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Levantamentos astronômicos com participação do ON capturam imagens da fusão de duas estrelas de nêutrons
Cientistas usando a câmera do levantamento Dark Energy Survey (DES) capturaram imagens do resultado de uma colisão entre estrelas de nêutrons, evento que produziu a detecção de onda gravitacional mais recente (GW170817) pelos observatórios LIGO e Virgo.
Uma equipe de cientistas usando a Dark Energy Camera (DECam), a principal ferramenta de observação do Dark Energy Survey, é uma das primeiras a observar as consequências de um surto de ondas gravitacionais detectado recentemente, registrando imagens da primeira explosão confirmada como consequência da fusão de duas estrelas de nêutrons. Esse violento processo de fusão, ocorrido há 130 milhões de anos em uma galáxia próxima à nossa (NGC 4993), é a fonte das ondas gravitacionais detectadas pelo Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (LIGO) e Interferômetro Virgo em 17 de agosto.
Os cientistas do DES uniram forças com uma equipe de astrônomos do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (CfA) para esta detecção, incluindo observatórios ao redor do mundo para reforçar a detecção feita pela DECam. As imagens tiradas com a DECam capturaram o aumento de brilho súbito e o subsequente enfraquecimento ao longo do tempo (ver Figura 1) de uma kilonova – uma explosão semelhante a uma supernova, mas em uma escala menor – que ocorre quando duas estrelas colapsadas, chamadas sistema binário de estrelas de nêutrons.
Figura 1 – Imagem de NGC4993 combinando-se os filtros grz. À esquerda: Imagem da detecção óptica de GW170817, indicada pela flecha.
À direita, a mesma área duas semana depois, quando GW170817 deixou de brilhar.
Este último evento é a primeira detecção de ondas gravitacionais causada por duas estrelas de nêutrons colidindo e, portanto, o primeiro a ter uma fonte visível. As detecções anteriores de ondas gravitacionais foram atribuídas à fusão de buracos negros, que não podem ser vistos com telescópios. Poucas horas após receber o aviso do LIGO/Virgo, os cientistas conseguiram apontar telescópios na direção do evento e identificar uma fonte de luz associada a ele.
O pesquisador Marcio Maia, do Observatório Nacional, comenta que "a luz detectada pela DECam foi o resultado do decaimento de núcleos radioativos que foram 'engordados' com a grande disponibilidade de nêutrons das estrelas. No momento da fusão, a densidade é altíssima, o que faz núcleos atômicos incorporarem nêutrons deixando-os instáveis, e, como consequência, sofrem decaimento radioativo com a emissão fótons energéticos. No caso de fusão de buracos negros isso não acontece, pois temos dois objetos colapsados que se fundem".
"Isso está além dos meus sonhos mais loucos", disse Marcelle Soares-Santos, brasileira atualmente na Brandeis University, que liderou o esforço da pesquisa pelo lado da colaboração DES. "Com a DECam, recebemos um bom sinal, e foi possível mostrar como ele evoluiu ao longo do tempo. A DECam é um dos mais poderosos dispositivos de imagens digitais existentes e está montada no telescópio Blanco, no Observatório Interamericano do Cerro Tololo, Chile.
A astrônoma da Texas A&M Jennifer Marshall estava observando no telescópio Blanco durante o evento, enquanto os astrônomos Douglas Tucker e Sahar Allam, do Fermilab, coordenavam as observações do Centro de Operações Remotas do Fermilab. “Isso foi realmente incrível”, disse ela. “Eu me senti afortunada de estar no lugar certo no momento certo para ajudar a fazer talvez uma das as observações mais significativas da minha carreira“.
A kilonova foi identificada em imagens da DECam pelo astrônomo da Universidade de Ohio Ryan Chornock, que instantaneamente alertou seus colegas por e-mail. “Eu estava examinando os dados brutos e encontrei esta brilhante galáxia e vi uma nova fonte que não estava na imagem de referência (tomada anteriormente)”, disse ele. “Foi muito emocionante”. Uma vez que as imagens cristalinas da DECam foram tomadas, uma equipe liderada pelo professor Edo Berger, da CfA, foi trabalhar analisando o fenômeno. Dentro de horas após a recepção das informações de localização, a equipe havia reservado tempo em vários observatórios, incluindo o Hubble Space Telescope, da NASA, e Observatório de raios-X Chandra.
LIGO/Virgo trabalham com dezenas de colaborações de astronomia em todo o mundo, fornecendo mapas do céu da área onde as ondas gravitacionais detectadas se originaram. As equipes do DES e do CfA estavam se preparando para um evento assim, há mais de dois anos, estabelecendo conexões com outras colaborações de astronomia e criando procedimentos para se mobilizar, tão logo fosse dado o aviso “uma nova fonte foi detectada!”
O resultado é um conjunto rico de dados que cobre desde ondas de rádio até raios-X. “Este é o primeiro evento do tipo, aquele que todos vão se lembrar”, disse Berger. “Estou extremamente orgulhoso de todo o nosso grupo, que respondeu de uma maneira incrível. Eu continuei dizendo a eles para saborear o momento. Quantas pessoas podem dizer que foram ao nascimento de um novo campo de astronomia? ”
Adicionando mais emoção à descoberta, esta última detecção de onda gravitacional correlaciona-se a uma explosão de raios gama detectados pelo telescópio espacial Fermi Gamma-ray, da NASA. Combinar essas detecções é como ouvir o trovão e ver o relâmpago pela primeira vez. “Cada uma destas – as ondas gravitacionais da fusão de estrelas de nêutrons, a emissão de raios gama e a contrapartida óptica – poderiam ter sido descobertas inovadoras separadas, e cada uma poderia ter demorado muitos anos”, afirmou Daniel Holz, da Universidade de Chicago, que trabalha nas colaborações DES e LIGO. “Em menos de um dia, nós fizemos tudo. Isso exigiu que muitas comunidades diferentes trabalhassem juntas para que tudo acontecesse.”
Este evento também fornece uma maneira completamente nova e única de medir a atual taxa de expansão do Universo, a constante do Hubble, algo teorizado por Holz e outros. Assim como os astrofísicos usam as supernovas como “velas padrão” (objetos com o mesmo brilho intrínseco) para medir a expansão cósmica, as kilonovae podem ser usadas como “sirenes padrão” (objetos cuja intensidade da onda gravitacional se conhece). LIGO/Virgo podem usar este fato para determinar a distância destes esses eventos, enquanto o acompanhamento óptico do DES, entre outros, determina a velocidade de recessão; sua combinação permite aos cientistas determinar a taxa de expansão recente. Este novo tipo de medida ajudará o Dark Energy Survey em sua missão de entender melhor a energia escura, a força misteriosa que acelera a expansão do Universo.
Observatório Nacional participa do DES-Brazil
Pesquisadores do Observatório Nacional participam do levantamento DES, por meio do consórcio DES-Brazil, que envolve também pesquisadores de outras instituições brasileiras. O ON, por meio do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do e-Universo (INCT do e-Universo), oferece o suporte necessário à participação brasileira em levantamentos astronômicos gerando grandes volumes de dados.
Os membros do DES-Brazil envolvidos na detecção da contrapartida óptica usando a DECam são: Aurelio C. Rosell (ON), Flavia Sobreira (UNICAMP), Luiz A. Nicolaci da Costa (ON), Julia Gschwend (ON), Marcio A.G. Maia (ON), Marcos Lima (USP) e, Ricardo L.C. Ogando (ON).
O pesquisador do Observatório Nacional Luiz Nicolaci da Costa, coordenador do LIneA e do INCT do e-Universo, comenta: “Apoiamos a participação de brasileiros em grandes levantamentos, entre eles o DES. Nos próximos anos teremos início de outros grandes levantamentos como o Dark Energy Spectroscopic Instrument e o Large Synoptic Survey Telescope, ambos prometendo trazer mais novidades.”
O DES iniciou recentemente o quinto e último ano de sua missão para mapear uma área do céu do sul em detalhes sem precedentes. Cientistas do DES usarão esses dados para saber mais sobre o efeito da energia escura acima de oito bilhões de anos da história do Universo, no processo que mede 300 milhões de galáxias, 100.000 aglomerados de galáxias e 3.000 supernovas.
Publicações com resultados das observações com DECam podem ser encontradas aqui . Do Observatório Nacional, participam dos trabalhos publicados os pesquisadores: Aurélio Carnero, Luiz Alberto Nicolaci da Costa, Julia Gschwend, Marcio Maia e Ricardo Ogando.
Telescópio brasileiro T80-Sul, situado no Chile, registra o fenômeno
O fenômeno foi também detectado pelo telescópio T80-Sul, financiado pela FAPESP e pelo Observatório Nacional. O T80-S é um telescópio robótico localizado no Chile, capaz de fazer observações em 12 filtros ópticos (o dobro dos telescópios em atividade hoje) e de forma autônoma - um dos seus grandes diferenciais. Começou a funcionar em 2016, para realizar o projeto S-PLUS , de mapeamento de 1/5 de toda área do céu. Com pouco tempo na ativa, já está publicando seu primeiro artigo, em 2017, com uma descoberta de importância mundial.
Um total de 18 pesquisadores brasileiros de diversas instituições participaram do trabalho sobre esta importante descoberta. O artigo já foi aceito para publicação e conta com três pesquisadores do ON entre os autores: Jailson Alcaniz, Yolanda Jimenez Teja e Stavros Akras.
Vídeos (em inglês):
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Vídeo (em português)
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