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Imagem inédita de buraco negro no coração da Via Láctea é revelada; astrofísico do ON comenta
A equipe internacional de pesquisadores do Event Horizon Telescope (EHT, ou Telescópio do Horizonte de Eventos) revelou nesta quinta-feira (12/05) a primeira imagem do buraco negro supermassivo localizado no centro da nossa galáxia, a Via Láctea.
Identificado há quase 50 anos como o candidato a buraco negro supermassivo mais próximo de nós e um dos objetos astrofísicos mais estudados, a região de Sagitário A* (Sgr A*) é, segundo os pesquisadores, o laboratório definitivo para astrofísica de buracos negros.
De acordo com os astrônomos, o registro da imagem de Sgr A* pelo EHT fornece evidências contundentes de que o objeto no centro da nossa Galáxia é de fato um buraco negro. Além disso, esse resultado fornece pistas valiosas sobre o funcionamento desses objetos monstruosos que devem estar no centro da maioria das galáxias no universo.
A imagem de Sgr A*, buraco negro supermassivo a cerca de 27 mil anos-luz da Terra, foi produzida pela equipe Colaboração EHT usando observações de uma rede mundial de radiotelescópios.
Imagem do Event Horizon Telescope de Sagittarius A* — Foto: EHT
Os cientistas já haviam visto estrelas em órbita de algo invisível, compacto e muito massivo no coração da Via Láctea – descoberta que levou o Nobel de Física de 2020. Essas características sugeriam fortemente que Sagitário A* era um buraco negro. E, agora, a imagem fornece a primeira evidência "visual" disso.
Os pesquisadores explicam que, embora não possamos ver o buraco negro em si, porque ele não emite luz, o gás brilhante ao seu redor revela uma forma inconfundível: uma região central escura (chamada sombra) cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel e que na imagem anterior na galáxia M87 muitos brincaram não passar de uma "grande rosquinha de padaria".
A nova visão captura a luz que se curva pela poderosa gravidade do buraco negro, que é quatro milhões de vezes mais massivo que o nosso Sol.
“Ficamos surpresos ao ver como o tamanho do anel que observamos está tão de acordo com as previsões da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Estas observações sem precedentes aumentaram grandemente o nosso conhecimento do que acontece mesmo no centro da nossa Galáxia e nos dão novas pistas sobre como é que estes buracos negros gigantes interagem com o meio que os rodeia”, disse o cientista do projeto EHT Geoffrey Bower, do Instituto de Astronomia e Astrofísica, Academia Sinica, Taipei.
Para observar o buraco negro, a equipe conectou oito observatórios de rádio existentes em todo o planeta, formando um único telescópio virtual que observou Sagitário A* por várias noites em 2017.
Embora Sgr A* esteja mais próximo da Terra, em comparação com M87* – primeiro buraco negro a ter sua imagem registrada em 2019 pela EHT – Sgr A* é mais de mil vezes menor e menos massivo. No entanto, eles apresentam semelhanças e, segundo os cientistas, os resultados de Sgr A* e M87* mostram que esses anéis são características universais dos buracos negros.
Comparação dos tamanhos de M87* e Sgr A* usando o Sistema Solar. Enquanto o primeiro tem aproximadamente o tamanho do nosso Sistema Solar inteiro, além da órbita de Plutão, o segundo está contido dentro da órbita de Mercúrio. Reprodução/EHT Collaboration (com Lia Medeiros/xkcd)
O principal desafio para observar Sgr A* era justamente seu tamanho, menor que M87*. Isso porque o gás que se encontra perto do buraco negro Sgr A* completa uma órbita em torno dele em alguns minutos. Consequentemente, isso faz com que o brilho e o padrão do gás ao redor de Sgr A* mude rapidamente: “é como tentar tirar uma foto nítida de um filhote perseguindo rapidamente seu rabo”, resumiram os pesquisadores. Por isso, a imagem final de Sgr A* é uma média das diferentes imagens que a equipe extraiu usando técnicas sofisticadas.
Agora, com as imagens dos dois buracos negros, os cientistas poderão entender melhor como eles se comparam e contrastam. Além disso, poderão usar os novos dados para testar teorias e modelos de como o gás se comporta em torno de buracos negros supermassivos. Como consequência, isso ajudará a entender melhor o funcionamento do Universo:
“Como se diz por aí, uma andorinha só não faz verão. Precisamos de vários tipos de objetos para validar modelos e entender melhor como o universo funciona”, destacou o astrofísico do Observatório Nacional (ON/MCTI), Dr. Ricardo Ogando.
Participam da colaboração EHT mais de 300 pesquisadores de 80 institutos de todo o mundo. Além de desenvolver ferramentas complexas para superar os desafios do processamento da imagem de Sgr A*, a equipe trabalhou por cinco anos para combinar e analisar seus dados, enquanto compilava uma biblioteca sem precedentes de buracos negros simulados para comparar com as observações.
O que é um buraco negro?
Segundo Ogando, um buraco negro é uma concentração de massa extrema e tem esse nome por não emitir luz, aliás, nem a luz escapa de sua gravidade.
“Por não emitir luz, pode ser bem complicado observar buracos negros. Até pouco tempo só tínhamos observações indiretas de sua existência, por exemplo, a emissão de raios-x de gás quente caindo em seu interior. Mas graças a observação de ondas gravitacionais vindas da fusão de buracos negros ou de buracos negros com estrelas de nêutrons, e às observações do EHT, ‘vemos’ de fato que eles existem”, comenta Ogando.
O astrofísico explica que os buracos negros podem surgir a partir de dois caminhos: evolução estelar, como o fim da vida de estrelas massivas, de dezenas de massas solares, e através da formação da "teia cósmica" onde as galáxias se distribuem universo afora e, em seu centro, buracos negros super massivos, com pelo menos milhões de massas solares, vão habitar.
Os resultados da equipe EHT foram publicados nesta quinta-feira na revista científica The Astrophysical Journal Letters .
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Fonte: Comunicado à imprensa divulgado pelo EHT em 12 de maio de 2022.