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NOVEMBRO NEGRO
A cultura afro-brasileira sobe a Serra da Barriga!
Foto de Januário Garcia, da Exposição Herança Viva
Num contexto colonial, de supremacia da cultura branca, o campo da espiritualidade não escapou à negação, à perseguição, às tentativas de aniquilamento das manifestações religiosas de matriz africana – prática racista que, infelizmente, persiste.
Mas, oriundos de diferentes culturas, os rituais sagrados resistem. E sobem a Serra da Barriga, para marcar sua força e reiterar a fé de seus praticantes. Em novembro, principalmente, quando se comemora o Mês da Consciência Negra.
Um parêntesis: este ano, a expectativa em relação à multiplicidade de manifestações é grande, porque, pela primeira vez, o 20 de Novembro será comemorado como feriado nacional, por força da Lei 14.759, sancionada em 2023 pelo presidente Lula.
Voltando aos ritos, são múltiplas, as procedências das religiões de matriz africana, mas, de acordo com alguns estudiosos, podem ser agrupadas em três: as brasileiras, como a umbanda; as afro-brasileiras, como o candomblé de caboclo; e as afrodescendentes, como o ketu e o jêje.
DIVINDADES. Essa diversidade de crenças (re)criadas em solo brasileiro por povos originários de diferentes nações do continente africano foi determinante não só para a construção da identidade nacional, como para a preservação do meio ambiente no País.
Isso porque, em sua maioria, os cultos estabelecem relação entre os mundos material e imaterial; físico e espiritual, a partir mesmo de suas divindades, baseadas na natureza, com a qual propõem relação de respeito e cuidado (Oxúm, por exemplo, representa as águas doces; Ossain, as plantas etc.).
CANDOMBLÉ. O termo vem da junção das palavras quimbundo “candombe” (dança com atabaques) e “iorubá ilê” (casa), significando casa de dança com atabaques. Baseado no animismo, parte do princípio de que os animais e plantas possuem alma.
É uma das religiões africanas mais praticadas no mundo, mas é no Brasil que se concentra o maior número de adeptos. Os rituais são realizados em terreiros, nos quais se estabelecem relações com forças da natureza e com ancestrais. Duas das principais variações:
- Jeje. O Jeje é o candomblé da nação de mesmo nome. Uma das expressões mais ricas da cultura afro-brasileira, tem com raízes profundas nas tradições do povo Ewe-Fon, do antigo Reino do Daomé (atual Benim).
A prática é caracterizada pela reverência aos voduns, espíritos sagrados que representam a natureza e as forças ancestrais que regem o universo. Os terreiros Jeje mantêm viva a espiritualidade africana, celebrando a memória de antepassados e fortalecendo a identidade negra no país.
- Ketu. É o candomblé da nação Nagô (ou Ketu), uma das mais emblemáticas manifestações da herança africana no Brasil. Originado das tradições iorubás da região de Ketu, atual Nigéria e Benim, cultua os orixás — divindades que representam a natureza e conectam o ser humano ao sagrado.
Nos terreiros Ketu, a tradição é passada de geração em geração, com cânticos, danças e oferendas que mantêm viva a ligação com os ancestrais. Cada orixá traz uma energia e um ensinamento únicos, guiando os praticantes no caminho de equilíbrio e respeito à natureza.
JUREMA. Tanto quanto os negros, os indígenas foram vítimas da opressão dos colonizadores, e se apoiaram mutuamente, refugiando-se ora em aldeias, ora em quilombos. E as trocas culturais foram inevitáveis – incluindo os ritos religiosos, como a Jurema Sagrada.
A Jurema Sagrada é uma prática espiritual de raízes afro-ameríndias. que une o sagrado dos povos indígenas do Nordeste brasileiro com tradições afrodescendentes. Celebrada em rituais que envolvem o uso de ervas e a conexão com o mundo espiritual, é um caminho de cura, força e proteção.
XAMBÁ. O Xambá é mais que uma religião afro-brasileira. É uma comunidade viva que honra suas raízes angolanas em solo pernambucano. Com celebrações cheias de energia, conecta os praticantes aos ancestrais, celebrando a força espiritual que atravessou gerações.
Conhecida pela música vibrante e pelos rituais que evocam a presença de orixás e encantados, a tradição Xambá é símbolo de resistência, uma herança que, mesmo com tantos desafios, segue viva e pulsando.
Mas não são apenas os rituais sagrados que recriam a atmosfera da cultura afro-brasileira no Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Outras manifestações, como a capoeira, as danças e músicas afro também sobem a serra no Novembro Negro.
Veja, abaixo, algumas das manifestações artístico-culturais que também sobem a serra, em novembro!
CAPOEIRA. A capoeira, uma das mais simbólicas representações da resistência à escravização, é uma das celebrações que marcarão o 20 de novembro. No platô da serra, ocorrerão rodas de diferentes vertentes dessa dança-luta.
A mescla de movimentos e sons foi desenvolvida pelos negros, no período colonial, como forma de defesa contra as violências sofridas, camuflando a arte marcial com passos de dança, para burlar a vigilância dos opressores.
Reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/MinC), essa modalidade de arte e luta pode ser subdividida em três principais “troncos”, a saber: capoeira angola, capoeira regional e capoeira contemporânea.
- Angola. A capoeira angola é o estilo mais antigo, caracterizado por golpes mais próximos ao solo, ritmo musical mais lento e ausência de palmas durante a roda. Ao som do berimbau e dos cânticos, repassa valores como respeito, disciplina e ancestralidade.
- Regional. A capoeira regional foi criada pelo lendário Mestre Bimba, na década de 1930, revolucionando a arte, ao desenvolver um estilo mais ágil e assertivo. Com movimentos rápidos e precisos, une técnica e força, adaptando a tradição às exigências de uma nova geração de capoeiristas.
- Contemporânea. Prática mais recente, surgiu na década de 70, combinando características das capoeiras angola e regional. O foco são movimentos mais rápidos e vigorosos.
SAMBA. Entre as atividades artístico-culturais que farão parte das celebrações do 20 de novembro, está o samba – igualmente tombado como patrimônio imaterial brasileiro. Segundo alguns estudiosos, a palavra vem de “semba”, dança e gênero musical tradicionais de Angola.
Ainda de acordo com essa perspectiva, tem origem nas danças da massemba e da rebita, significando umbigada, na língua kimbundu, com uma razão: os característicos toques de uma barriga em outra, dados pelos participantes da roda.
Mas essa é apenas uma pequena amostra da diversidade da cultura afro-brasileira, que em novembro dá uma demonstração de força, subindo a serra da Barriga e marchando sobre o preconceito, a intolerância, o racismo, a ignorância.
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