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A obra de Lasar Segall por Will Grohmann
Texto publicado pela primeira e única vez em 1920, no catálogo da exposição individual de Lasar Segall no Folkwang Museum, agora reproduzido no catálogo da exposição “Witwe, uma pintura reencontrada”
Três grandes artistas inovadores chegaram ao cenário artístico europeu vindos da Rússia: Kandinsky, Chagall e Segall. Nos últimos anos, a grandiosidade afluiu subitamente também à pintura russa. Kandinsky tornou-se europeu com uma rapidez assustadora, renunciando por completo a qualquer confronto com o mundo e consigo próprio em seus diagramas de alma, aproximando-se dos estetas, perdendo a piedade e o éthos, pois sem uma relação com a origem e a humanidade, toda a ambiguidade conduz ao vazio. Chagall conserva mais profundamente o calor do sangue do campesinato sármata e o fervor de uma religiosidade mística. O credo quia absurdum brilha a partir das estrelas de seu mundo fantástico, esquecendo seu peso tanto acordado como sonhando, e não se limita aos confins da nossa consciência.
Segall não tem nada da embriaguez de cores de Kandinsky, nada do peso da terra camponesa de Chagall, nem de sua fantasia e misticismo encantadores. Segall é um cético em toda o seu primitivismo conectado ao popular. Ele tem de duvidar de tudo que existe na vida e na arte para, de repente, como que do nada, experimentar o problema e a forma com consequências sem precedentes. Coisas nunca antes ditas ressoam a partir de traços e cores impregnados de renúncia. As sublimações mais finas, mesmo no trivial, nunca o mero temperamento. Ao longo dos doze anos de produção do artista, seu círculo de questões reduz-se a alguns temas decisivos aos quais ele se dedica cabalmente. Sua obra dos últimos anos não contém nenhuma paisagem, nenhum incidente, quase nenhuma recordação de terras e mares distantes. Por todos os lados e a cada dia, é o homem, em sua total dependência dos outros e de Deus, que o obriga a autoconfrontos torturantes. E quando, em Vilnius, surgem esboços na rua, mal rabiscados em pequenos cadernos, também aqui a determinação suplanta o ocasional, a generalização, o acidental.
O período impressionista de Segall foi um breve interlúdio. Ele detesta as aparências e nutre a esperança pelos milagres do ser — sem nunca ter exibido essas obras que refletem seu talento, desceu de novo ao reino sombrio da vida, onde essa técnica falha por si própria. Mendigos, famintos, emigrantes, judeus perseguidos, doentes na sala de espera do médico, moribundos, todos eles voltam a ser seus companheiros. Os exaustos pelo trabalho, os cansados e os sobrecarregados. O figurativo é interpretado com a maior intensidade pela expressão do traço. (Muitos em posse do sr. Leopold Eger, de Chemnitz.) Ocasionalmente, criam-se tons rítmicos por meio dos traços e da distribuição das superfícies. Segall também é hostil a essa estética. A agonia do problema continua. Novas questões obrigam a novas concepções. Seu amor pelos seres humanos perde o sentimentalismo e ganha força religiosa. Como somos todos culpados, nos sentimos responsáveis e sabemos: o sofrimento humano é o sofri- mento de Deus.
Cada vez mais, o inexplicável conduz a uma visão sublime do além que é mais caraterística do Oriente do que da Europa. Sem teorias e experiências intelectuais, Segall chega sistematicamente a uma forma de representação que apenas dá aos últimos o direito de existir. Os fatos tornam-se irrelevantes. O que ele cria é apenas a forma como a visão de mundo se solidifica em sua alma. A realidade torna-se passagem para uma espiritualidade superior; os objetos, uma que haveria ponte para a compreensão. Onde é lugar para a habilidade e a estética? Segall as odeia, quer que predomine uma expressão completamente sem adornos. Nunca encontra uma cor por ser bela, apenas por ser verdadeira. Com uma teimosia ascética, ele renuncia a todos os meios dispensáveis da cor e da forma.
Nos quadros em torno do “Kaddish”, ele talvez esteja em seu estado mais simples e puro, mas também mais vulnerável. Neles, está ausente tudo o que em geral nos alegra. Um apego cauteloso à matéria última, à estrutura básica que brilha fugazmente. Passado um ano, o medo já não é relevante e, timidamente, logo depois com mais segurança, florescem canteiros de cor, mas nunca como um fim em si mesmo, sempre justificados perante sua consciência incorruptível.
Nas pinturas posteriores ao “Kaddish”, há um conteúdo de eternidade por detrás dos respectivos destinos individuais, e das mais simples relações humanas surge um profundo simbolismo. É comovente ver como a repetição do abandono nos três órfãos da obra “Kaddish: a oração pelos mortos” se condensa no próprio abandono inconsolável, como a contemplação da oração e a tristeza das cores acompanham o lamento. Em “No atelier”, apenas o ato de criação. O decisivo roxo-avermelhado do pintor, criativamente aliciado a uma cabeça gigantescamente concentrada, afasta também o verde-amarelado das mulheres que o seguem compenetradas. Em “Morte” não há nenhum acontecimento como na obra de Chagall, nenhum grito do mundo destruído, nada efêmero, mas o resultado, o efeito eterno da morte sobre o homem. “Os eternos errantes”: o nosso vaguear da noite para a noite. As cabeças como constelações. O conceito em forma de afresco, uma premonição daquilo que poderia vir a ser um novo templo.
“Viúva”, nobre majestade, é apenas uma proteção para os filhos que certamente vão se impor como a vida futura. Os “Avós” só com dificuldade receberam a transfiguração dessa última versão, agora só têm a imortalidade. A forma como o verde fantasmagórico do velho equilibra o peso terrestre violeta-acastanhado da mulher é ousada e conflitante. Nos “Amantes”, é preparada uma cultura de pintura que promete se tornar mais solta, mais viva, mais espirituosa. Em “Mulher grávida” há algo de tão florescente, glorificante; ficamos tentados a suspeitar de um novo caminho de representação artística. Aliás, as relações entre homem e mulher são um tema eterno do pintor, que sempre lhe escapa. No quadro “Homem e mulher”, de 1918, um pertencimento feliz e doloroso. Substância e evasão também nas cores. Nas litografias para a novela “Uma criatura dócil”, de Dostoievski, os poucos traços de todo o poema cantam uma melodia angustiante. O mesmo tatear, recomeçar, refletir. Compreendemos que o que diz respeito a duas pessoas é a coisa mais misteriosa do mundo, para elas e para nós. Nunca, em tão poucas linhas retas e sem coração, se viu tal sofrimento de tragédia silenciosa.
Em “Homem e mulher”, de 1919, um encontro para um momento de profundo e fatal reconhecimento. Reconciliação apenas na compreensão. A vida dá ao pintor uma resposta mais consoladora e a luta se torna mais esperançosa. Nos “Amantes”, o jogo das mãos ainda é mecânico, mas nas cabeças superdimensionadas floresce em cores uma promessa. A “Mulher grávida”, de 1920, é a mais redimida, manifestando pela primeira vez uma nobre instintividade, purificada numa centena de lutas difíceis, tornada piedosa na humilde espera. Seu corpo pequeno e misterioso suporta a enorme cabeça (na verdade é sempre a mesma nos vários níveis da sua concepção), que é como a natureza criadora, enquanto o homem a carrega como uma tocha para que o fogo não se apague. A pergunta "Por que assim e não de outro modo?" é silenciada pelo poder persuasivo de sua obra. Uma felicidade incipiente também para a criança. Se antes só levava consigo a culpa do mundo, hoje ela é um começo.
A arte gráfica de Segall alcança enfim a litografia e o desenho a bico de pena. Partindo de inícios realistas e rítmicos, ele chega a folhas perante as quais parece insondável como o espírito se transforma em forma. Aqui, o imaterial aparece de fato como essência. Todos os sons dispensáveis são eliminados, a concentração fica mais focada, não há nenhum traço de gesto barroco. O conteúdo é puramente transmitido a partir da cristalização da linha e da forma; no brilho mais puro, como uma ideia de si mesmo.
No “Retrato do escritor Gorelik”, os cruzamentos impiedosos se tornam a crucificação nunca ultrapassada de um homem-deus. Como que por si próprias, as linhas se juntam em “Leito de morte”. Alguns corpos e os contornos permitem à gentil mulher morta flutuar entre o céu e a terra e apenas o caos incompreensível de linhas da cabeça do marido a retém em agonia. As últimas folhas já não se fecham à música do nosso mundo com a mesma intensidade de antes. Uma riqueza franciscana permeia toda a pobreza, uma beatificação misericordiosa penetra todo o ser ainda assustado. Um nobre equilíbrio favorece a dualidade e, com ela, o universo, ou será que vêm daí o sentido e o caminho? Talvez Deus não estivesse totalmente errado. Dez anos de luta e agonia dão os seus primeiros frutos.
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* Nascido em Bautzen, na Alemanha, em 1887, Will Grohmann foi um importante crítico e historiador da arte. Profundamente engajado com o expressionismo alemão e a arte abstrata, foi um interlocutor fundamental de inúmeros artistas, entre os quais Ernst Ludwig Kirchner, Otto Dix, Paul Klee, Wassily Kandinsky e Oskar Schlemmer, bem como Lasar Segall, durante os anos em que o lituano esteve radicado na Alemanha. A importância do vínculo entre Segall e Grohmann pode ser aferida pelo número considerável de cartas preservadas no arquivo do museu dedicado ao artista, testemunho de uma relação de mútua amizade e respeito. Com a chegada dos nazistas ao poder em 1933, Grohmann, dada sua defesa do modernismo, foi demitido de seu posto na Staatliche Gemäldegalerie de Dresden, onde trabalhava desde 1926, recolhendo-se da cena artística para se concentrar no campo da arqueologia. Com o fim da guerra, retoma suas atividades críticas e dá início a sua carreira de professor, lecionando em Leipzig e Berlim. Também produziu, ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960, uma série de monografias sobre artistas como Paul Klee, Georges Braque, Wassily Kandinsky, Wili Baumeister e Ernst Ludwig Kirchner, que a ele devem sua popularização no meio artístico alemão. Grohmann, que usou o rádio e a televisão como meios de aproximação com o público, morreu em 1968, aos oitenta anos, em Berlim.