Notícias
TRIBUTO A DAVID OREN
David Conway Oren foi um dos mais brilhantes ornitólogos brasileiros das últimas décadas. Nascido em Jackson, Michigan, Estados Unidos, em 20 de maio de 1953, David escolheu o Brasil como casa a partir de 1981, naturalizando-se brasileiro na primeira oportunidade que teve. David graduou-se em Biologia pela Yale University em 1975 e doutorou-se em Biologia pela Harvard University em 1981.
Foi no seu tempo em Havard, que sua paixão pelo Brasil teve início. Sob orientação do Dr. Robert E. Cook, e tendo no seu comitê de dissertação Edward O. Wilson, considerado o Darwin moderno, David resolveu estudar a biogeografia das aves das campinas sobre areia branca da Amazônia e testar as predições da teoria de biogeografia de ilhas proposta por Wilson e Robert MacArthur. Por causa da sua dissertação, ele teve que conduzir estudos intensivos de campo no Brasil. A sua relação com o Brasil pode ser descrita como amor à primeira vista. Contando com apoio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), David estudou as campinas ao redor de Manaus e de outras regiões da Amazônia. Neste período, ele também visitou o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e conheceu Fernando Costa Novaes, curador da coleção de aves do Museu Goeldi. Sua dissertação foi muito elogiada por Wilson, por ela combinar um excelente arcabouço teórico com estudos intensivos de campo e em museus. David também impressionou Novaes. Por isso, ele foi convidado a se juntar ao Departamento de Zoologia do MPEG em 1981. No MPEG, David permaneceu até 2001. De 2001 a 2007, ele pediu licença para trabalhar como Coordenador Científico da The Nature Conservancy no Brasil. Em 2008, David retornou ao MPEG, mas logo pediu transferência para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), optando por contribuir com a pesquisa científica na gestão. No MCTI, David coordenou vários programas de apoio a pesquisa da biodiversidade brasileira e consolidou programas de integração das instituições de pesquisa que atuam na Amazônia, como o PIME – Projeto Integrado MCTI – Embrapa, GEOMA – Rede de Modelagem Ambiental, Cenários Para a Amazônia e PPBIO – Programa de Pesquisa em Biodiversidade. David se aposentou do serviço público federal em 29 de outubro de 2018.
A contribuição do David à ciência brasileira é gigante. Foi dele com Tom Lovejoy, por exemplo, a ideia de desenhar um projeto para avaliar o tamanho mínimo crítico de ecossistemas florestais, dando origem ao Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais sediado em Manaus. No Museu Goeldi, ele foi um dínamo. David captou recursos financeiros e executou um dos maiores projetos de inventários biológicos em áreas pouco conhecidas no Brasil. Sua liderança fez com que a coleção do MPEG tivesse um crescimento exponencial, tornando-se a segunda maior coleção de aves no Brasil e uma das mais modernas do mundo. De coleção regional, a coleção ornitológica do MPEG tornou-se nacional devido as inúmeras expedições bem planejadas que as equipes do MPEG fizeram para o Cerrado, Caatinga, Pantanal e Mata Atlântica.
David era uma pessoa extremamente culta, poliglota, que estava em permanente estado de aprendizado. Um observador perspicaz, tinha uma memória única, capaz de relembrar detalhes mínimos das várias culturas com as quais tinha convivido. Perfeccionista, era capaz de passar horas praticando até aprender a pronunciar corretamente palavras como mormaço, uma das suas favoritas. David foi um excelente professor e mentor para várias gerações de zoólogos brasileiros, orientando várias dissertações e mestrados, participando de inúmeras bancas de avaliação e apoiando o desenvolvimento das carreiras de vários jovens pesquisadores.
David foi também um grande conservacionista. Ele foi o primeiro a chamar atenção para o rápido declínio da biodiversidade no leste da Amazônia, dedicando anos de estudo à avifauna do estado do Maranhão. Seu esforço de pesquisa, por exemplo, foi fundamental para a criação da Reserva Biológica do Gurupi. Na The Nature Conservancy usou seu conhecimento biogeográfico para propor estratégias de conservação para a Caatinga, Pantanal, Cerrado e Chaco. No MCTI, David coordenou vários programas que transformaram o estudo da biodiversidade brasileira. David era “elective member” da American Ornithological Society desse 1991. Por suas contribuições à ornitologia brasileira, pesquisadores brasileiros e norte-americanos descreveram em 2013 uma nova espécie de ave ( Myrmotherula oreni ) em sua homenagem.
David era uma pessoa apaixonada. O seu relacionamento com o amor da sua vida, Roberto, que partiu muito cedo, inspirava todos ao seu redor. Da mesma forma como a sua imensa paixão pelo Brasil era contagiante. Na sua cerimônia de naturalização, por exemplo, David ficou muito triste e frustrado porque não teve a oportunidade de cantar o hino nacional brasileiro e assim demonstrar o seu imenso amor por sua nova pátria.
David era uma pessoa extremamente generosa. Ajudava a todos sem distinção, mesmo aqueles que tentavam prejudicá-lo pelos bastidores da vida. Por causa da sua generosidade, David era amado e tinha muitos amigos, em várias partes do mundo. É esta rede de amigos que apesar de chorar a sua partida inesperada se une para celebrar e manter o seu legado para sempre.
Muito obrigado David, por ter sido uma fonte permanente de luz para todos nós. Sentiremos muito a falta do seu sorriso e de sua imensa sabedoria.
Nossa gratidão em nome das pessoas, plantas e animais desta imensa nação, que, por obra do destino, teve a sorte de ser escolhida por você como a sua pátria.
José Maria Cardoso da Silva
Alexandre Luís Padovan Aleixo
Ima Célia Guimarães Vieira
Para compor um tratado de passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos
goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser
eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach.
MANOEL DE BARROS