Profissão fotógrafo – Hildegard Rosenthal | Horacio Coppola
20/02 a 04/04/2010
Esta exposição, que tem a curadoria de Jorge Schwartz e Marcelo Monzani, trata de simetrias urbanas, de olhares convergentes sobre duas metrópoles: São Paulo e Buenos Aires, em fins dos anos 1930 e início dos anos 1940.
Em outubro de1932, Horacio Coppola (1906-) começa a frequentar as aulas de Walter Peterhans, fundador do primeiro curso de fotografia na Bauhaus de Berlim, enquanto Hildegard Rosenthal (1913-1990) assiste em Frankfurt ao ateliê de Paul Wolff, o maior especialista e promotor da câmera Leica.
A saída de ambos da Alemanha reveste-se de motivações idênticas: a perseguição nazista. Nascido na calle Corrientes, Coppola já era fotógrafo reconhecido pela intelectualidade de Buenos Aires, quando parte para a Europa, em viagem de formação profissional. Conheceu Grete Stern no curso de fotografia da Bauhaus; com o fechamento da famosa escola em 1933, eles fogem para Londres e fixam residência definitiva em Buenos Aires, em 1935. Por sua vez, Hildegard Baum casou-se com Walter Rosenthal, sendo também forçada a escapar do nazismo, chegando a São Paulo, em 1937. Recebidos pelos círculos intelectuais do momento e integrados a eles, ambos encontram nas respectivas cidades um espaço para o diálogo, para a intervenção artística e para o difícil desenvolvimento da recente “profissão: fotógrafo”. Outro elemento passível de comparação é que os dois artistas, que estamos hoje colocando lado a lado, usaram idêntico equipamento, considerado uma revolução tecnológica na época: a máquina Leica 35 mm. A sofisticação e o sucesso dessa câmera nos anos 1930 não encontram equivalente na história da fotografia.
Pouco tempo depois da chegada a Buenos Aires, Coppola e Grete Stern são convidados por Victoria Ocampo – primeira dama da cultura e das artes na Argentina – a realizar, nos salões da revista Sur, na calle Florida, o que é hoje considerada a primeira exposição de fotografia moderna na Argentina. Hildegard, por sua vez, iniciou-se em São Paulo como fotógrafa e diretora da agência Press Information. Embora premiada na Europa, apenas em 1974, e por iniciativa do historiador de arte Walter Zanini, ela expõe a primeira mostra individual no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Tanto Coppola quanto Rosenthal desenvolveram, ao longo de suas carreiras, repertórios visuais muito diversos e heterogêneos, mas é no olhar moderno sobre a cidade que se produz a interlocução, tema aqui escolhido como momento privilegiado de convergência.
A maior parte das fotos de Buenos Aires de autoria de Coppola pertence a uma encomenda da Prefeitura da capital, por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade, e que teve como resultado o magnífico livro Buenos Aires 1936 (Visión fotográfica), com pouco mais de 230 fotos. A vertigem do moderno, representada pela rápida verticalização, revela em ambos os fotógrafos a importação da “Nova visão” e da “Nova objetividade” européia, fruto dos ensinamentos dos artistas Moholy Nagy, Herbert Bayer e Josef Albers. Os pontos de fuga, registrando diagonais que cortam, atravessam e se perdem no infinito, representam fendas nas vastas e verticais construções de cimento. As geometrias fragmentadas permitem que estruturas de ferro forjado ressignifiquem uma nova funcionalidade urbana: balcões, antenas, telas aramadas nas escadarias. Nessa seleção, os paralelepípedos, percorridos no século XIX por carruagens, surgem como pano de fundo de automóveis e de bondes, de convivência ainda pacífica. Estes atravessam os trilhos da cidade, ostentando, de modo desafiador, a legenda de uma utopia que não demoraria em se tornar realidade, “São Paulo é o maior centro industrial da América Latina”.
As paisagens noturnas geometrizadas contrastam com os prédios em ascensão. Os deslumbrantes noturnos de Coppola e de Hildegard, muito mais do que promessas, são a celebração da cidade iluminada, daquilo que Walt Whitman, um século antes, chamou de “I sing the body electric” (Eu canto o corpo elétrico).
A redenção pelo novo, por um centro flanado pela multidão, por transeuntes anônimos desafiando veículos, dinamiza a promessa de uma nova cidade.
Hildegard Rosenthal
Hildegard Rosenthal (1913-1990) vive até a adolescência em Frankfurt, na Alemanha, onde estuda pedagogia de 1929 a 1933. Mora em Paris entre 1934 e 1935. De volta a Frankfurt, estuda fotografia com Paul Wolff (1887-1951) – um especialista nas novas câmeras de 35mm – e técnicas de laboratório no Instituto Gaedel. Em consequência do regime nazista, transfere-se para São Paulo, em 1937. Nesse ano, começa a trabalhar como orientadora de laboratório na empresa de materiais e serviços fotográficos Kosmos. Poucos meses depois, é contratada como fotojornalista pela agência Press Information e realiza reportagens para periódicos nacionais e internacionais. Nesse período, documenta São Paulo, Rio de Janeiro, o interior paulista e cidades do sul do Brasil, além de retratar diversas personalidades da cena cultural paulistana, como o pintor Lasar Segall e o escritor Guilherme de Almeida.
Considerada uma das pioneiras do fotojornalismo brasileiro, registrou paisagens e cenas urbanas de diversas cidades, tipos humanos e retratos de personalidades do meio cultural e artístico de sua época.
Suas fotos permanecem pouco conhecidas até 1974, quando o historiador da arte Walter Zanini realiza uma retrospectiva de sua obra no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC-USP. Em 1996, o Instituto Moreira Salles adquire mais de três mil negativos de sua autoria.
Horacio Coppola
Horacio Coppola (1906) começou na fotografia em 1927 por influência de seu irmão mais velho, que usava uma câmera de grande formato. Autodidata, tendo como referência nomes como Félix Nadar e Edward Weston, aprendeu a fotografar nas ruas da capital argentina, registrando intensamente as mudanças urbanísticas, sociais e culturais da cidade. Em 1929, assiste às conferências de Le Corbusier em Amigos del arte, o primeiro salão modernista de Buenos Aires. Impressiona-o especialmente a palestra La mirada de las casas tradicionales de Buenos Aires como formas abstractas. A partir daí, ele incorpora permanentemente a noção modernista da perspectiva e dos pontos de fuga, enfatizando as linhas e os ângulos geométricos das fachadas, passeios e terraços do centro que se urbanizava.
Em outubro de 1932, aos 25 anos, parte para uma temporada de seis meses em Berlim, onde consolida a intenção modernista de sua obra. Estuda e atua no departamento de fotografia da Bauhaus até seu fechamento pelo governo nazista, que o força a sair da Alemanha. De volta à Argentina em 1935, publica suas fotos no livro Buenos Aires 1936 (Visión fotográfica), com textos de Alberto Prebisch e Ignacio Anzoátegui, em homenagem ao quarto centenário da cidade.
Em 1937, abre um estúdio fotográfico voltado para a publicidade com sua mulher, a fotógrafa alemã Grete Stern, que conhecera no período passado na Bauhaus. Em 1945, parte para a documentação, financiada pelo SPHAN, da obra de Aleijadinho. Coppola sonhou como uma grande exposição sobre o barroco mineiro, mas as imagens continuariam inéditas até 1955, quando foram publicadas por sua editora La Llanura, com o título de El Aleijadinho.
Esta mostra não teria sido possível sem o generoso empréstimo das obras, cedidas pelo Instituto Moreira Salles e pela galeria Jorge Mara – La Ruche de Buenos Aires.