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Equipe liderada por brasileiro descobre anel improvável em torno de asteroide
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que apenas planetas gigantes, como Júpiter e Saturno, poderiam ter anéis – estruturas formadas de poeira e outras pequenas partículas que orbitam em torno de um corpo celeste. No entanto, estudos a partir de 2013 encontraram anéis em torno de pequenos corpos como no asteroide Chariklo e, em 2017, no planeta anão Haumea.
Agora, a mesma equipe responsável por estas descobertas encontrou um anel improvável em torno do asteroide Quaoar. Este objeto é um dos pequenos corpos do nosso Sistema Solar e é conhecido como um objeto Transnetuniano (TNO) por orbitar a região além do planeta Netuno. O asteroide se encontra a uma distância de 41 vezes a distância entre a Terra e o Sol (Netuno está a 30 vezes a distância Terra-Sol). Com mais de 1.000 km de diâmetro, Quaoar é candidato a planeta-anão.
O estudo que encontrou um anel no Quaoar contou com a colaboração de pesquisadores do Observatório Nacional (ON/MCTI), e foi liderado pelo astrônomo brasileiro Dr. Bruno Morgado, professor do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutor em Astronomia pelo ON. A descoberta do terceiro sistema de anéis ao redor de um pequeno corpo foi publicada na revista Nature , em 8 de fevereiro de 2023.
Conforme explica Morgado, os TNOs, como Quaoar, são fósseis praticamente intactos da formação do Sistema Solar. Dessa forma, catalogar suas características físicas é fundamental para entender como o Sistema Solar se formou e evoluiu até os dias atuais.
A órbita do TNO Quaoar em comparação com as órbitas dos planetas gigantes: Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Fonte: JPL Horizons.
As descobertas de anéis em pequenos corpos foram possíveis devido às técnicas de ocultações estelares.
“Prever uma ocultação estelar significa saber com precisão as posições das estrelas no céu e as órbitas dos pequenos corpos. Hoje, ocultações estelares fornecem medidas com precisão da ordem do quilômetro, só alcançáveis com sondas espaciais in loco. Para observar ocultações estelares, colaborações globais são necessárias, uma vez que o evento pode ocorrer em diferentes locais da Terra”, destaca Morgado.
Diagrama de uma ocultação estelar e o cone de sombra passando sobre a superfície da Terra. Cada um dos observadores (pontos vermelhos) irão ver diferentes regiões da sombra do objeto ocultador, como ilustrado na figura no canto inferior direito. Fonte: Revista Brasileira de Astronomia, Volume 4, Número 16.
A descoberta do anel no TNO Quaoar se deu através da detecção de pequenas quedas de brilho na luz das estrelas ocultadas, momentos antes e depois de Quaoar passar na frente delas. Estas quedas de brilho ocorreram em ocultações observadas entre 2018 e 2021 e juntas revelaram a presença do anel.
A partir da análise dessas quedas de brilho, os pesquisadores puderam determinar as propriedades físicas do anel, como a largura e quantidade de material presente. Além disso, detectaram uma estrutura que possui uma grande variação de densidade – algo já visto em alguns anéis de planetas gigantes, mas nunca em pequenos corpos.
Variação da luz da estrela ao longo do tempo obtida no Gran Telescopio Canarias de 10.4 metros. As regiões em azul no painel superior (a) foram expandidas nos painéis inferiores (b) e (c) para melhor visualização das quedas ligadas ao anel de Quaoar.
A descoberta surpreendeu os cientistas porque o anel não deveria estar lá. Morgado explica que o anel de Quaoar está a cerca de 4.100 km do corpo principal, o que corresponde a cerca de 7,4 raios do corpo. Essa distância está muito além do “limite de Roche”, proposto por Edouard Roche em 1850.
De acordo com essa teoria, existe uma distância na qual as forças de maré do corpo central equilibram a auto gravidade de um satélite. Caso esteja dentro deste limite, é improvável que o disco de partículas se acumule formando uma lua. Ou seja, pela teoria, dentro do limite de Roche não haverá lua e sim um anel.
Por outro lado, um disco fora desse limite – como é o caso do anel descoberto ao redor de Quaoar – deveria se agregar, em poucos anos, e formar um satélite.
“Até agora, as observações confirmavam a teoria de Roche: todos os anéis densos dos quatro planetas gigantes, bem como os anéis de Chariklo e Haumea, encontram-se dentro ou perto do limite de Roche. Mas o anel de Quaoar desafia esse quadro”, pontua Morgado.
De acordo com os pesquisadores, novos estudos ainda são necessários para melhor entender o anel de Quaoar e como ele existe fora do limite de Roche. Porém, uma coisa é clara: esta descoberta mostra que os anéis em pequenos corpos devem ser mais comuns do que se pensava, e devem se apresentar em variadas formas, desafiando os cientistas a entendê-los.
“O estudo destas estruturas pode auxiliar os cientistas a responderem questões fundamentais sobre os mecanismos de formação de luas em torno de planetas do Sistema Solar e de outros sistemas estelares”, conclui Morgado.
Representação artística de Quaoar, seu anel e sua lua Weywot à esquerda. Crédito: ESA, CC BY-SA 3.0 IGO.
O estudo em questão foi desenvolvido como parte da colaboração Lucky Star, sob a liderança do Dr. Bruno Sicardy do Observatório de Paris (Paris, França) e só foi possível graças a uma colaboração mundial envolvendo astrônomos profissionais e amadores. Este estudo contou com a participação de pesquisadores em diversos institutos ao redor do globo, como: Observatório de Paris (Meudon, França), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha), Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Rio de Janeiro, Brasil), Universidade de Oulu, (Oulu, Finlândia) entre outros. O trabalho também contou com a participação de grandes telescópios profissionais, telescópios robóticos, pequenos telescópios da comunidade amadora e até mesmo o telescópio espacial CHEOPS da Agência Espacial Europeia (ESA).
Este estudo foi publicado com o título “ A dense ring of the trans-Neptunian object Quaoar outside its Roche Limit ” na edição da revista Nature do dia 09 de fevereiro de 2023, sob a autoria de B. Morgado e colaboradores, DOI: 10.1038/s41586-022-05629-6.