Lasar Segall: ensaio sobre a cor
26/10/2018 a 05/03/2019
As lembranças de Vilna, sua cidade natal, nunca saíram da cabeça de Lasar Segall (1889-1957). Situada na confluência de dois rios, circundada por colinas e bosques, a capital da Lituânia orgulhava-se de seus edifícios históricos, de suas ruas e casas antigas. À Vilna que Segall conheceu em menino veio se sobrepor a tragédia que o aguardava em seu retorno à cidade, em 1916, em plena guerra.
O pai, já idoso, ao recebê-lo na estação de trem, disse logo: “meu filho, quando sairmos daqui não olhe nem à direita, nem à esquerda da rua”. Mas Segall não pôde resistir. De pronto, viu que as grandes e frondosas árvores que ladeavam a avenida haviam desaparecido. Atentando melhor, notou que ao longo das calçadas se estendia uma massa amorfa de homens, mulheres e crianças, alguns deitados ou sentados, outros de pé, mas tão fracos que nem um queixume ou protesto vinha desses miseráveis, agarrados uns aos outros, à espera da morte por inanição.
Diante daquela cena de horror, vieram-lhe à mente as árvores de sua infância: “eu amava suas tenras tonalidades primaveris e o verde saciado de sua farta fronde estival; no outono, quando suas folhagens eram uma mistura caleidoscópica de amarelos, laranjas, vermelhos; e no inverno, impressionava-me com o mistério de suas formas despojadas, carregadas de neve”. Essa divagação diz bem do seu encantamento pela natureza e de sua precoce sensibilidade pictórica.
Esse relato escrito em Campos do Jordão, quando Segall já era um dos grandes do nosso modernismo (c. 1950), comprova que o impacto daquele acontecimento repercutiu em toda sua obra. A viagem a Vilna determinou uma inflexão na carreira do artista. Desde então, beleza e dor passaram a coexistir em sua arte, que terá a condição humana – quase sempre, o sofrimento – como temática dominante e a cor como meio expressivo por excelência.
A adesão ao expressionismo alemão levou Segall a extravazar seus sentimentos numa pintura que adota a distorção emotiva das formas e a autonomia da cor. A conquista da liberdade cromática será da maior importância para Segall e não só na fase expressionista, mas em todas as fases posteriores de sua pintura. Eis porque, na presente mostra, são os diferentes esquemas cromáticos que determinam o grupamento das obras em quatro blocos expositivos; será a cor que levará o espectador a participar do universo do artista.
Para contextualizar cada fase da obra de Segall, a exposição traz quatro obras emblemáticas de artistas atuantes nos mesmos períodos: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Milton Dacosta. Essas obras evidenciam que Segall não estava sozinho em suas preocupações estilísticas e culturais, embora sua produção seja altamente individualizada.
Maria Alice Milliet
Curadora