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Pesquisador do ON/MCTI participa de estudo que revisa escala de tempo geológica do Cretáceo através de ciclos astronômicos
Foi publicado na revista Nature Communications em maio deste ano um artigo que contou com a participação do Dr. Daniel Ribeiro Franco, pesquisador em Geofísica do Observatório Nacional – unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (ON/MCTI). O pesquisador do ON/MCTI participou do estudo supervisionando e dando treinamentos para todo o trabalho de análise cicloestratigráfica, que é o coração da pesquisa. Os resultados do estudo impactam significativamente a escala de tempo geológica do período conhecido como Cretáceo Inferior
O estudo “ Astronomical tuning of the Aptian stage and its implications for age recalibrations and paleoclimatic events ” apresenta a construção de um modelo de idade astronomicamente ajustado para o período geológico conhecido como Aptiano. Um modelo deste tipo leva em consideração a sucessão de ciclos orbitais (mudanças na posição da Terra em relação ao Sol) para o ajuste do tempo geológico em sequências sedimentares.
O trabalho corresponde ao primeiro artigo do doutorado da estudante Carolina Gonçalves Leandro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O Aptiano corresponde ao terceiro estágio mais longo do Cretáceo (121,4 a 113,2 milhões de anos) e é um intervalo de tempo crítico para mudanças generalizadas na dinâmica das placas tectônicas, no ciclo de carbono e no chamado sistema oceano-clima. Estudos sugeriram que houve um aumento dramático na temperatura média global durante o Aptiano. E, já no final deste estágio, teria havido uma diminuição da temperatura, o chamado “cold snap”.
O registro desses eventos climáticos é pontuado por Eventos Anóxicos Oceânicos (EOA), que são os intervalos de tempo no passado da Terra onde porções dos oceanos tornaram-se muito pobres em oxigênio. Registros geológicos mostram que esses eventos aconteceram muitas vezes no passado. Além disso, eles coincidem com várias extinções em massa e podem ter contribuído para elas.
Apesar da importância dos eventos climáticos que ocorreram no Aptiano para conhecermos melhor a história geológica do planeta e suas mudanças, o momento e a duração desses eventos ainda são motivos de estudos.
Subdivisão do período Cretáceo. Fonte : Modificado de Gradstein & Schmidt, 2012 e Benedetto, 2010
Para construir o modelo de tempo para o Aptiano, os pesquisadores estudaram um testemunho sedimentar de cerca de 35 metros proveniente da seção Poggio le Guaine (PLG), localizada na Bacia Umbria-Marche, na Itália. A seção estudada compreende um registro completo do Aptiano.
Mais precisamente, os cientistas realizaram uma avaliação cicloestratigráfica do testemunho do PLG. A Estratigrafia é o ramo da Geologia que descreve e classifica as camadas das rochas (ou estratos), correlacionando-as no espaço e no tempo. Portanto, a Cicloestratigrafia é a subdivisão que investiga os padrões sedimentares cíclicos e sua formação, sob influência de processos que ocorreram em diferentes escalas de tempo como, por exemplo, processos climáticos e tectônicos.
Mapa com a localização do testemunho Poggio le Guaine (PLG), na Bacia Umbria-Marche, na Itália. Fonte: Leandro e colaboradores - 2022
A partir da Cicloestratigrafia, os cientistas conseguiram elaborar um modelo de idade com resolução temporal (menor intervalo de tempo entre os dados) de 405 mil anos. Com base também em dados astronômicos, os pesquisadores propuseram uma duração de cerca de 7,2 milhões de anos para o Aptiano.
Além disso, estimaram um período de aproximadamente 420 mil anos para o Chron M0r – último intervalo de polaridade reversa da Terra antes do chamado “Superchron Normal do Cretáceo”, que foi um longo período de “calmaria” do campo magnético da Terra, sem reversões dos polos. Neste período, o campo se manteve com polaridade dita “normal” (isto é, com polos magnéticos com o comportamento atual), ficando cerca de 40 milhões de anos sem reverter.
O trabalho também propôs uma idade de 120,2 milhões de anos para o limite Barremiano-Aptiano, início do período de polaridade reversa.
Escalas do tempo geológico mais antigas sugerem uma idade de 126 milhões de anos para a transição Barremiano-Aptiano. No entanto, outros trabalhos que se baseiam em datações em rochas vulcânicas sugerem que essa transição seria em torno de 120 a 121 milhões de anos e o trabalho em questão confirma essas datações.
Conforme destacam os pesquisadores, a nova estrutura impacta significativamente a escala de tempo geológica do Cretáceo Inferior, pois muda a tabela do tempo geológico em cerca de 5 milhões de anos.
“Este estudo é relevante pois ajuda a resolver um dos principais desafios geológicos que é entender a sucessão e a duração dos eventos que ocorreram na história da Terra. Além disso, sob o ponto de vista do Brasil, este trabalho é importante pois mostra o potencial da Cicloestratigrafia para uma melhor definição do tempo geológico para as bacias exploratórias nacionais - em particular, para os grandes depósitos de hidrocarbonetos, como o pré-sal, que possui idades similares às do PLG", destaca o Dr. Daniel Franco.
O artigo em questão é assinado por Carolina Leandro e Jairo Savian, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Marcus Kochhann, da Universidade de São Paulo (USP); Daniel R. Franco, do Observatório Nacional; Rodolfo Coccioni e Fabrizio Frontalini, da Università degli Studi di Urbino “Carlo Bo”, na Itália; Silvia Gardin, do Centre de Recherche en Paléontologie, de Paris, França; Luigi Jovane da USP; Milene Figueiredo e Leonardo R. Tedeschi da Petrobras; e Liliane Janikian, R. P. Almeida e Ricardo I. F. Trindade da USP.
A pesquisa é resultado da cooperação entre UFRGS, Petrobras e outras instituições no projeto “Processamento e interpretação de dados magnetoestratigráficos do Cretáceo das Bacias Brasileiras”, que teve início em 2019.