Acervo Artistas - Di Cavalcanti
Registrado com o nome de Emiliano de Albuquerque e Mello, ele era filho de pai e mãe descendentes da família paraibana Cavalcanti, o que o levou a adotar o Di Cavalcanti como nome artístico. Não negou que a entrada para a esfera jornalística foi facilitada pelas recomendações e amizades de família, sendo estas fundamentais para construir laços de trabalho e relações sociais tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. A trabalhar como ilustrador, e também caricaturista, Di Cavalcanti manteve longa relação com a imprensa e o meio literário, a ser também revisor e correspondente (quando morou em Paris), tendo começado na revista "Fon Fon" ainda aos 17 anos. Com rápida passagem pelos estudos de Direito, primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, abandona o caminho acadêmico para seguir um rumo próprio, arriscando-se com a carreira artística. A proximidade do universo jornalístico é reiterada pelo fato de ter a sua primeira exposição individual, em 1917, na redação da revista "A Cigarra". Decidido pelas artes plásticas, frequenta o ateliê do pintor alemão que recém fixara-se em São Paulo, George Fischer Elpons, local frequentado por outros artistas que acabaram por trilhar o movimento modernista. Ali encontrou informações sobre os movimentos europeus que, de certo modo, ecoaram nele em conformidade com a procura por caminhos diferentes dos já conhecidos no Brasil. A liberdade do trabalho da imprensa em conjunto com esse contato com as novidades foram parte determinante do seu processo de formação e pesquisa visual como autodidata.
Dado importante nessa etapa de sua vida é a proximidade do artista ao cronista João do Rio, que teria apresentado Di Cavalcanti à vida do submundo do Rio de Janeiro que sobrevivera ao “bota-abaixo” de Pereira Passos e se estendia aos subúrbios cariocas. Experiência afeita à personalidade do ilustrador, de olho atento à vida e seus problemas, e fora de um círculo social fechado (o que é também característica natural de um jornalista das imagens), Di Cavalcanti também esteve próximo ao carnaval, festa popular e das ruas, motivo que o interessou junto à boemia, à qual aderiu e que tanto povoou as suas obras. É curiosa a foto1 do artista junto a Hélios Seelinger (outro pintor ligado ao movimento da modernidade carioca), entre outros notórios boêmios, em meio aos festivos do carnaval e do samba. Essa proximidade à festa popular talvez tenha sido um motivo para a escolha de Di Cavalcanti como o ilustrador do livro de Manuel Bandeira, de 1919, intitulado "Carnaval", coletânea de poemas um tanto heterogênea, segundo o próprio autor, dentre os quais o eternizado "Os sapos", posteriormente declamado durante a Semana de Arte Moderna de 1922, com a sua crítica implícita ao parnasianismo. Vale apontar que neste mesmo ano de 1919 ele faz a sua primeira individual de pinturas na editora O Livro2.
Outro resultado importante da convivência com João do Rio e o submundo carioca foi a série "Os Fantoches da Meia-Noite". Apresentado pela primeira vez em exposição também nas dependências da editora O Livro, em São Paulo, no ano de 1921, o conjunto de 16 guaches, exposto ali junto a algumas pinturas, foi publicado em um álbum de luxo em 1922. As figuras melancólicas e mundanas, os 'fantoches' da vida moderna, levados pelo torpor ou pela incerteza, são os protagonistas da série, mas também personagens secundários de outra narrativa coetânea, um evento seminal: a organização da Semana de Arte Moderna. É com a participação direta de Di Cavalcanti que o grupo que se juntara em São Paulo após as discussões em torno da exposição controversa de Anita Malfatti (em 1917) e um segundo grupo, de modernos do Rio de Janeiro, foram articulados para organizar o evento aparentemente inesgotável para a história da arte brasileira, ocorrido no Teatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. Foi nos arredores da exposição de Di Cavalcanti que o evento foi articulado política e financeiramente, tendo a participação essencial de Graça Aranha, interessado nos movimentos modernos, mas ligado à Academia Brasileira de Letras (que abandonaria pouco depois) e a figura do empresário do café, Paulo Prado, que deu o suporte econômico para o acontecimento artístico. Prado, além de amigo de Graça Aranha, era aproximado de grupos intelectuais de São Paulo. Assim, coube quase naturalmente a Di Cavalcanti preparar a programação visual da Semana, com as capas do catálogo e do programa do evento sob o seu traço.
A série “Carnaval das Crianças Brasileiras”
O Museu Nacional de Belas Artes possui, em sua coleção de Desenho, uma série de aquarelas realizadas por Di Cavalcanti para o bailado Carnaval das Crianças Brasileiras, originalmente, um conjunto de oito peças para piano composto por Heitor Villa-Lobos entre os anos de 1919 e 1920. Estes desenhos foram comprados pela Fundação Pró- Memória em 1986 e doados ao Museu Nacional de Belas Artes em 1989. Eles se constituem em estudos de cenário e figurinos para balé baseados nas peças musicais intituladas: O Ginete do pierrozinho, o Chicote do diabinho, A manha da pierrette, Os guizos do dominózinho, As peripécias do trapeirozinho, As traquinices de um mascarado mignon, A gaita de um precoce fantasiado e A folia de um bloco infantil.
Os desenhos não foram datados pelo artista. A curadora Denise Mattar destaca, no catálogo da exposição “Di Cavalcanti: um perfeito carioca”, como tendo sido produzidos no Rio de Janeiro num momento que define como admirável do artista entre os anos de 1918 e 1921. Já a professora Maria Alice Volpe, do Programa de Pós-graduação em Música da UFRJ, aponta que entre os anos de 1925 e 1926, uma nova versão da obra Carnaval das Crianças foi elaborada, dessa vez como orquestra para balé, a ser intitulado “Carnaval das Crianças Brasileiras”, não tendo sido, no entanto, jamais montado.
O conjunto de desenhos apresenta os personagens que eram bastante usuais nas fantasias de carnaval da infância de Villa-Lobos como palhaços, diabinhos, caveiras, baianas, morcegos, velhos e índios. Estas obras marcam o encontro de dois artistas que viviam sob o signo do modernismo brasileiro e que se inspiravam no cotidiano cultural de suas gentes, manifestações culturais e saberes, contribuindo assim para a formação de uma identidade nacional que valorizava as interpretações de brasilidade.
Referências:
AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 2021.
[BAILE de carnaval]. [S.l.: s.n.], [1922]. 1 foto, gelatina, p&b, 15,2 x 23,6 cm. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1594572/icon1594572.jpg. Acesso em: 16 fev. 2022.
BELLAS artes. A Cigarra. São Paulo, n.125, 1919. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/003085/2199. Acesso em: 17 fev. 2022
CAIXA CULTURAL, Rio de Janeiro. Di Cavalcanti: um perfeito carioca. Rio de Janeiro: [s.n.], 2006.
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, São Paulo. Di Cavalcanti. São Paulo : 1997.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Grupo Novas Musicologias e Museu Villa-Lobos promovem “O Carnaval das Crianças Brasileiras”. 11 de maio de 2019. Disponível em: https://ppgm.musica.ufrj.br/2019/05/11/grupo-novas-musicologias-e-museu-villa-lobos-promovem-o-carnaval-das-criancas-brasileiras/. Acesso em: 15 fev. 2022.