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Abdias está junto a guerreiros ancestrais
Em um momento histórico, as cinzas de Abdias Nascimento são depositadas por seus familiares junto à muda de baobá
Por Jacqueline Freitas
No mês da celebração da Consciência Negra e poucos dias após a divulgação do decreto presidencial que tornou 20 de novembro o “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”, as cinzas de Abdias Nascimento – um dos pioneiros e ícones da luta contra a discriminação racial no Brasil – foram depositadas ao pé de uma muda de baobá, no Parque Memorial Quilombo dos Palmares. O Parque, cuja guarda cabe à Fundação Cultural Palmares, localiza-se na Serra da Barriga, município de União dos Palmares, em Alagoas.
A cerimônia foi precedida por cânticos, oferendas e saudações aos ancestrais, ao som de tambores nigerianos, e acompanhada pela família de Abdias e mais cerca de 400 pessoas que compareceram ao Parque, entre autoridades políticas, religiosas e sociedade civil do Brasil, da Nigéria e dos Estados Unidos. Foi, também, a culminância de uma série de homenagens iniciadas no sábado (12), em Maceió, com o “Seminário Afro-brasileiro Ìgbà Ábídi – Celebração da obra e vida de Abdias Nascimento”.
Seminário – Na capital alagoana, o presidente da Fundação Palmares, Eloi Ferreira de Araujo, contou aos participantes do evento passagens importantes de sua convivência com o homenageado, em especial as que resultaram no Estatuto da Igualdade Racial, e declarou: “Abdias deixou como legado a construção de uma sociedade sem racismo, com igualdade e com oportunidades”.
A programação do seminário abrangeu temas como “A Serra da Barriga como Patrimônio da Humanidade”, “O Movimento Negro antes e depois de Abdias Nascimento”, “Reflexões sobre os 80 anos da Frente Negra Brasileira” e “Abdias Nascimento e o legado político-cultural panafricanista”.
O presidente da Fundação Cultural Palmares reconhece que o papel de Arísia Barros, organizadora das homenagens, foi imprescindível para a realização do acontecimento de deposição das cinzas de Abdias Nascimento na Serra da Barriga e plantio do baobá. “A dedicação e o desprendimento de Arísia servem de exemplo para a nação. Seu gesto traduz o respeito, a admiração e o compromisso de darmos seguimento ao legado de construção de uma sociedade sem racismo e com a igualdade de oportunidades entre negros e não negros”, explicou.
Reencontro em Palmares – A deposição das cinzas de Abdias Nascimento no local onde existiu o mais conhecido quilombo da história brasileira é a expressão do desejo daquele que, como artista, jornalista, professor ou parlamentar, “deu uma inegável contribuição ao mundo, desde suas obras de arte à sua intensa ação política”, como afirmou Eloi Araújo. O ponto escolhido fica bem próximo à Lagoa dos Negros e em breve será transformado em um espaço dedicado a Abdias, onde, nos mesmos moldes de outros espaços do Parque, será registrada a importância desse líder.
Não por acaso as cinzas estão ao pé de um baobá, símbolo sagrado da cultura e religiosidade de matriz africana: a árvore é considerada a conexão entre “a terra e o céu”. Chega a alcançar 25 m de diâmetro e 30 m de altura, e existem exemplares que vivem 2.000 anos, o que também lhe confere a simbologia de guardiã da sabedoria ancestral e testemunha de tempos imemoriais. Uma analogia já feita pelo escritor Nei Lopes pode dar a dimensão de tanto significado: “Abdias é o nosso baobá, guarda toda a vida e história de nossa africanidade”.