Marina Caram: expressões da humanidade
22/04 a 17/07 de 2023
“Pinto ou gravo a insegurança e injustiça do homem.”
Marina Caram, 2005
Dezoito anos após sua última exposição, as obras de Marina Caram retornam ao Museu Lasar Segall, ainda atuais e repletas de toda expressividade e inquietação da artista diante das questões sociais.
Em “Expressões da Humanidade”, buscamos trazer o olhar sensível da artista, por meio de seus traços fortes, delicados e doloridos ao retratar a realidade que captou ao longo de seus mais de 60 anos de produção. Neste recorte em particular, trazemos sua obra em cinco momentos: dois deles se situam durante a década de 1950, com litografias realizadas em duas de suas viagens de estudos – a primeira, ao ser premiada com uma Bolsa de Estudos da Escola de Belas Artes, em Paris; e a segunda de sua produção artística em Salvador. Os outros dois momentos são na segunda metade dos anos 1960, com as Séries “O Homem e a Máquina” e “O Homem e as Profissões”, premiadas no exterior na época.
Além das quatro séries temáticas, apresentamos parte de sua produção inicial em uma Sala Biográfica, onde expomos pela primeira vez o acervo de desenhos, realizados na década de 1940 - no início de sua produção artística.
Marina Caram é um dos maiores nomes do Expressionismo no Brasil, se identificando com o movimento não como fator limitante, mas inspiração para realizar algo único, ao que se manteve fiel durante toda sua vida. “Eu não escolhi ser expressionista. Eu nasci assim.” Por vezes incompreendida, devido à fidelidade a um estilo próprio e missão que acreditou, foi deixada de fora do mercado das Artes nacional. Através de suas obras, trazia o que muitos não queriam ver – o subúrbio, o popular, a pobreza, a desigualdade, acolhendo os que não tinham voz - não disfarçando a realidade social atrás de cores variadas e formas perfeitas, mas colocando em sua obra aquilo que via, sentia e incomodava.
Ainda atual, Marina Caram dedicou sua produção artística à denúncia e ao ideal do despertar de uma humanidade mais igualitária e justa, onde a dor, a miséria e a violência social fossem acontecimentos do passado.
Tereza Cristina Ferreira Batista
Curadora
“Minha arte não é comercial, não é para enfeitar parede.”
“Eu pinto a essência. Recrio a realidade da maneira como ela bate em mim.”
Marina Caram, 2005
Marina Caram (1925 – 2008) foi pintora, escultora, desenhista, gravadora e ilustradora. Inicia sua produção artística ainda jovem em Sorocaba, interior de São Paulo, pintando caixas de bombons e aventais para uma vizinha. Em 1939, aos catorze anos muda-se para a capital.
Em meados da década de 1940, conhece Di Cavalcanti. Apresenta-lhe suas obras e também uma pasta com um conjunto de desenhos que fazia para vender e conseguir renda, com o objetivo de adquirir materiais para produzir mais obras, no sótão de uma pensão que vivia na região central de São Paulo. Foi o suficiente para ganhar a admiração e as chaves do ateliê do artista. Com exclusividade para o Museu Lasar Segall, trazemos para serem expostos pela primeira vez, os remanescentes destes desenhos em tecido.
Alguns anos depois, foi apresentada a Oswald de Andrade, que, encantado com o cunho social e crítico de seu trabalho, apresenta-lhe a Pietro Maria Bardi. Em 1951 realiza sua primeira exposição individual no MASP. Recebe do governo francês uma bolsa de estudos em Paris no mesmo ano, onde frequenta a Escola Superior de Belas Artes, até 1953.
Regressando ao Brasil, expõe as obras produzidas em Paris durante seu período de estudos, novamente no MASP. Além da França, Marina produziu em países da América do Sul - como Argentina, Bolívia e Uruguai, na Europa – Inglaterra, Suíça, Bélgica, Alemanha, Iugoslávia, entre outros. Participou de seis Bienais de São Paulo, realizou exposições individuais e coletivas em Galerias de Arte e grandes Museus. As obras de Marina Caram fazem parte do acervo do MASP, Museu de Arte Brasileira (MAB - FAAP), do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC), Museu de Arte Moderna (MAM) e da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Foi premiada em diversas ocasiões no Brasil e no exterior.
Mesmo com todo o seu currículo, fama e experiência artística, Marina Caram por se manter fiel ao seu próprio estilo, não se rendendo às tendências da moda e à arte comercial, teve grande dificuldade de aceitação no mercado das artes. Através de suas figuras torturadas e dolorosas, a artista acreditou firmemente na transformação da mentalidade dos homens e da sociedade, assim como esperou o amadurecimento gradativo dos colecionadores e do mercado das Artes perante o seu trabalho.
Marina Caram produziu durante toda sua vida, e sua última exposição foi “A Alma pelo Avesso” em 2005, aqui no Museu Lasar Segall, ao qual trazemos também seu último registro em vídeo, na ocasião da exposição.
Série Paris: 1951 – 1953
Marina Caram inicia sua vida artística publicamente quando é apresentada a Oswald de Andrade, que a leva para conhecer Pietro Maria Bardi. Ambos se impressionam com sua produção e em 1951, convidada pelo professor Bardi, tem sua primeira exposição individual no MASP – Museu de Arte de São Paulo. Neste mesmo ano ganha uma bolsa de estudos do governo francês e viaja para Paris, onde permanece durante dois anos.
Na capital francesa, mesmo frequentando a Escola de Belas Artes, e em contato com diversos artistas e tendências de moda no campo das artes na época, Marina não abandona seu próprio estilo e seus temas, aprimorando sua técnica nestes anos de estudo no exterior.
Retratou nesta série de litografias as ruas de Paris ao seu modo, e chega inclusive a ganhar um prêmio de originalidade. Mas os temas sociais também vêm com grande força: o subúrbio, a desigualdade, os vulneráveis, a pobreza, a prostituição, a mortalidade infantil... Personagens que via nas ruas e não conseguia ignorar. Os usos do preto puro, do traço e dos temas fortes pela artista, expressam a realidade transformada em obra de arte, dotada de um olhar de delicadeza e sensibilidade.
Série Salvador: 1955 – 1956
Marina visitou Salvador em 1955 e trabalhou durante seis meses na capital, em sua produção artística deste período, vemos elementos culturais, arquitetônicos e religiosos da Bahia em destaque, dotados de uma identidade própria – os gradis de ferro batido dos casarios coloniais, a beleza assimétrica das ruas, o interior das casas, a religiosidade, a prostituição, o racismo e as crianças são temas explorados.
Dentro da Série Salvador, realizou uma seleção de litografias a qual nomeou de “Infâncias”, em que capta a alma da figura infantil para dar expressão de denúncia social, sensibilizando o espectador e tornando esta expressão em forma artística – o medo, a fome, a miséria, a desigualdade social vêm no gestual, no vestuário e no olhar de cada uma destas crianças.
Séries: O homem e as profissões e O homem e a máquina – 1967 e 1969
Na Série “O Homem e as Profissões”, Marina Caram se utiliza de outra temática para o teor de denúncia de suas obras: retrata os poderosos - aqueles que têm nas mãos a tomada de decisões políticas, econômicas e sociais. Na seleção trazida, temos em destaque um empresário, um juiz e um general. Na única obra que nomeia o protagonista, Marina levanta uma crítica a Robert Oppenheimer, conhecido como o “pai da bomba atômica”- o físico se dedicou à pesquisa da energia nuclear para fins militares durante a Segunda Guerra Mundial, e se arrependeu após ver o genocídio causado por sua invenção em Hiroshima e Nagasaki. Oppenheimer faleceu no ano de 1967, quando esta série foi produzida, devido a um tumor na garganta causado por tabagismo. Marina faz uso deste personagem para levantar as questões que cercam o avanço científico e a responsabilidade que possuem diante da sociedade.
Em “O Homem e a Máquina”, temos a crítica ao avanço tecnológico em contradição a problemas estruturais como a pobreza e a fome. A mecanização e a falta de humanidade dentro de um sistema que privilegia a máquina e os rápidos resultados, oprimem e exploram os vulneráveis, os deixando cada vez mais às margens desta sociedade moderna.
“Apresentei Marina Caram, por indicação de Oswald de Andrade, numa exposição no Museu de Arte de São Paulo que obteve, não o fácil sucesso que se consegue através das amizades entre o meio jornalístico, mas o sucesso junto a um grupo de apreciadores das artes, entre os quais figurava em primeiro plano Lasar Segall, mestre também no difícil ato de julgar. Com o maior pintor brasileiro Marina teve, no início de sua carreira, a afinidade do sentimento expressionista, dos temas procurados por aquele movimento que aprofundou e exaltou o drama do calvário humano.”
Pietro Maria Bardi, 1966. Datiloscrito. Publicado no catálogo da exposição Marina Caram, 1985, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, SP.
“Foi o conteúdo humano de sua obra que chamou a atenção do pintor Lazar Segall* e também do escritor Oswald de Andrade que a incentivaram fortemente. Sua primeira exposição no Museu de Arte de São Paulo foi organizada pelo professor M. Bardi. A artista, ainda hesitante então, soube contudo manter-se indiferente a sedução das escolas e fiel aos ditames de seu temperamento. Ei-la agora na posse plena de seu instrumento de trabalho e a transmitir uma mensagem de grande dramaticidade. ”
Sérgio Milliet, 1961. Exposição de Marina Caram, Pequena Galeria de Arte KLM. São Paulo, SP.