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Potencial Tecnológico da Fibra Natural da Aninga
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Agência Museu Goeldi - Quem costuma observar a paisagem de Belém e visitar lugares como o Mangal das Garças, Portal da Amazônia e o Parque do Utinga já deve ter notado a presença de uma planta aquática que ocorre em abundância nas margens de rios, furos, igapós e igarapés da Amazônia. Trata-se da Montrichardia linifera, uma macrófita da família Araceae, popularmente conhecida como “aninga”.
O que muitos não sabem é que as fibras naturais desta planta possuem alto desempenho e potencial tecnológico. É o que revela o artigo “Characterization of the natural fibers extracted from the aninga’s stem and development of a unidirectional polymeric sheet”, o estudo mais recente publicado por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) na revista científica internacional “Scientific Reports”, da Nature.
O artigo é de autoria de Jucelio Lima Lopes Junior, David Rodrigues Brabo, Everton Leandro Santos Amaral, André Wilson da Cruz Reis, Cristine Bastos do Amarante (COCTE/MPEG) & Carmen Gilda Barroso Tavares Dias (PPGEM/UFPA).
A aninga é foco de estudo da pesquisadora Cristine Bastos do Amarante (MPEG) há mais de 15 anos. Sob a orientação de Cristine, os autores Jucélio Lima Lopes Junior, David Rodrigues Brabo e Everton Leandro Santos Amaral começaram seus estudos como bolsistas de Iniciação Científica (PIBIC). Ao longo das suas trajetórias acadêmicas, os pesquisadores exploraram as propriedades e as potenciais aplicações tecnológicas dessa fibra. E percebendo a necessidade de avançar nas pesquisas em diversas frentes, Cristine Bastos buscou parcerias com outras instituições científicas.
Uma delas foi com a Universidade Federal do Pará e a professora e pesquisadora Carmen Gilda Barroso Tavares Dias, do Laboratório de EcoCompósitos do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFPA. Durante o mestrado em Engenharia Mecânica, foi Jucélio Lopes que aprofundou os estudos sobre as características da fibra da aninga, sob a orientação da Profa. Carmen Gilda e a co-orientação de Cristine, evidenciando a cooperação técnico-científica entre Museu Goeldi e UFPA por meio deste estudo. A dissertação de Jucélio resultou na elaboração de uma folha polimérica unidirecional com fibras da aninga e culminou na publicação do artigo e no depósito da patente intitulada “Compósito Termorrígido em Folha Reforçado com Fibra de Aninga e Método de Fabricação”.
Atualmente Jucelio Lima é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais na UFRA; David Brabo é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Everton é Mestre do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais (PPGEM) da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), da Universidade de São Paulo (USP); e André Wilson é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia, da UFPA.
A aninga e suas características - Com características particulares, a aninga pode chegar até seis metros de altura e suas folhas podem medir de 45 a 66 centímetros de comprimento e até 63 centímetros de largura. As aningas formam florestas densas, chamadas de “aningais” e servem de alimento para alguns animais, como peixes, tartarugas e peixes-boi. Apesar de fazer parte da dieta alimentar desses animais, para os humanos a aninga é considerada uma planta com alto grau de toxidade e sua seiva é urticante, causando irritação e queimaduras ao entrar em contato com a pele.
Já o seu material fibroso possui propriedades mecânicas favoráveis para a utilização em indústrias, como reforço adequado na fabricação de materiais compósitos - que são os materiais formados pela combinação de dois ou mais componentes de propriedades físicas ou químicas diferentes e que resultam em um novo material de qualidade superior.
“Esta fibra pode ter inúmeras aplicações, tais como na construção civil, na engenharia naval, na indústria de papel e embalagens, na medicina, entre muitas outras. Inclusive, ela poderá ser mais uma alternativa para a corda do Círio, por exemplo”, destaca a pesquisadora do MPEG, Cristine Bastos do Amarante.
No estudo recém publicado, a fibra da aninga apresentou um índice de cristalinidade de 62,21%, indicando o alto teor de celulose na sua composição química. Isso indica que as fibras da aninga possuem uma alta resistência à tração, sendo duas vezes maior que a resistência das fibras de coco. É devido a essa resistência que podemos considerar as fibras da aninga como sendo de alto desempenho. A pesquisa também constatou que além da celulose, o carbono também é um dos principais componentes da fibra.
Outra característica é que na superfície de Montrichardia linifera é possível observar a presença de poros e estruturas em formato de favo de mel, o que aumenta a rugosidade da superfície da fibra e permite maior ligação e aderência aos materiais do compósito. A resistência térmica das fibras também foram analisadas. Os resultados revelaram uma estabilidade térmica de até 450 ºC, considerada de alta resistência.
“Um dos principais resultados desta pesquisa foi descobrir as propriedades tecnológicas de resistência das fibras longas extraídas do caule da aninga. Conseguimos equipará-las a outras fibras vegetais amplamente conhecidas, como algodão, linho, cânhamo e curauá, devido às suas excelentes propriedades de resistência mecânica e térmica”, reforça Jucélio Lopes Junior, primeiro autor do artigo.
O uso crescente de fibras naturais de origem vegetal, como as da aninga, em materiais compósitos destaca um avanço rumo ao desenvolvimento de materiais sustentáveis e biodegradáveis. Essas fibras estão substituindo cada vez mais alternativas sintéticas, particularmente em indústrias como a automotiva e aeroespacial, devido a suas excelentes propriedades físico-químicas.
O futuro das pesquisas - “Ainda temos um longo percurso. Queremos chegar a produtos com indicadores de tecnologia social partindo da preocupação com o manejo. No momento, além da publicação, o primeiro produto apresentado para a comunidade foi num concurso de ponte estudantil, em eventos simultâneos de Engenharia”, destaca a pesquisadora Carmem Gilda.
A pesquisadora Cristine Bastos também já desenvolveu diversos estudos com outros componentes da aninga e enfatiza o protagonismo do Museu Goeldi na continuidade das pesquisas. Atualmente, ela orienta um bolsista PIBIT de Engenharia Florestal que está desenvolvendo o papel da fibra da aninga de forma industrial, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e um bolsista de Engenharia Mecânica que está trabalhando no aperfeiçoamento de uma viga confeccionada com a fibra da aninga. A viga já foi testada e suportou uma carga máxima de 1 tonelada sem apresentar flexão.
Texto: Denise Salomão
Edição: Joice Santos