Os caprichos: crônicas de uma Guerra (1936-1939)
18/06 a 26/09/2016
“Viva como você gostaria que se vivesse no futuro”, foi o lema dos ativistas libertários e assim viveu Gustavo Cochet durante toda a sua vida, um exemplo moral tão valioso quanto sua obra e seus escritos, nos quais apresenta uma firmeza ética e uma irredutibilidade política condizentes com um conceito de liberdade que resiste a toda forma de dominação.
Nasceu em 1894, em Rosário. Essa pequena cidade portuária era chamada nessa época a “Barcelona argentina”, por abrigar movimentos anarquistas urbanos semelhantes aos da cidade espanhola. Em 1915, embarcou rumo à Europa para conhecer a terra de seu pai francês. Foi primeiro a Barcelona e trabalhou na galeria de Josep Dalmau. Em 1921, viajou a Paris e entrou em contato com um ambiente artístico agitado pela guerra. “Devo minha formação artística a uma feliz conjunção: Barcelona e Paris. Na primeira, dediquei-me ao trabalho, ao sentido artesanal do ofício… em Paris, compreendi o sentido heroico. Lá a chama do ideal se acendeu para durar enquanto durar minha vida”, expressou em seu Diário de um pintor.
Com a reinstauração da República, regressou a Barcelona. Em 1936, tinha seu ateliê na Plaza Real e participava das tertúlias no Bar Canaletas, frequentado pelos artistas engajados na defesa da República. Na direção da Seção de Belas-Artes da CNT, organização anarcossindicalista, pertencente à Federação Anarquista Ibérica, direcionou seu trabalho para uma mudança cultural transcendente, promovendo o livre pensamento, a tomada de consciência da unidade e solidariedade entre os homens como único caminho para construir uma sociedade nova.
“No dia 19 de julho de 1936, fechei as portas do meu ateliê em Barcelona e ali ficaram inconclusas as obras que estavam sendo realizadas; em que minhas pinturas podiam servir ao povo em armas, em sua magna luta? Em nada, absolutamente. Considerei-me então mais um miliciano…”
Durante a guerra, deixou de pintar e centrou-se exclusivamente na gravura. Trabalhou no Casal de la Cultura, espaço criado como retaguarda cultural da revolução. Iniciou sua série, que chamou de Caprichos, homenageando seu admirado artista espanhol, Goya, e o francês Callot. A técnica utilizada foi a água-forte, incluindo em algumas delas a água-tinta e a gravura a açúcar.
As primeiras imagens são de crítica social, em que põe em evidência relações sociais destruidoras dos laços humanos. Retrata cenas de milicianos e milicianas em ação, e as conspirações e traições dos poderosos. Foi completando a série ao longo do desenrolar da guerra, refletindo seus horrores e injustiças. Sua potência visual emana de sua dor moral pelo conflito intrínseco à modernidade e que esta tenta resolver por meio da guerra.
A última estampa foi realizada quando a guerra já estava perdida e ele já estava no exílio, na cidade fronteiriça de Perpignan, entre janeiro e fevereiro de 1939. Esta última obra não estava incluída na pasta que o Museo Cochet de Rosário conserva, de onde provêm estas obras. A série completa está no Museu Nacional d’Art de Catalunya, de onde veio a imagem exposta, que revela a esperança de uma humanidade unida que se renova com urgente atualidade.
María Eugenia Prece