Atlas – Hilal Sami Hilal
08/08 a 24/10/2010
“Escrever / desenhar’ – a etimologia do termo grego graphein o diz bem – são uma única e a mesma coisa. O desenho é uma magia porque representa: preserva a memória não das palavras mas do ‘rumor anterior às palavras’, da força dos seres e das coisas, ele carrega a marca do nosso corpo.”
ANNE SALI, em L’aventure des écritures.
É um privilégio para o Museu Lasar Segall ser o primeiro em São Paulo a organizar uma exposição individual do artista capixaba Hilal Sami Hilal. Embora nossa vocação, do ponto de vista cronológico, seja a de expor obras da primeira metade do século XX, que, de alguma maneira, dialoguem com o expressionismo, também estabelecemos interlocuções com a arte contemporânea.
Sob o título Atlas, peça-chave da mostra, o leitor do catálogo ou o espectador das obras apresentadas poderá desconfiar que está diante de duas exposições: na primeira sala, o enorme álbum (0,90 x 2,80 m, em formato de livro aberto) de paisagens, que dialogam com as doze monotipias que vestem as paredes do espaço expositivo. Na sala menor, uma seleção de objetos, em cobre e alumínio, que obedecem à mesma técnica de pranchas de metal corroídas por ácido. Aparentemente distanciados, os dois suportes, folhas de papel de algodão e lâminas de cobre ou alumínio, complementam-se como conceito por meio da ideia do livro que reúne a imagem e a letra. As paisagens do Atlas, somadas à coleção de livros metálicos, conduzem a uma representação do mundo como biblioteca – tema eminentemente borgeano. Aliás, o único livro de viagens, feito a quatro mãos por Jorge Luis Borges e por María Kodama, traz o mesmo título Atlas.
O formato gigantesco do álbum reflete uma paisagem do mundo com 62 variantes cromáticas, que são as sucessivas páginas pintadas em papel de algodão. Quase visões, elas parecem brumas oníricas, “Turners que não são Turner”, na comparação de Aracy Amaral. Os “livros” em cobre surpreendem sobremaneira. Em um primeiro momento, pode-se pensar que se trata de uma trama rendilhada de arabescos, ou de uma superfície que se aproxima da filigrana, ou de uma caligrafia cujo desenho labiríntico aos poucos vai revelando alfabetos, letras, palavras. O próprio nome do artista, Hilal Sami Hilal, de ascendência síria, causa estranheza em sua simetria sonora e vocabular, como se fosse um palíndromo, evocando os vaivéns de suas próprias formas sinuosas. A ideia da sucessão das paisagens e da álgebra vocabular desenhada nas pranchas em cobre desdobra-se no conceito de repetição e de variantes que apontam para o infinito.
A ascendência oriental do artista o insere na tradição da palavra grafada; pois, como sabemos, o deus egípcio Toth foi o inventor da escrita, dos hieróglifos, secretário-arquivista dos deuses. A escrita que garantiu para a humanidade o registro da história e o exercício da memória. Hilal Sami Hilal oferece-nos, nesta exposição, possibilidades de leitura que oscilam entre o infinito e aquilo que Aracy Amaral – autora do artigo introdutório do catálogo – denomina “margem paragem paisagem miragem”.
Jorge Schwartz e Marcelo Monzani
Diretores