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A triste rota de um flagelo humano
O presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, com Christina Cameron e Themba Wakashe, respectivamente, patronesse e presidente do Conselho de Administração do Fundo para o Patrimônio Mundial Africano. Foto: Sal Freire/Palmares
Despertar o interesse mundial sobre o legado africano que referencia o tráfico de seres humanos, com o objetivo de contribuir para a preservação dos bens culturais a ele associados e, por conseguinte, da memória da escravidão. Este foi um dos pontos comuns das falas que abriram oficialmente a mostra Luta pela liberdade: nossa herança africana, no Hotel Royal Tulip de Brasília, em 26 de julho último, como parte das atividades da 34ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco [1].
E uma das estratégias para alcançar tal objetivo é aumentar a quantidade de bens culturais reconhecidos como patrimônio da humanidade. Dentro desse contexto, o presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Zulu Araújo, abriu seu breve e contundente discurso citando as palavras do ministro da Cultura, Juca Ferreira, que, durante a cerimônia de abertura dos trabalhos da 34ª Sessão, questionou a quantidade insignificante de bens materiais africanos na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco.
– À sábia reflexão do ministro, acrescento a lacuna em relação à herança imaterial, que, se não for cuidada, pode desaparecer, pontuou Zulu.
PARCERIAS – Ainda em seu pronunciamento, Araújo ratificou a disposição de “buscar novas parcerias, com o objetivo de promover o desenvolvimento do patrimônio cultural africano”, confirmando a exibição da mostra, durante o mês de setembro próximo, na sede da Palmares, como parte do acordo de cooperação entre o Fundo para o Patrimônio Mundial Africano e a Fundação. A noite de abertura foi prestigiada por um número significativo de membros do Comitê do Patrimônio Mundial, bem como por funcionários da FCP.
Durante o vernissage – marcado pela descontração e informalidade -, o presidente da Palmares brindou os integrantes da mesa com publicações importantes sobre a cultura afro-baiana editadas pela Fundação. Entre elas, o imprescindível Mapeamento dos terreiros de Salvador, coordenado por Jocélio Teles dos Santos e editado pela FCP, em parceria com a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e o CEAO/Ufba (Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia).
A MOSTRA – Iniciativa do Fundo para o Patrimônio Mundial Africano, a exposição é composta por três grandes painéis, que reconstituem parte significativa da rota do tráfico de escravos para a América do Sul, por meio do mapeamento de cidades, localidades e referências patrimoniais em geral que, de alguma forma, tenham relação com o comércio da população negra e, portanto, possam preservar a memória desse hediondo crime cometido contra a humanidade.
A partir da articulação desses macro-pontos, é possível evidenciar os fortes laços e influências culturais entre a África e o Brasil, onde aportaram cerca de 3.600.000 escravos, entre os séculos XVI e XVII, oriundos de diversas regiões do continente africano, sendo que grande parte do contingente negro sujeitado, seqüestrado e vendido desembarcou na cidade do Salvador, capital da Bahia (BR), um dos macro-pontos destacados na rota reconstituída pela mostra.
Além da cidade do Salvador, que integra a lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), recompõem o trajeto do tráfico humano as ilhas de Robben (África do Sul), Goréia (ou Gorée, no Senegal) e Moçambique (Moçambique); as localidades de Ouidah (Benin), Apraavasi Ghat (Ilha Mauricia) e Volta (Gana); as cidades de Mombasa (Quênia), Grande Acra (Gana) e Cidade Velha (Cabo Verde); e fortes e castelos de regiões centrais e orientais de Gana.
A mostra sobre a rota do tráfico de escravos africanos foi exposta pela primeira vez durante os jogos da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, onde as reproduções dos painéis permanecem, na cidade do Cabo, e de onde seguem para a Ilha Goréia (ou Gorée, no Senegal), a Etiópia e a Espanha. A expectativa é de que Luta pela liberdade: nossa herança africana chame a atenção dos membros do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco sobre a necessidade de preservação destes valiosos bens culturais.
SOBRE A SESSÃO – A 34ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco foi realizada de 25 de julho a 03 de agosto últimos, no Centro de Convenções do Royal Tulip, reunindo 800 representantes das 187 nações que compõem o Comitê do Patrimônio Mundial, e que irão analisar a possibilidade de inclusão de 41 novos itens na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, entre bens naturais, culturais e mistos, apresentados por 35 países. O comitê vai avaliar, ainda, o estado de conservação de 31 bens que já conquistaram esse reconhecimento, mas que estão na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, e decidir se inclui outros bens que estejam necessitando de atenção especial.