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Estudo de pesquisador do ON investiga relação entre taxa de expansão do universo e novo mecanismo de produção de matéria escura
O Universo em que vivemos está em constante expansão, acelerada pela misteriosa energia escura. A taxa de expansão do Cosmos é dada pela constante de Hubble (H0). No entanto, estimativas dessa taxa apresentam discrepâncias quando se compara dados do universo primitivo e medições locais, obtidas através de cefeidas e supernovas próximas.
A fim de explicar essa divergência, uma equipe de físicos e astrofísicos, incluindo o pesquisador do Observatório Nacional, Dr. Jailson Alcaniz, explorou um mecanismo de produção de partículas de matéria escura que poderia estar interferindo no valor da taxa de expansão do Universo. O grupo concluiu que a constante de Hubble pode sofrer perturbações devido ao mecanismo de produção dessas partículas em cenários alternativos ao modelo cosmológico padrão, também conhecido como ΛCDM.
O estudo em questão resultou no artigo “The Hubble constant troubled by dark matter in non-standard cosmologies” publicado em novembro de 2022 na Revista Nature (Scientific Reports). O artigo faz parte da tese de doutorado desenvolvida pelo estudante Dêivid Rodrigo da Silva na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
O Modelo Cosmológico Padrão – ΛCDM
O modelo cosmológico padrão ou ΛCDM fornece atualmente a melhor descrição do universo observado. Este modelo baseia-se na suposição de que, em escalas muito grandes, o Universo é homogêneo e isotrópico, o que significa que suas propriedades são muito semelhantes em todos os pontos e que não há direções preferenciais no espaço, e que a gravidade é descrita pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Mas existem duas componentes neste modelo que carecem de confirmação experimental: a matéria escura (que provoca efeitos gravitacionais sobre a matéria visível, como estrelas e galáxias) e a constante cosmológica (Λ) ou energia escura (componente que permeia o Universo e impulsiona sua expansão atualmente acelerada).
Um dos pilares observacionais do modelo ΛCDM é a Radiação Cósmica de Fundo (do inglês Cosmic Microwave Background Radiation, CMB), que consiste na radiação remanescente dos estágios iniciais do universo. A CMB revela com grande riqueza de detalhes a história do Cosmos, pois carrega informações do universo primitivo. Em 2009, com o lançamento da missão Planck, da Agência Espacial Europeia (ESA), medidas das propriedades físicas da CMB adquiriram uma precisão sem precedentes. A missão em questão funciona como uma máquina do tempo, dando aos astrônomos uma visão da evolução desde o nascimento do Universo, há quase 14 bilhões de anos. Sendo assim, a análise dos dados da CMB permite extrair os parâmetros que descrevem o estado do Universo logo após sua formação e como ele evoluiu ao longo de bilhões de anos.
Os dados do satélite Planck, juntamente com as observações do Atacama Cosmology Telescope e do South Pole Telescope, confirmaram que o modelo ΛCDM oferece a melhor descrição do universo. Mas, ao mesmo tempo, esses dados deram origem a indícios de física além do ΛCDM. Isso porque existe uma discrepância estatisticamente significante entre a taxa de Hubble inferida a partir dos dados da CMB e aquela obtida a partir de medições locais, que utilizam medidas de distância de supernovas. Essas últimas indicam que o universo está se expandindo muito rápido, em desacordo com a análise dos dados da CMB no contexto do modelo cosmológico padrão ΛCDM. Ou seja, indica que a taxa de Hubble é maior do que o previsto por este cenário.
Diante disso, Alcaniz e colaboradores investigaram um mecanismo físico que poderia estar aumentando a taxa de Hubble para, assim, conseguirem conciliar os dados de CMB com as medições locais.
No estudo, a equipe utilizou os dados observacionais mais atuais e concluiu que a taxa de expansão do Universo (H0) pode estar sendo perturbada por partículas de matéria escura produzidas por um mecanismo não térmico.
Conforme explicou o pesquisador Dêivid Rodrigo da Silva, existem alguns mecanismos que explicam a origem da matéria escura. Em geral, eles podem ser divididos em duas categorias: térmica e não térmica.
“Em um mecanismo térmico, a matéria escura ou sua partícula geradora está em equilíbrio termodinâmico com as outras partículas que formam o plasma primordial – que compunha o Universo logo depois do Big Bang. Já em uma produção não-térmica, a partícula que dá origem a matéria escura não está em equilíbrio termodinâmico com o plasma fundamental. Isso significa que o mecanismo proposto adiciona entropia (‘desordem’) ao universo, enquanto em uma produção térmica de matéria escura não adicionaria entropia”, detalha Dêivid.
Além de uma produção não-térmica, o mecanismo proposto no estudo considera que uma nova partícula muito massiva decai e dá origem a uma fração de aproximadamente 1% da matéria escura do universo e a partículas subatômicas conhecidas como neutrinos. Em outras palavras, no processo descrito, a partícula instável “se transforma” em duas outras partículas mais estáveis: matéria escura e neutrinos.
Dêivid explica que a matéria escura recém formada tem então muita energia cinética, que está relacionada à velocidade da partícula, o que aumenta a densidade de radiação do universo (radiação escura) por um período de tempo. É esse aumento que fornece uma possível solução para o problema do H0. Ele ainda acrescenta que outro ponto importante do mecanismo proposto é que ele consegue aliviar o problema do H0 sem destruir outras características importantes do modelo cosmológico padrão. Por exemplo, a adição de radiação no universo poderia alterar a formação de elementos leves ou a própria radiação cósmica de fundo, o que não ocorre no modelo proposto.
Para Alcaniz, esse tipo de análise que conecta dados cosmológicos e modelos de física de partículas é cada vez mais promissor.
“Exploramos a interface entre Física de Partículas e Cosmologia para investigar novos efeitos físicos sobre a evolução do Universo. Esta é uma linha de pesquisa com ótimas perspectivas para os próximos anos, dada a entrada em operação de grandes surveys cosmológicos. Especificamente, nós mostramos como esse mecanismo não-térmico de produção de matéria escura pode fornecer uma possível solução do problema de H0, além de oferecer uma oportunidade de sondar a rica fenomenologia do mecanismo de produção de partículas de matéria escura”, concluiu Alcaniz.