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Pesquisa alerta para os cuidados na construção de hidrelétricas nos maiores rios do mundo
Agência Museu Goeldi – Para atender as necessidades energéticas dos países em desenvolvimento, diversas barragens são construídas ou estão planejadas nos maiores rios do mundo. Nesse contexto, em geral, os defensores das barragens ressaltam os benefícios econômicos e subestimam efeitos adversos sobre a biodiversidade e a vida das mais diversas populações envolvidas – em especial rotinas ligadas a fontes de pesca, extremamente importantes.
Essa é uma das conclusões de um artigo publicado em janeiro na renomada revista científica norte-americana Science , especializada em ciência. O estudo discute como balancear a geração de energia hidrelétrica com a proteção da biodiversidade em três das mais biodiversas bacias hidrográficas do mundo: a bacia do rio Amazonas (América do Sul), a bacia do Rio Congo (África Central) e a bacia do rio Mekong (Sudeste da Ásia).
Gigantes de água e vida - As bacias hidrográficas do rio Amazonas, Congo e Mekong abrigam um terço da diversidade de peixes de água doce do globo. Alguns deles não são achados em nenhum outro lugar do planeta. Essas bacias hidrográficas têm experimentado uma explosão de projetos de construção de barragens para geração de energia hidrelétrica nos últimos anos, ressalta o ictiologista Alberto Akama. O especialista em peixes do Museu Paraense Emílio Goeldi é um dos autores do estudo.
“Fomos percebendo que há um processo não só no Brasil, mas em países da América Latina - inclusive capitaneado pelo Brasil-, de construir hidrelétricas na região amazônica, assim como vem ocorrendo na Ásia e na África. Esses e outros fatores levaram ao surgimento desse trabalho em particular”, conta Akama sobre a parceria para desenvolvimento do estudo.
Bacia Amazônica - O artigo publicado na Science aponta que na bacia amazônica existem 416 usinas hidrelétricas em operação ou construção. Além disso, pelo menos outras 334 já foram propostas ou estão em fase de planejamento. É a maior quantidade de barragens entre as três bacias hidrográficas estudadas.
É também a bacia amazônica que apresenta o maior número de espécies de peixes identificadas, em comparação com a bacia do Congo e do Mekong: são 2.320 espécies, das quais 1.488 são endêmicas - ou seja, não existem em nenhum outro lugar do mundo.
Por isso a escolha adequada dos locais de construção das barragens é fundamental. As passagens para peixes, construídas para mitigar o impacto nos fluxos migratórios de algumas dessas espécies, por exemplo, não têm apresentado sucesso na região neotropical (que se estende da América Central até a América do Sul).
Tudo está conectado - Ainda de acordo com o estudo publicado na Science , cada vez mais barragens são construídas em uma mesma bacia hidrográfica. Enquanto isso, os processos de escolha dos locais para a construção de represas ignoram, em grande parte, os impactos cumulativos no comportamento das águas e dos sedimentos ao longo dessas bacias. Esses impactos têm, inclusive, reflexo nos ecossistemas marinhos, quando as águas dos rios encontram os mares.
A escolha dos locais para construção de barragens também não têm considerado adequadamente a conservação de benefícios prestados às populações humanas por animais e plantas que habitam esses rios. Esses benefícios, como a regulação do clima e o uso na alimentação, são chamados de serviços ecossistêmicos. Além disso, os custos associados ao deslocamento de grandes populações e ao desmatamento que decorre da abertura de estradas em áreas de floresta também têm sido mal considerados.
Assim, os especialistas concluem que, para atingir real sustentabilidade, a avaliação de novos projetos de hidrelétricas deve ir além dos impactos locais. Deve levar em conta as interações com barragens já existentes na mesma bacia hidrográfica, as mudanças na cobertura da terra (como a retirada da vegetação) e possíveis mudanças climáticas - pois já existem tecnologias que podem medir todas essas informações e incorporá-las aos projetos.
Custos e benefícios mal calculados – O estudo sobre hidrelétricas publicado na Science apresenta ainda evidências sobre o quanto os planejadores dessas barragens têm falhado na avaliação dos reais custos e benefícios da construção de usinas. De acordo com o artigo, 75% das barragens de grande porte acabaram custando, em média, 96% a mais do que as estimativas usadas para justificar sua construção.
Além disso, as projeções econômicas geralmente subestimam os custos destinados a mitigação de impactos ambientais, como no caso dos US$ 26 bilhões gastos pela China por conta dos prejuízos ambientais gerados pela Hidrelétrica das Três Gargantas, no rio Yang-Tsé, o maior do país.
O estudo cita também a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). Previsões mostram que, além de produzir bem menos energia do que foi projetada para produzir, ela ainda pode representar um recorde de perda de biodiversidade, por ter sido construída em uma área onde vivem muitas espécies endêmicas. Construída na região denominada Volta Grande do Xingu, no Sudoeste do Pará, envolvendo os municípios de Altamira, Vitória de Xingu, Senador José Porfírio e Anapu, a usina de Belo Monte foi planejada para gerar até 11.233,1 MW, com energia firme média de 4.571 MW. A área alagada compreenderá a um reservatório de 503 km².
Sobre a região amazônica, Alberto Akama alerta que as propostas de construção de hidrelétricas devem ser acompanhadas com muito cuidado, tanto pelos riscos relacionados ao meio ambiente, quanto pelas consequências sociais e econômicas de sua construção. “Minha área é sistemática de peixes, mas essa área de conservação da fauna é muito importante, e principalmente essa discussão sobre o que está acontecendo aqui no Pará [a proposta de construção de hidrelétricas], que afeta diretamente a população do Estado. As construtoras, em geral, apresentam apenas os impactos benéficos. Os impactos adversos elas escondem”, destaca Akama.
O artigo
- O artigo “
Balancing hydropower and biodiversity in the Amazon, Congo, and Mekong
” é resultado do trabalho desenvolvido por uma equipe de cientistas pertencentes a 30 organizações acadêmicas, governamentais e de conservação em oito países, sob a liderança de Kirk Winemiller, da Texas A&M University. O pesquisador Alberto Akama, do Museu Paraense Emílio Goeldi, é um dos autores do estudo.
Texto: Uriel Pinho