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Pesquisadores do ON/MCTI investigam o intrigante caso do elemento químico Cério em aglomerados estelares
Grande parte dos elementos químicos que compõem nossos corpos e o Universo foram formados há bilhões de anos no interior das estrelas pelos processos de nucleossíntese estelar 1 . Um deles é o “processo-s”, responsável pela formação de elementos químicos pesados, como Cério e Bário, tendo um papel importante dentro da evolução estelar e evolução química da nossa Galáxia.
O processo-s consiste em uma cadeia de reações nucleares onde um núcleo atômico captura lentamente nêutrons, ocorrendo principalmente em estrelas que estão em uma fase chamada AGB, ou ramo assintótico das gigantes. E é justamente nesta fase que as estrelas produzem grande parte do Cério.
Com o objetivo de compreender melhor este processo, astrônomos do Observatório Nacional (ON), unidade vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), investigaram a abundância química do elemento Cério em 218 estrelas pertencentes a 42 aglomerados estelares abertos localizados no disco galáctico. Embora seja um elemento pouco conhecido, o Cério formado no interior das estrelas está presente, por exemplo, em pedras de ignição de isqueiros, ligas metálicas e até mesmo em coloração de esmalte.
“Investigamos a abundância de Cério porque este elemento fornece uma visão direta do processo-s. Afinal, o Cério é formado majoritariamente (83% do Ce no sistema solar) por este processo de nucleossíntese. Já a escolha pelo estudo de estrelas de aglomerados abertos se deu em razão de conseguirmos definir com mais confiança suas propriedades, como idade e distância, já que as estrelas de um mesmo aglomerado se formaram no mesmo momento” , explicou o astrônomo Dr. João Victor Sales Silva, um dos autores do estudo.
A composição química das estrelas é fruto da sua própria evolução e do material que originou a estrela produzido pelas estrelas progenitoras. Neste estudo, foram realizadas observações de estrelas que ainda não chegaram na fase de AGB. Portanto a abundância química do Cério analisada no estudo é proveniente do material das estrelas progenitoras que foram jogados no meio interestelar.
A investigação resultou em um artigo aceito para publicação na revista The Astrophysical Journal.
Aglomerado estelar aberto NGC 6705 observado no telescópio MPG/ESO de 2,2 metros, no Observatório de La Silla do European Southern Observatory (ESO), no Chile. As estrelas azuis no centro da imagem são as estrelas jovens e quentes do aglomerado. O estudo realizado por pesquisadores do ON analisou a abundância química deste elemento em dez estrelas de NGC 6705. Crédito: ESO
Para estudar a evolução química do Cério no disco da Via Láctea de maneira detalhada, os pesquisadores utilizaram dados do grande levantamento astronômico Apache Point Observatory Galactic Evolution Experiment (“Experimento de Evolução Galáctica do Observatório Apache Point”, APOGEE). Esse levantamento observou uma grande quantidade de objetos localizados no disco da Via Láctea e faz parte do programa de levantamento de dados do SDSS ( Sloan Digital Sky Survey) que tem como um dos principais objetivos a construção de um mapa da composição e evolução química da nossa Galáxia.
“Para uma visão geral da evolução do Cério, e consequentemente do processo-s, no disco, precisávamos de uma amostra significativa de aglomerados estelares. A grande quantidade de dados do levantamento APOGEE nos possibilitou obter a abundância de Cério nos aglomerados abertos distribuídos por todo o disco e determinar detalhes da evolução química deste elemento.” , informou João Victor.
A partir desse estudo, os pesquisadores constataram que os aglomerados abertos jovens apresentam uma abundância de Cério maior que os aglomerados mais antigos. Segundo João Victor, essa relação entre o aumento de abundância de elementos pesados gerados pelo processo-s e a diminuição da idade de aglomerados abertos ainda não é totalmente compreendida pela comunidade astronômica.
“A grande questão que intriga a comunidade astronômica é que a previsão de modelos teóricos de evolução química da nossa Galáxia não concorda com a abundância que medimos nas estrelas dos aglomerados abertos jovens para os elementos pesados gerados pelo processo-s, como o Cério. Segundo os modelos, a abundância do Cério observado nos aglomerados jovens deveria ser menor. Esta discrepância pode indicar que ainda desconhecemos os detalhes do funcionamento do processo-s no interior das estrelas ou da própria evolução química do disco galáctico. ”, informa João.
Uma explicação possível dessa discordância seria que a produção dos elementos gerados pelo processo-s seria grande durante a fase de AGB em estrelas de massa menor que 1.5 massas solares, algo que modelos teóricos padrões de evolução estelar não consideram. Essas estrelas levam vários bilhões de anos para jogar os elementos químicos formados durante a sua evolução no meio interestelar. Quando os aglomerados mais antigos se formaram, o Cério gerado por essas estrelas de baixa massa, ainda não tinha sido produzido. Depois, quando os aglomerados mais jovens surgiram, o elemento químico já estava disponível no meio interestelar.
Outro resultado encontrado no estudo foi uma relação entre a abundância de Cério e de Ferro nas estrelas dos aglomerados abertos. Essa relação, segundo João, acontece porque os núcleos de ferro funcionam como “sementes” para o processo-s. Ou seja, iniciam o processo de nucleossíntese que gera o Cério. O astrônomo observou que essa relação já é prevista pelos modelos disponíveis na literatura.
João Victor adiantou que os próximos passos dos pesquisadores serão analisar a abundância dos elementos do processo-s em estrelas do campo (ou seja, estrelas que não estão em aglomerados) no disco galáctico e fazer uma comparação detalhada dos resultados observados com os modelos teóricos de evolução química da Galáxia.
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¹ Nucleossíntese: Conjunto de reações nucleares que a partir de determinada temperatura, densidade e pressão, permitem formar novos núcleos atômicos. Ocorrem principalmente no interior de estruturas estelares e nos estágios iniciais de formação do universo.