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Restauração florestal não se faz só
Agência Museu Goeldi – Paragominas. A cidade, que em um passado recente foi sinônimo de floresta no chão e fumaça, está mudando sua realidade e hoje representa uma mudança sustentada por educação ambiental e o consumo consciente dos recursos da natureza. O município paraense foi escolhido como sede de um encontro que teve tudo a ver com esses novos tempos mais verdes: o workshop “Restauração Florestal, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade na Amazônia”.
Com um território de 20 mil km, comparável a de alguns países da Europa, Paragominas hoje preserva um remanescente florestal em 66% de sua área. Grande parte desse número é fruto de processos de reflorestamento. “Não tem como viver sustentavelmente sem floresta”, enfatiza a bióloga do Museu Goeldi e uma das organizadoras do workshop, Marlucia Martins. ‘Se a gente não tem floresta, só tem um jeito: fazer a floresta retornar, porque ela é indispensável, e é aí que entra a restauração”. Paragominas parece ter assimilado bem essa lição desde 2008, quando desenvolveu projeto local “Município Verde”.
O workshop - Organizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Embrapa Amazônia Oriental e a empresa Hydro, o evento aconteceu nos dias 14, 15 e 16 de março no Campus da UFRA. Foi a primeira iniciativa desse porte na região, unindo pesquisadores, estudantes de graduação e pós, o pequeno e grande empresariado e membros de populações tradicionais, como indígenas Tembé da Terra do Alto Rio Guamá. “Trazer o workshop para Paragominas, ao invés de sediá-lo em Belém ou outra capital, e discutir restauração florestal com base nessa realidade concreta foi uma decisão louvável e que abre um bom caminho para a interiorização do conhecimento”, afirmou o pró-reitor de Ensino da universidade, Marcel Botelho.
Uma restauração de precisão – Além de coordenar o workshop, o Museu Goeldi contribuiu ao debate com dados de pesquisa, tecnologias e relatos de experiência de pesquisas feitas por sua equipe científica no campo da restauração florestal. O pesquisador Rafael Salomão é uma dessas pessoas. Engenheiro florestal, há décadas ele estuda métodos e práticas de restaurar áreas de floresta alteradas pelo homem, especialmente no ramo da mineração.
Localizando suas pesquisas em grande parte no Pará, o 2º maior produtor de minérios do país, Salomão compartilhou no workshop casos aplicados de restauração em áreas de extração de bauxita, no Oeste do Estado. O passo a passo de como recuperar um solo degradado, passando pela seleção das espécies de árvores, a quantidade, a maneira e o tempo para o plantio também foram ressaltados por ele. “Para restabelecer a produtividade, a estrutura e os serviços ambientais da floresta é preciso uma ‘restauração de precisão’, ou seja, uma restauração baseada do início ao fim em critérios técnicos e científicos para escolher bem o que e como plantar e assim ter uma restauração de sucesso”, disse em palestra no 1º dia de atividades do workshop.
Terra Preta – Caminhando nos melhores rumos da ciência contemporânea, o workshop reafirmou um vínculo que não deve ser desfeito - aquele entre o conhecimento que se constrói na Academia e o saber tradicional e popular. O projeto “Terra Preta Nova” aplica esse princípio no dia a dia da pesquisa, como relatou a geóloga do Museu Goeldi, Maria de Lourdes Ruivo.
O projeto tem financiamento do CNPq e estuda quais os princípios de formação da Terra Preta, a partir de dados coletados em Tailândia (PA). Esse tipo de solo, encontrado em sítios arqueológicos, tem alta fertilidade e é rico em nutrientes que o mantém em alto nível de estabilidade. Ele é fruto de modificações e atividades humanas realizadas há milhares de anos, cujas técnicas e processos ainda são estudados pela ciência. “Nós (pesquisadores) buscamos reproduzir as propriedades do solo e aplicá-las na agricultura. Esse experimento é uma das patentes do Museu Goeldi”.
"Nós queremos que um solo alterado volte a ser o que ele era e que essa recuperação ambiental aconteça por meios naturais. Se isso será possível e como a biodiversidade vai aumentar é o que podemos aprender muito com os nossos antepassados e as populações tradicionais", afirma a pesquisadora.
Uma tarefa de muitos – Em uma vivência de mais de 20 anos na Amazônia Maranhense, a pesquisadora Marlucia Martins viu e vê a floresta encurtar todos os anos. A mata cada vez mais escassa é resultado de queimas criminosas por parte de grupos invasores da Reserva Biológica do Gurupi e em terras indígenas da região. No workshop, em Paragominas, ela veio falar de um novo modelo possível e necessário, que agrega economia e preservação ambiental e passa por restaurar a floresta. “Todo mundo ganha com a restauração”, afirma.
“Ganha a sociedade pelo benefício ecológico, ganha o empreendedor, que dá sustentabilidade ao seu negócio, ganham os pequenos produtores porque é mais uma oportunidade de emprego e de renda e ganham as populações tradicionais, porque além de diminuir a pressão sobre suas terras, elas passam a ter mais visibilidade. São elas as fornecedoras das sementes e das mudas, as detentoras das matrizes que podem ajudar no reflorestamento e isso pode ajudar a construir uma relação de melhores afinidades entre os diversos segmentos da sociedade”.
Nesse processo de integração, Marlucia opina sobre o papel da Ciência e das instituições de pesquisa, que na realização do workshop Restauração Florestal, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade na Amazônia” deram mais um passo nesse sentido. “Temos que conversar com todos esses atores a fazer um passo-a-passo, compreendendo o nosso papel com cada um desses interlocutores e identificando que ninguém é dispensável ou mais importante do que o outro, porque é uma cadeia, e todas as contribuições tem que ser somadas em sinergia para a restauração funcionar”.
Texto: João Cunha