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Pesquisa inédita revela importância das cidades para aves na Amazônia
Agência Museu Goeldi – Ao longo de um ano, os pesquisadores Alexander Lees e Nárgila Moura , na época ligados ao Museu Paraense Emílio Goeldi, percorreram o mesmo trajeto de cinco quilômetros na cidade de Belém (PA). Seu objetivo: observar pássaros.
Os pesquisadores iniciavam as observações em horários próximos ao amanhecer (entre 5h35 e 6h) e realizavam o trabalho de registro por duas horas. Foram 54 viagens, totalizando 270 quilômetros, ao longo dos quais todas as aves vistas ou ouvidas eram anotadas em um aplicativo grátis, chamado eBird , disponível para ser usado por qualquer pessoa, especialista ou não.
Já foram feitos estudos sobre o impacto de outras formas de uso da terra, como a agricultura e a pecuária, nas populações de pássaros na Amazônia. Mas a pesquisa de Alexander Lees e Nárgila Moura é a primeira de seu tipo a investigar como a cidade impacta a diversidade de pássaros na região. Os resultados inéditos foram publicados no artigo “ Taxonomic, phylogenetic and functional diversity of an urban Amazonian avifauna”, na revista científica Urban Ecosystesms.
Resultados - Entre as informações encontradas, os cientistas perceberam que das 492 espécies que já foram listadas para a região da Grande Belém, apenas 99 foram registradas. Ou seja, de todos os pássaros da região conhecidos pela ciência, apenas 20% foram encontrados pelos pesquisadores.
De acordo com o líder da pesquisa, Dr. Alexander Lees, agora pesquisador da Manchester Metropolitan University , na Inglaterra, o baixo número de espécies registrado está relacionado à falta de grandes áreas verdes na cidade.
“Belém tem poucas áreas verdes, e as que ainda resistem à urbanização podem estar condenadas com a alta especulação mobiliária e ainda serem uma ilha cercada de casas e prédios, o que impede a dispersão e colonização de espécies, afetando principalmente aquelas que são dependentes de florestas”, explica o pesquisador.
Para se ter um exemplo, o distrito percorrido para realização do estudo, no sudoeste de Belém, tem apenas 4,3% de cobertura vegetal, com áreas que ofereciam diferentes condições para a sobrevivência das aves.
Para o estudo, foi considerada uma porção de cinco quilômetros no sudoeste da cidade de Belém, que inclui tanto habitações de alto padrão quanto moradias de famílias com baixo poder aquisitivo. O caminho começava na rua dos Mundurucus e terminava do lado de fora do Mangal da Garças.
Na primeira parte, ao longo da rua dos Mundurucus, por exemplo, havia um quilômetro de calçadas arborizadas com mangueiras (a maioria da espécie Mangifera indica ), enquanto que mais adiante, os 5,2 hectares da Praça Batista Campos apresentavam uma maior diversidade de espécies de árvores. Já nas áreas mais empobrecidas próximas à Avenida Bernardo Sayão, a arborização era muito baixa.
Migração - Segundo a Dra. Nárgila Moura, as áreas na beirada do rio podem funcionar como área de descanso para espécies de áreas tão distantes quanto a América do Norte e o sul da América do Sul. Por conta delas, a pesquisa mostrou uma variação temporal: o intervalo entre os meses de janeiro e abril é o que apresenta a maior diversidade de aves, por conta da presença de espécies migratórias, principalmente aquáticas, do hemisfério norte, como gaivotas, talha-mar e maçaricos.
De acordo com Nárgila, “a região também recebe espécies migratórias no sul da América do Sul, chamadas de migratórias austrais. Essas espécies vão passar o inverno em áreas como a Praça Batista Campos ou outras áreas verdes”, explica. Das 99 espécies registradas, 33 eram migrantes.
Apenas cinco espécies de aves exóticas, como o pombo-doméstico e o pardal foram registradas no estudo, porém a abundância dessas espécies foi maior que dos outros grupos nativos.
Cidades - De acordo com os pesquisadores, entender como as espécies de pássaros respondem às características das áreas urbanas fornece pistas sobre a resiliência e a adaptabilidade de diferentes espécies à cidade, o que é de especial importância para a Amazônia, região que apresentou taxas de urbanização de 500% entre 1970 e 2010 e que hoje conta com 75% de sua população vivendo em cidades.
Nas cidades, as aves prestam os chamados serviços ambientais, que podem melhorar o bem estar das pessoas nas áreas urbanas. Esses serviços podem incluir o controle de pragas, como insetos e ratos - a maior parte das espécies de aves registradas, por exemplo, se alimentava de insetos (53). Podem incluir também a decomposição de detritos pelos urubus-de-cabeça-preta ( Coragyps atratus ), espécie com o maior número de avistamentos registrados na pesquisa (1732).
As informações reunidas pelos pesquisadores sobre os tipos de alimentação das aves também podem basear ações que favoreçam a sua diversidade na cidade. Por exemplo, uma minoria das espécies identificadas se alimenta de frutas e néctar (10) e de plantas e sementes (7). De acordo com o estudo, identificar espécies de plantas importantes para esses animais e promover o seu plantio seria uma maneira relativamente simples de aumentar a biodiversidade da avifauna urbana na cidade de Belém.
Além disso, as aves podem também oferecer uma oportunidade para as pessoas se conectarem com a biodiversidade, como no caso da carismática garça-branca-grande ( Casmerodius albus ) ou dos barulhentos periquitos-de-asa-branca ( Brotogeris versicolurus ), que junto ao urubu, foram as aves mais avistadas na pesquisa. Não é à toa que essas espécies estão tão presentes no imaginário local, figurando como ícones na cultura popular e em espaços marcantes de Belém.
A visão (e audição) dos “urubus do ver-o-peso”, dos “periquitinhos do CAN”, ou das “garças da Praça Batista Campos” são muitas vezes as únicas conexões com o mundo natural para moradores de uma metrópole amazônica como Belém. Talvez sua beleza sirva para lembrar da importância da conservação da biodiversidade amazônica, para além dos muros da cidade.
Texto: Uriel Pinho, com informações dos pesquisadores