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O aparecimento de serpentes no ambiente urbano
Agência Museu Goeldi - Elas chegam com as chuvas e causam comoção. Há milênios, as serpentes inspiram respeito, adoração e medo em várias culturas do mundo. Na Amazônia, na época chuvosa aumenta a chance do encontro com esses animais nas cidades. Mas o que esta presença sinaliza para nós, humanos? A necessidade de cuidar do ambiente. Os motivos do deslocamento de animais silvestres para onde existe grande concentração de pessoas são recorrentes: eles procuram, entre outras coisas, alimento e abrigo.
Mas, um aviso: nem toda cobra é venenosa. A Dra. Ana Prudente, zoóloga, curadora da Coleção de Herpetologia do Museu Goeldi, alerta para a necessidade de substituir o temor, muitas vezes provocado pela aparição de cobras, pelo conhecimento da importância desses animais e dos cuidados que devem ser tomados para evitar acidentes.
Embora a pesquisadora ressalte que a diversidade de serpentes não venenosas é maior do que a das espécies venenosas, é importante ter cuidado especialmente com uma espécie: a jararaca (Bothrops atrox). O animal venenoso pode chegar a 1,5m de comprimento e é responsável pelo maior número de acidentes envolvendo serpentes venenosas em áreas urbanas da região Norte.
“A Bothrops atrox, a jararaca, é uma cobra comum e facilmente encontrada em cidades do Norte do Brasil, porque está adaptada para viver em ambientes modificados pelo homem, considerando que se alimenta de ratos. Sabemos que ratos proliferam em ambientes sujos e as cobras vão atrás de ratos. Essa é uma relação direta! Sabe-se que as cobras são responsáveis por controlar as populações desses pequenos roedores” explica Prudente.
Além da sujeira dos ambientes urbanos, outro fator que propicia o aparecimento de serpentes como a jararaca em cidades como Belém é o chamado ‘inverno amazônico”, época mais chuvosa na região. A razão para o deslocamento está no fato de que grande número de serpentes amazônicas ocorre em ambiente terrestre. Esses animais permanecem geralmente entocados até que a estação chuvosa torne o solo encharcado, levando-os a procurar lugares mais secos para se abrigar. É o caso da jararaca.
Encontros -
Apenas no Campus de Pesquisa do Museu Goeldi, em Belém, foram encontradas cinco jararacas ao longo do mês de fevereiro, época de muitas chuvas. A base do Museu também fica próxima a áreas remanescentes de floresta e em um bairro marcado por problemas de saneamento básico e coleta de lixo – a Terra Firme.
“Essas cobras ficam mais ativas durante a noite. [As jararacas] encontradas no Museu Goeldi estavam provavelmente dormindo num lugar seco e saíram quando o pessoal começou a roçar o mato”, explica Ana Prudente.
Lugares próximos às matas devem permanecer roçados e limpos. Mas, é de grande importância que a manutenção e limpeza de jardins e áreas externas seja feita usando equipamento de proteção individual: perneira, tornozeleira e luvas. Também deve-se evitar tirar mato com as mãos, pois 90% dos acidentes com jararaca ocorre até a altura do joelho, pés, mãos e braços, segundo Prudente.
Nos 17 anos em que trabalha no Museu Goeldi, a especialista em ofídios relata que nunca soube de acidentes com serpentes venenosas no Campus de Pesquisa da instituição. Por serem especialistas nesses animais, a equipe da pesquisadora recebe as serpentes que são encontradas no local. “Às vezes, a cobra chega acidentada por um facão ou roçadeira, então acaba morrendo e é incorporada à coleção. Se é uma serpente que não é venenosa ou não faz parte do nosso grupo de interesse, ela é solta no próprio Campus. E se é uma serpente peçonhenta, tomamos o cuidado de levá-la para local seguro e adequado”.
Jararaca –
A jararaca geralmente tem coloração marrom e “desenhos” em forma de triângulo invertido ou de ferradura ao longo do corpo. Outro padrão bem comum é a lateral da cabeça em tom claro e uma faixa pós-ocular escura (mancha lembrando um “olho de gato” ao longo da lateral da cabeça). Todas têm pupilas verticais e fossetas loreais, que são órgãos sensórios, visíveis na forma de buraquinhos, localizados entre os olhos e as narinas.
Anotou as características? Mas, ainda assim, cuidado para não se enganar. Existem algumas espécies de serpente que imitam o padrão de cores da jararaca num processo chamado de mimese. As serpentes do gênero Xenodon, por exemplo, são “falsas” jararacas e não têm veneno. Elas não possuem a fosseta loreal e suas pupilas são redondas.
Em um encontro imprevisto com serpentes, é muito difícil prestar atenção a essas características, pois nem sempre é possível, ou seguro, para quem não é especialista. Na dúvida, Ana Prudente recomenda: “O melhor é ter o respeito, cuidado e não pegar uma cobra. Você chama alguém que saiba ou afugente sem ter que tocar”. A cientista chama atenção para uma limitação das cobras na hora do ataque. “O bote chega, no máximo, a um terço do comprimento de uma cobra. Então um animal de um metro de comprimento proferirá bote de no máximo uns 30 centímetros. Se você ficar a uma distância segura, a cobra nunca vai te tocar”, explica.
Acidentes –
No caso de um acidente envolvendo uma serpente, uma das primeiras coisas que a pesquisadora recomenda é manter a calma. “Deve-se, no máximo, lavar o local e procurar manter a pessoa calma, sentada ou deitada, evitando caminhadas, pois [no caso da picada de uma serpente venenosa] quanto mais se aumenta a circulação sanguínea, mais o veneno é distribuído pelo corpo”. O ideal é que, estando em qualquer centro urbano, a pessoa seja dirigida o mais rápido possível a uma unidade de saúde.
É importante também informar o profissional de saúde sobre a serpente que provocou o acidente para que este possa determinar a administração de soro antiofídico e qual tipo de soro deve ser usado. Caso a unidade de saúde não tenha a orientação adequada, deve-se entrar em contato com o Centro de Informações Toxicológicas CIT (0800-722601) que fornece todas as informações disponíveis sobre os soros adequados para cada tipo de acidente ofídico.
A pesquisadora diz que “é importante sempre lembrar que embora as pessoas tenham medo, isso não dá a elas o ‘passaporte’ pra matar o animal. Pelo contrário, o medo deve dar a elas a indicação de que algum desequilíbrio aconteceu naquele ambiente. Matar animais silvestres é crime ambiental”.
Coleção – Como instituição científica, o Museu Goeldi tem licenças para eventualmente coletar animais para determinados estudos. “Ninguém sai coletando animais sem ter um propósito científico”, esclarece Ana Prudente. Além disso, a instituição é fiel depositária, o que significa que tem a prerrogativa de receber o material doado por outras instituições e, de modo geral, pela população.
O Acervo de Herpetologia do Museu Paraense Emílio Goeldi, possui atualmente mais de 95 mil exemplares de anfíbios e répteis, principalmente da região Amazônica. Os indivíduos são preservados na grande maioria em via úmida (álcool), contando também com alguns indivíduos em via seca, como é o caso das carapaças e esqueletos dos quelônios. O acervo conta também com amostras de tecidos para estudos moleculares.
Texto: Uriel Pinho