naquela região. Essas comunidades, historicamente ali presentes, enfrentaram uma profunda transformação no território com a chegada da base, o que lhes impediu de pescar, plantar e, em muitos casos, os forçou a deixar suas casas. Essa resistência durou quatro décadas.
No ano passado, o Ministério da Advocacia-Geral da União (AGU) compareceu a um encontro internacional em que o Brasil foi responsabilizado por essa ocupação desordenada. Em resposta, o ministro da AGU afirmou que não se colocaria contra os quilombolas e propôs um acordo envolvendo o Ministério da Defesa e as empresas ligadas à base, com o objetivo de garantir que as comunidades quilombolas permanecessem no local e tivessem acesso a direitos básicos, como saúde, educação, cultura, entre outros. A construção desse acordo começou no ano passado, com a participação de vários ministérios, incluindo o Ministério da Cultura (MinC), a Fundação Cultural Palmares e o Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro (DPA), liderado por Flávia Costa.
Recentemente, esse esforço culminou em um acordo geral, liderado pelo ministro Jorge Messias, que anteriormente havia feito um acordo conosco no âmbito do AGU-Pró-Cultura, relacionado à renegociação de financiamentos. Ele, pessoalmente, convenceu o presidente da República a dialogar com diversos setores, incluindo o governador do Maranhão, Carlos Brandão, as comunidades quilombolas e o Ministério da Defesa. O resultado foi a assinatura desse acordo, um momento profundamente emocionante para todos os envolvidos.
A visita ao território de Alcântara, com a presença de pessoas que dedicaram suas vidas à luta por direitos, foi um marco histórico. Senhoras e senhores que passaram décadas batalhando pelo direito de permanecer em suas terras, de plantar, de construir suas casas e de acessar serviços básicos como internet, finalmente puderam vislumbrar a realização desses direitos. O território é impressionante, com vastas áreas de terra e floresta, e sempre foi incompreensível que essas comunidades fossem impedidas de viver plenamente nesse local.
Visitamos a base aérea de Alcântara e sobrevoamos as comunidades quilombolas. A partir do alto, foi possível observar a grandiosidade e as possibilidades de vida naquele território, contrastando com a longa história de restrições e privações. Encontrar as pessoas mais simples da comunidade, que mantiveram essa luta viva por tantos anos, foi uma experiência tocante. Muitos de nós, que viemos da militância no movimento negro e participamos dessa luta ao longo dos anos, nos emocionamos ao lembrar dos nossos antepassados, que sempre acreditaram na justiça dessa causa.
Uma canção emblemática do Maranhão, chamada "Gaiola", do compositor Screte, ecoou na memória de muitos. Nos anos 80, essa música era um hino nas nossas marchas e lutas por direitos. A letra, que dizia "Gaiola não é prisão para negro", simbolizava a nossa resistência e o desejo de liberdade. Ao entoá-la em lugares como a Serra da Barriga, São Paulo, Rio, Bahia, essa música representava um grito de guerra, um chamado à ação. Ontem, na praça lotada de Alcântara, enquanto palmas eram dadas ao presidente e ao governo, ainda havia um receio de que essa conquista pudesse não se consolidar. Afinal, apesar da assinatura do acordo, o trabalho de garantir a implementação real dos direitos ainda está por ser feito.
A partir de agora, o desafio é levar adiante as promessas feitas: garantir a chegada de programas como o Minha Casa Minha Vida, melhorar as estradas, levar internet 4G para a região, entre outros compromissos. A Fundação Cultural Palmares, fortemente ligada à questão quilombola desde sua criação, tem um papel fundamental nesse processo. Será necessário um esforço coordenado entre diversos ministérios para assegurar que as comunidades de Alcântara, a segunda maior comunidade quilombola do Brasil, comecem a ter acesso a direitos básicos, como educação, saúde e transporte.
O 19 de setembro foi um dia que celebrou a cultura da libertação e da resistência. O Brasil, finalmente, começa a cumprir seus compromissos com essas comunidades que foram historicamente marginalizadas. Durante 40 anos, o Estado esteve ausente na vida desses brasileiros. Uma geração inteira cresceu sem a presença do Estado em suas vidas. A visita do presidente da República a esse território simbólico, uma área rural e quilombola, distante dos grandes centros, mostrou que o Estado pode e deve estar presente onde os brasileiros mais precisam, e não apenas nas capitais e nas grandes cidades.
O presidente Lula se emocionou profundamente, assim como todos os presentes, ao testemunhar esse momento histórico. E, mais do que nunca, ficou claro que é possível construir um Brasil melhor e mais justo. A Fundação Palmares tem orgulho de estar presente nesses momentos de reconstrução do Brasil, desde o Cais do Valongo, a Serra da Barriga, até o Maranhão. Estamos em um novo ciclo, com muito trabalho pela frente.
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* João Jorge Rodrigues é presidente da Fundação Cultural Palmares