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O segundo dia do 8º FNM teve atividades em diversos espaços culturais de Fortaleza e culminou com o lançamento de plataforma de participação social
Ibram lança Plataforma Participe Ibram no 8º Fórum Nacional de Museus
Foto: Arthur Henrique
Na terça-feira (26 de novembro), o 8º Fórum Nacional de Museus se espalhou por Fortaleza ocupando diversos equipamentos culturais da capital do Ceará, como a Pinacoteca do Ceará, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a Biblioteca Estadual do Ceará, o Museu da Imagem e do Som (MIS) e o Museu da Indústria. A programação foi bastante diversificada e rica em conteúdo, proporcionando momentos de reflexão, debates e muita troca de experiências.
Já no início da manhã, os Grupos de Trabalho do Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM) se dividiram em espaços no Centro Dragão do Mar e na Biblioteca Pública Estadual do Ceará para definir as diretrizes propostas para cada um dos quatro eixos temáticos. Após uma contextualização sobre o processo de construção do documento, com destaque para a participação da sociedade por meio do programa (re)CONEXÕES e do recebimento de propostas elaboradas pelos mais diversos agentes culturais. As contribuições dos participantes dos GTs foram debatidas e submetidas à votação. As discussões continuarão na quarta-feira pela manhã.
A presidenta do Ibram esteve presente no local para desejar um bom trabalho aos GTs e destacou o trabalho colaborativo na construção do novo PNSM. “Espero que vocês tenham um debate muito produtivo, que trabalhem bem as polêmicas e cheguem aos consensos possíveis, e aproveitem pra melhorar ainda mais esse documento para que o Plano seja, ao mesmo tempo, abrangente e sintético e que ele respeite as demandas da sociedade civil e consiga promover a integração entre as diferentes esferas do poder público. Que o documento seja diverso e plural, pra que o documento tenha a cara da diversidade do nosso setor, o nosso país, e que ele consiga incluir os seguimentos sociais ue compõem o setor museal na elaboração, monitoramento, implementação e avaliação das políticas”, declarou.
No período da tarde, o XIV Encontro Regional do Comitê de Educação e Ação Cultural para a América Latina e o Caribe (CECA LAC) abordou o papel dos museus na educação para a democracia. O encontro teve a presença de representantes de diversos países da região, promovendo um intercâmbio cultura importante.
Fiscalização museal
Entre os painéis temáticos, o de “Fiscalização museal: mitos, verdades” e cooperação abordou a cooperação interinstitucional nas ações de fiscalização desenvolvidas pelo Ibram e outros entes do setor. Ricardo Rosa, coordenador da Coordenação de Acervo Museológico do Ibram, destacou que o principal viés da ação de fiscalização é o preventivo e educativo. “A ação de fiscalização pode até gerar uma ação coercitiva, mas seu objetivo primário é entender melhor o campo, estreitar relações e oferecer auxílio”, resumiu ele.
A fiscalização é uma das atribuições legais do Instituto Brasileiro de Museus, sendo estabelecida primariamente no Estatuto de Museus (Lei no 11.904, de 14 de janeiro de 2009) e na lei de criação do Ibram (Lei no 11.906, de 20 de janeiro de 2019). Este ano, foi formada a primeira equipe de fiscais do Instituto, com capacitação e designação formal de seus componentes, seguindo a Resolução Normativa nº 19/2022, que preconizou procedimentos e métodos a serem aplicados. Anteriormente, as ações eram realizadas em apoio a demandas de órgãos de controle.
O chefe da Divisão de Fiscalização do Ibram, Fabio Rolim disse que é preciso desmistificar o tema: “A palavra fiscalização carrega uma conotação negativa, que ganha sobrecarga no setor museal por ser uma novidade”. Ele reforçou que, para além da dimensão punitiva, há as dimensões dissuasória (que irradia pelo exemplo), educativa e preventiva (que evita impactos ao patrimônio em sua origem).
O tom também esteve presente nas falas de Elisa Machado Taveira, arquiteta e urbanista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que tratou a atividade de fiscalização como uma possibilidade de dialogar e construir em conjunto com a comunidade, e de Carlos Maroja, juiz de Direito titular na Vara do Meio Ambiente do Distrito Federal.
Curadoria participativa
O painel temático "Curadoria participativa" procurou refletir sobre o potencial das curadorias participativas em contraposição às práticas curatoriais tradicionais. Para tanto, Rafael Rafuagi, Moacir dos Anjos e Weverton Rodrigues compartilharam suas experiências no Museu da Cultura Hip Hop RS, no Museu do Homem do Nordeste e no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, respectivamente.
Em sua fala, Rafael fez um retrospecto sobre como a morte do DJ Only Jay gerou um questionamento sobre a necessidade de preservação da memória do movimento hip hop. A partir disso, teve início uma mobilização que culminou com a criação, em 2023, do Museu da Cultura Hip Hop RS. Ao mostrar a importância que a instituição tem adquirido no contexto gaúcho, o participante enfatizou que "cultura não é gasto, é investimento".
Atualmente, a instituição desenvolve projetos em várias frentes e tem uma presença ativa junto ao movimento hip hop e à sociedade gaúcha. Concluiu a sua apresentação um chamado aos participantes do evento: "Se for para fazer uma rima sobre museus, eu sei fazer, mas aquela parte técnica eu não domino. Eu não sou técnico, mas tenho muita vontade, e aconselho a vocês, técnicos e técnicas: busquem quem tenha vontade no território de vocês."
Na sequência, Moacir dos Anjos compartilhou reflexões conceituais sobre curadoria e curadoria participativa. Para ele, curadorias são espaços de disputa sobre representações da realidade dominados por agentes de poder que realizam esses recortes da realidade. Destacou também que esses processos têm como característica fundamental serem incapazes de reproduzir a totalidade das vivências e do território: "estamos sempre aquém desse universo". Ao falar sobre curadoria participativa, destacou que se constitui como espaço privilegiado de negociação e questionamento do poder dos museus na medida em que propõe a revisão e reconstrução de outras narrativas sobre a realidade. Adotar mecanismos de participação popular implica na ideia de que os museus não estão fora da trama do mundo e os coloca como instituições vivas.
Weverton Rodrigues falou da sua experiência junto ao Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, no município paraibano de Sapé. Na sua apresentação, destacou a elaboração do Plano Museológico como marco na trajetória do memorial. O documento, desenvolvido de forma participativa, mostrou o potencial da instituição para a recuperação e democratização da memória sobre as ligas camponesas, bem como para a reparação histórica dos movimentos de luta pela terra na Paraíba e no Brasil. "É preciso o trabalho técnico, mas também a vivência da comunidade para ter o equilíbrio necessário para entender a realidade prática que o território vivencia".
Acessibilidade em museus
O painel temático “Ações de acessibilidade em museus” contou com as presenças de Leonardo Dias Oliveira, Marcia Bamberg e Jessika Cariri.
Cego de nascença, Leonardo afirma ser fruto de pessoas que disseram "sim" e permitiram que ele “acebilizasse” o espaço museal, construindo um percurso e um legado nos locais onde trabalhou. Ele relembrou seu começo no Museu Histórico Nacional, local que teve a ousadia de incorporar entre os educadores um cego, que pode testar recursos de acessibilidade utilizando peças do acervo que permitiam o toque. Hoje na Fundação Osvaldo Cruz, Leonardo relembrou também trabalhos desenvolvidos no Museu do Amanhã, Museu de Favela, AquaRio e na empresa Sonori.
A gaúcha Marcia Bamberg falou sobre suas experiências de audioinclusão no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo e comentou sobre a experiência do museu com maquetes táteis, como a Casa de Porto Alegre e a Igreja Nossa Senhora das Dores. Desde 2018, todas as postagens no perfil do museu no Facebook passaram a contar com audiodescrição. A exposição "Deus Momo", com histórias da folia em Porto Alegre, é a primeira a também utilizar o recurso, também utilizado na exposição "Interfaces Arquipélago ".
Fechando a mesa, Jessika Cariri falou sobre experiências que a atravessam: o terreiro, a floresta nacional do Araripe. "Tudo que experiencio ganha sentido na minha vivência com a floresta". Jessika faz paralelos entre o colonialismo e o capacitismo, na medida em que ambos não contemplam múltiplas experiências. "O capacitismo tira a gente da condição de pessoa, sem direitos, sem capacidade de sonhar".
Ela relembrou o plano de acessibilidade cultural do Ceará, experiência de vanguarda no Brasil e frisou a importância de metas de acessibilidade factíveis. Coordenadora cultural do Centro Cultural do Cariri, Jessika diz que é preciso garantir a participação social das pessoas com deficiência em todas as etapas: "É fundamental apontar um caminho com a nossa perspectiva".
Museologias Indígenas
O painel “Museus e Museologias Indígenas” foi mediado pelas próprias lideranças de povos originários presentes, que trouxeram para aquele espaço as experiências sobre como resgatar suas histórias no universo museal. A reunião foi iniciada com a realização do toré, um ritual de boas-vindas do povo Tremembé. O cacique João Venâncio, do Aldeamento Tremembé, afirmou que a museologia indígena é a história viva de um povo. “Esse é um espaço para falar da história de vários povos. Estamos aqui para falar da museologia, da história, da resistência”, enfatizou.
Heraldo Alves, do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, reforça que falar de museologia é falar de luta e resistência. Ele apresentou o portifólio do museu em que atua, inaugurado em 2010. “Iniciamos a ideia com a participação de 26 jovens, lideranças, entre curumins e guardiões da história, com esse intuito de preservar a memória de um povo”, disse o representante do primeiro museu indígena a se formado no Ceará.
A pajé Francilene, de Itaguari, questionou o que é museu para o povo indígena e respondeu dessa forma: “Para nós, representa a visão do museu vivo, onde somos os historiadores e os museólogos. Todos os dias estamos fazendo isso, preservando a nossa memória”. Ela convidou todos os presentes a visitarem uma aldeia indígena para conversar com o mais velho de lá. “Mas não demore, pois amanhã pode ser tarde e é preciso lembrar que o museu indígena é um museu vivo”.
A troca de experiências teve a participação de cerca de 10 lideranças indígenas ligadas ao setor cultural, além do público presente. Ao final, os participantes no painel sugeriram que se tenha mais presença de indígenas no evento dessa natureza, para além do painel específico com essa temática.
Plataforma Participe Ibram
No início da noite, a praça do Museu da Imagem e do Som recebeu os participantes para a mesa-redonda “O papel do Ibram nas políticas setoriais”. A Diretoria Colegiada do Ibram apresentou a visão do Instituto sobre a situação, conjuntura e as perspectivas para o futuro do setor museal brasileiro, destacando as principais ações estruturantes em desenvolvimento. Entre as ações apresentadas, a presidenta Fernanda Castro anunciou a publicação no Diário Oficial da União da Portaria Ibram nº 3230, de 25 de novembro de 2024, que institui o Cadastro de Agentes para a Participação Social - Participe Ibram, e tem por finalidade colaborar para a estruturação, coordenação e articulação as relações do Ibram com os diferentes segmentos da sociedade civil e do poder público na Formulação e aplicação das políticas setoriais de museus e na realização das atividades do Sistema Brasileiro de Museus.
O Participe Ibram está disponível a página do Cadastro Nacional de Museus. Ele coletará os pedidos de cadastro e será criado um registro para esses agentes de participação social, permitindo o cadastro de pessoa física, coletivos e organizações com e sem CNPJ, além de Sistemas de Museus e órgãos Governamentais junto ao Ibram.
Foto: Arthur Henrique