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Abdias Nascimento, 95 anos de muito fôlego na luta contra o racismo
Um homem incansável na luta pela igualdade racial. Assim é Abdias Nascimento, que completa, no próximo sábado (14), 95 anos. Tanto fôlego de vida tenha talvez surgido dessa luta, que o fez adentrar nas mais diversas áreas de atividades humanas. A poesia, as artes plásticas, a literatura, o teatro, a pesquisa acadêmica, a política, nenhum desses ofícios foi desprezado por Abdias. Pelo contrário, ele mergulhou em cada um deles com profundidade e maestria pela causa da igualdade.
Nascido em Franca, SP, era filho da doceira Dona Josina e de Seu Bem-Bem, músico e sapateiro. Forma-se em contabilidade pelo Atheneu Francano em 1929. Sua luta contra o racismo iniciou-se na década de 1930, quando se engaja na Frente Negra Brasileira. Organizou, em 1938, o Congresso Afro-Campinheiro. Em 1944, fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), promovendo a inclusão dos artistas negros no teatro brasileiro.
Organizou, em 1950, o 1º Congresso do Negro Brasileiro. Foi exilado durante a ditadura militar, na década de 1960, mas, mesmo fora do país, participa da formação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 1978, foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU). Em 1981, já no Brasil, participa da criação da Secretaria do Movimento Negro do PDT.
Foi o primeiro deputado federal negro a dedicar seu mandato à luta contra o racismo (1983-1987).Como deputado, atuou na desapropriação da Serra da Barriga e na questão das comunidades remanescentes de quilombos. Levou à Câmara Federal o questionamento do 13 de maio e a definição do dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Também atuou como senador (1961, 1996-1999), função que exerceu com o mesmo propósito. Foi ainda secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro, de 1991 a 1994, e primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos, de 1999 a 2000.
Nas artes plásticas, destaca-se como pintor e escultor. Autodidata, Abdias pinta suas primeiras telas em 1968. Com o pincel nas mãos, ele mergulha nas raízes culturais do mundo africano, explorando e interpretando variadas simbologias do Egito antigo, do candomblé, do vodu haitiano e dos ideogramas adinkra da África ocidental.
Na literatura, Abdias tem 20 livros publicados, entre ensaios, pesquisas e peças teatrais. Organizou ainda revistas, antologias e coletâneas que registram a sua atuação cívica e cultural. Entre suas principais obras estão a peça Sortilégios e os livros Dramas para Negros e Prólogos para Brancos e O Negro Revoltado. Entre as poesias, uma pode ser utilizada nesta ocasião, para ilustrar melhor quem é Abdias Nascimento.
AUTOBIOGRAFIA
EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação
ainda corta o grito de minha avó
LEITO de sangue negro
emudecido no espanto
clamor de tragédia não esquecida
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas
PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito
PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra… escudo… dólar… mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu
CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento
PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito
Buffalo, 25 de janeiro de 1979