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A caminho do Fesman
Presidente Lula, presidente Abdoulaye Wade, ministro da Cultura Juca Ferreira, governador do Estado da Bahia Jaques Wagner e autoridades no lançamento do III Fesman
Por Inês Ulhôa – Ascom/FCP
Com a presença do presidente Lula e do presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, o evento mais esperado pelos baianos neste ano superou todas as expectativas. Realizado no Dia da África e na cidade mais negra do Brasil, o lançamento do III Festival Mundial de Artes Negras mostrou sua importância ao levar ao palco do Teatro Castro Alves grandes nomes da música e do balé. O congraçamento de músicos como Gilberto Gil, Margareth Menezes, Carlinhos Brown, Lazzo Matumbi, os senegaleses Lês Frères Guissé e Mawa Kouyate, os grupos Ilê Ayiê, Filhos de Gandhi, Gêge Nagô, Balé Folclórico da Bahia e Balé do Senegal deu o tom do que o público pode esperar para dezembro, no Senegal.
Grandes emoções marcaram o espetáculo. Um deles foi quando Gilberto Gil abre o show musical cantando “La lune de Gorée”, um lamento inspirado na história da Ilha de Gorée, de onde os africanos partiam rumo à escravidão para nunca mais voltar. Existe na ilha um monumento chamado Porta do Nunca Mais. Outro momento que comoveu a todos foi quando o mesmo Gilberto Gil, ao encerrar o espetáculo, entoou o hino do Fesman e o presidente do Senegal levanta-se da sua cadeira e fica frente ao cantor, numa reverência àquele momento ímpar na história da relação dos dois países. Um reencontro do povo negro do Senegal com seus irmãos na diáspora de Salvador.
Lançado propositalmente no Dia da Libertação da África, 25 de maio, o evento no Brasil “não poderia ser em outra cidade que não Salvador”, conforme o presidente Lula, “por ser a capital mais negra do Brasil e porque poucas são as ocasiões tão ricas de simbolismo como esta que vivemos hoje”. “É com este espírito, portanto, que celebramos hoje o início de um capítulo especial nas relações entre Brasil e África. E ele se dá justamente naquilo que existe de mais intenso na ligação de nosso país com o continente-mãe: a arte e a cultura”, disse Lula.
Ainda segundo o presidente Lula, “é sabido que temos aqui a maior população negra do mundo fora da África. Também é conhecida e inegável a importância dos negros na construção deste país e no modo de vida de cada brasileiro e brasileira. A nossa língua, a nossa arte, a nossa forma de ver o mundo e, principalmente, o nosso jeito de ser têm raízes fincadas no solo africano”. Para o presidente brasileiro, “a África não está apenas na pele dos brasileiros, mas na alma de todos nós. Por isso, o governo federal estimulará a participação dos nossos artistas no Festival. É uma maneira de homenagearmos um continente que ajudou o povo brasileiro a ser como somos: alegres, batalhadores e com alma grandiosa”.
O presidente Lula garantiu que o governo federal vai estimular grupos culturais, produtores, artistas e todos os cidadãos que tenham algo a mostrar da cultura negra brasileira a irem ao Senegal, “levar a cultura africana presente no Brasil”.
Para Lula, este “novo capítulo” nas relações entre Brasil e África tem como principal protagonista aquilo “que mais nos une, que é nossa cultura e a arte”, pois “os laços culturais que nos unem são mais profundos que os oceanos que nos separam”.
Vitrine de excelência
Já está confirmada até agora a participação de 54 países no III Fesman, que levará ao mundo, por meio de uma extensa rede de comunicação ao vivo, o tema “O Renascimento Africano”. O presidente senegalês Abdoulaye Wade afirmou, em seu discurso de saudação no Teatro Castro Alves, que “o Fesman será uma vitrine de excelência da fecunda criatividade do mundo negro e, também, um campo de fortalecimento moral e de mobilização de todas as propostas para o desenvolvimento da África”.
A paixão pela cultura em Abdoulaye Wade ficou expressa em seu belo discurso, quando afirmou que o Festival será “a expressão do nosso patrimônio cultural, rico como tantos outros”. O Fesman pretende evidenciar a união das políticas nacionais e a integração com as culturas dos países da região e dos povos na diáspora. “Organizo o Festival considerando o momento da humanidade, quando ainda temos homens agredidos por atos racistas, frutos de homens ignorantes”, declarou o presidente senegalês.
Militante do pan-africanismo, como ele próprio se declarou, Abdoulaye Wade luta pela criação dos Estados Unidos da África, e pelo desafio da proteção e da valorização da diversidade das expressões culturais e lingüísticas do mundo negro. Para ele, o Fesman pode representar um momento singular na História. “O tempo para a verdadeira história chegou para os países da África continuarem a lutar contra a dominação. O Fesman é a melhor arma para reforçar a fé na Unidade Africana”.
Ele tem no presidente Lula um forte aliado, e não à-toa afirmou que “a casualidade fez com que fossemos presidentes ao mesmo tempo. Eu já o conheço e a sua opção em estreitar relações entre Brasil e África. Lula é um dos maiores políticos dos tempos modernos, está lutando por uma causa que é planetária”.
Abdoulaye Wade reconheceu o esforço do governo brasileiro em apostar no Festival como forma de estreitar o relacionamento entre o Brasil e o continente africano. Segundo ele, estar em Salvador é como se estivesse em casa. “O Fesman não será apenas uma festa musical e de expressão artística, mas sim uma ocasião de demonstrar que os povos negros estão envolvidos numa cultura que ultrapassa a distância geográfica.”
O governador da Bahia, Jaques Wagner, também revelado um admirador do Festival, enfatizou a relevância do evento para festejar o fortalecimento da cultura negra. “O Fesman é muito mais do que um espetáculo. É uma celebração de povos para uma nova ordem que substitua a hegemonia e o imperialismo”, afirmou.
Unidade africana
Para o ministro da Cultura do Senegal, Mame Birame Diouf, responsável pela organização do III Fesman, e que veio ao Brasil especialmente para acompanhar a preparação para o lançamento, “esse é um momento para reposicionar a África; dar ao mundo negro a sua posição. O mundo negro deve falar dos negros e o Fesman é uma boa oportunidade para isso”. O Festival, em sua opinião, será a oportunidade para o intercâmbio cultural dos países africanos e dos negros na diáspora. “O que queremos com o Fesman é a circulação do povo negro”.
Para Diouf, apesar de o Festival estar voltado principalmente para as artes, os intelectuais também devem se apropriar dele e aproveitar para buscar uma reflexão sobre a atividade do homem negro. “O espírito do Fesman é dar ao mundo outra visão da África e dos negros”. Ele explicou que o Festival é uma articulação de idéias, existe para que se conheça aqui o que se produz lá e vice-versa. Segundo ele, a base é a renascença, a diversidade cultural e a unidade africana.
Ao justificar o convite ao Brasil como convidado de honra do III Fesman, o ministro Diouf afirmou que “o Brasil é uma referência da diáspora africana, um exemplo do povo negro que foi submetido a toda forma de opressão e soube levantar a cabeça. O povo africano espera vocês em Dacar”. Ele agradeceu ao presidente Lula e à Fundação Cultural Palmares por estarem verdadeiramente empenhados na construção do Festival. “Estamos vivendo um momento histórico com Lula, símbolo do povo negro. Gostaria que a população da Bahia e do Brasil se apropriasse desse programa. O Comitê Brasileiro para o Fesman será a ponte com a sociedade brasileira”, disse o ministro, que chegou a sugerir que a próxima edição seja realizada no Brasil.
Segundo ele, foi preciso que o Senegal elegesse um intelectual como o presidente Abdoulaye Wade para que fosse retomado o projeto do Fesman. O primeiro foi realizado em 1966, em Dacar, sob o tema: “Significação da Arte Negra na Vida do Povo e para o Povo”. por iniciativa de outro intelectual, Léopold Sédar Senghor, o primeiro presidente do Senegal pós-independência, que considerava que a cultura é o principal instrumento de integração dos negros, momento de se encontrarem e se reconhecerem e ter a sua auto-estima valorizada. O II Festival foi realizado em Lagos, Nigéria, em 1977, com o tema “Civilização Negra e Educação”.
Integração cultural
Esta terceira edição, que será realizada entre os dias 1º e 14 de dezembro, terá o enfoque na união das políticas nacionais e na integração com as culturas dos países da diáspora – nações envolvidas com tráfico de escravos negros, como Estados Unidos da América, Brasil, países do Caribe e Europa, nos quais a África teve grande influência em suas expressões culturais. A contribuição da cultura negra na formação desses países será destacada no Festival, nas apresentações artísticas e nas performances.
O Secretário da Comissão do evento, Abdoulaye Racine Senghor, disse que o Ministério da Cultura do Senegal está criando espaços denominados “Fespenc”, espécie de teatros de luxo equipados com material técnico para acolher diversas manifestações culturais. O evento será realizado em um espaço de 40 mil metros quadrados, em Dacar, onde serão construídos vários palcos e salas para apresentações de espetáculos culturais e erguidas cerca de mil tendas para abrigar os artistas convidados.
Novos prédios estão sendo construídos e outros reformados, além do treinamento de oito mil técnicos senegaleses para trabalharem na infra-estrutura do Festival. A previsão dos organizadores é de uma participação de 50 mil convidados estrangeiros, além do envolvimento de um público local de cerca de um milhão de pessoas.
Diálogo intelectual
A Fundação Cultural Palmares é a encarregada, pelo Ministério da Cultura, de organizar a participação do Brasil no Festival. Para o presidente da instituição, Zulu Araújo, essa é uma oportunidade em adotar parceria com países da África em prol do desenvolvimento do continente africano e de estimular relações entre as nações. “Temos a obrigação de contribuir para que o continente africano alcance o pleno desenvolvimento”, afirmou.
O Fesman é aguardado como o congraçamento das manifestações culturais, das tradições, dos costumes e das religiosidades dos povos africanos e da diáspora, e tem a proposta de melhorar a imagem do continente no panorama político mundial, mostrando que a África não é apenas um território dominado por doenças e pela corrupção. “Vamos celebrar com música, com artes visuais, com dança, com teatro, com arquitetura, mas também vamos celebrar com um colóquio refletindo o renascimento africano na África e na diáspora”, explicou Zulu Araújo.
Para ele, o III Fesman será uma oportunidade do diálogo fraterno entre a África e a diáspora, entre intelectuais e políticos, artistas e manifestações culturais para produzir um novo olhar e uma nova parceria entre o Ocidente e o continente africano. Para muitos povos, inclusive no Brasil, ainda há um olhar estigmatizado sobre a África, com foco na miséria e na corrupção. O Fesman pretende justamente promover este novo olhar para as manifestações culturais e pela integração dos povos, buscando valorizar as artes negras no cenário mundial e a unificação dos estados africanos.
O evento em Dacar já conta com a participação confirmada do cantor Stevie Wonder, da cantora caboverdiana Cesária Évora, dos instrumentistas Manu Dibango e Salif Keita, dos atores norte-americanos Danny Glover e Sidney Poitier. Outros convidados ilustres que também já confirmaram presença são Nelson Mandela, Wangira Moathar e o ex-ministro Gilberto Gil, que assume a vice-presidência do Comitê Internacional de Orientação do Festival. Até o fim do ano, a organização do evento pretende que o número de países inscritos suba para 80.
A Fundação Cultural Palmares lançará edital para a orientar participação de artistas brasileiros no evento. O Brasil tem a expectativa de levar 300 artistas das mais diversas áreas ao Senegal. Haverá premiação nas várias categorias artísticas, com prêmios que variam de 5 mil a 15 mil euros.
Embaixadores da Boa-Vontade
A organização do Festival convidou algumas personalidades para serem embaixadores da Boa-Vontade e propagar o evento em suas áreas de atuação, como o artista brasileiro e ex-senador Abdias Nascimento. Outro embaixador convidado é o ex-jogador de futebol Bernard Lamas, goleiro reserva da seleção francesa da copa de 1998, que também veio ao Brasil para o lançamento do Fesman. Para ele, a realização do Festival é de extrema importância para a integração de africanos e dos africanos na diáspora, “para que se conheçam melhor e dêem visibilidade a manifestações não tão conhecidas nos países participantes”.
Para Lamas, o problema do racismo é mundial e o Festival pode ser um instrumento contra essa prática. Uma partida de futebol entre a seleção brasileira e uma seleção africana está sendo organizada.”O Fesman vai dar espaço para combater o racismo com o futebol, pois há mais visibilidade, onde tem futebol tem jornalistas e televisão, por isso jogadores de futebol podem fazer muita coisa a respeito”.
Mas, para ele, primeiramente é preciso educar as crianças e os jovens. Por isso que, a exemplo de Raí e Leonardo, que no Brasil fundaram a Gol de Letra, ele também criou uma fundação para ajudar crianças no Senegal a não entrarem na marginalidade. Na sua visão, o futebol é para as crianças a ligação com a educação. Ainda segundo Lamas, o Fesman vai dar a oportunidade de falar ao mundo o que é o nosso trabalho. Lamas, que também é padrinho da Gol de Letra, espera que o Festival possa promover “uma grande conexão intelectual da qual se espera a oportunidade de mostrar o que o povo negro dá ao mundo”.
Capoeira é homenageada com selo dos Correios
Durante o espetáculo para celebrar o Festival Mundial de Artes Negras, a capoeira foi homenageada com o lançamento de um selo comemorativo pelo presidente Lula. O selo reproduz a obra “Vadiação”, da série Jogo de Capoeira, do artista Carybé (1911-1997). A imagem mostra uma típica roda de capoeira e suas figuras tradicionais, que são os jogadores e os instrumentistas em ação, apreciados pelo povo em descontração e simplicidade.
Com esta emissão filatélica, os Correios buscam ressaltar os valores nacionais e sua importância no contexto sociocultural do Brasil, ao mesmo tempo em que divulgam aspectos da expressiva cultura africana presente na comunidade brasileira.
A tiragem é de 10 milhões e 200 mil selos, a R$ 0,65 cada. As peças filatélicas podem ser adquiridas nas agências e na loja virtual dos Correios: www.correios.com.br/correiosonline.
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