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Nova espécie de ave revela processos evolutivos e ambientais da biodiversidade na Caatinga
Agência Museu Goeldi - Uma nova espécie de pássaro do gênero Sakesphoroides foi descoberta durante a pesquisa de doutorado de Pablo Cerqueira, biólogo pela Universidade Federal do Piauí e Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Zoologia (PPGZOOL) do Museu Paraense Emílio Goeldi em parceria com a Universidade Federal do Pará.
O artigo, traduzido como “Uma nova choca – Aves: Thamnophilidae – endêmica da Caatinga e o papel das oscilações climáticas e da mudança de drenagem na formação da diversidade críptica das florestas secas sazonais neotropicais”, publicado na revista científica "Zoologica Scripta", além de ampliar o conhecimento sobre a avifauna brasileira, também esclarece mais sobre a complexidade dos processos evolutivos e ambientais que moldaram a biodiversidade da Caatinga, principalmente ao longo do Rio São Francisco.
O estudo também conta com as contribuições de Alexandre Aleixo, orientador da pesquisa e professor do Programa de Pós Graduação em Zoologia do MPEG/UFPA, Gabriela Gonçalves e Tânia Quaresma, pesquisadoras do PPGZOOL, e Marcelo Silva e Mario Pichorim, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Deslocando o olhar - Cerqueira escolheu a Caatinga, uma floresta seca, por ser um ambiente historicamente negligenciado pela ciência, sendo considerado um ambiente pobre em diversidade, com poucas espécies de fauna e flora. “Se você reunir os estudos no país de filogenia, de filogeografia e de evolução, a maioria está voltada para ambientes de floresta úmida, como a Amazônia e Mata Atlântica”, afirmou. Ele explica que, ao contrário do que se pensava, a Caatinga é rica em biodiversidade, especialmente quando comparada a outras florestas secas ao redor do mundo.
O estudo focou em espécies endêmicas da Caatinga, com destaque para a choca-do-nordeste, uma ave distribuída por toda a região. A taxonomia é a área da biologia encarregada de classificar e organizar os seres vivos em grupos ou categorias. Estudos taxonômicos são uma poderosa ferramenta para identificar e descobrir novas espécies. Assim, utilizando taxonomia integrativa, que combina dados de plumagem, medidas morfométricas, bioacústica e genética, Cerqueira identificou diferenças significativas entre as populações ao norte e ao sul da Caatinga.
“Quando comecei a reunir os dados sobre plumagem, fui percebendo que tinha fêmeas com plumagens diferentes. No norte da Caatinga, havia um padrão com barra na cauda e no sul o padrão das caudas era sem barra”, explica.
Essa variação foi congruente com padrões de canto e dados genéticos, sugerindo a presença de duas populações distintas.
Diante disso, a Sakesphoroides niedeguidonae, até então confundida com a Sakesphoroides cristatus, pode ser identificada a partir da análise de características distintivas da plumagem, especialmente nas fêmeas, e variações genéticas, morfológicas e comportamentais.
Metodologia - Durante a pesquisa, Cerqueira analisou características da plumagem, das formas e as medidas corporais de 1079 espécimes, entre eles 92 exemplares preservados em museus, de Sakesphoroides cristatus e 987 fotografias digitais. Além disso, também foram analisadas 115 gravações sonoras atribuídas às chocas-do-nordeste, além de 58 amostras de material genético e 568 registros de ocorrência que indicavam a distribuição geográfica dessas aves.
Foram identificados dois padrões distintos no canto das aves, que coincidiam com diferenças na plumagem das fêmeas. Nas amostras, os dados genéticos também revelaram variação genética de 1,8%, indicando a presença de dois grupos diferentes.
Cerqueira explica que a variação genética encontrada entre os grupos é significativa para a definição de uma nova espécie e que, se todos os indivíduos pertencessem à mesma espécie, como se acreditava antes do estudo, esse número seria próximo de zero.
Hipótese - Segundo a publicação, as variações históricas no ambiente da Caatinga, especialmente as alterações relacionadas ao Rio São Francisco, dividiu uma população de aves, até então única, em duas. A estimativa é que esse evento tenha ocorrido há cerca de 1,2 milhão de anos. As mudanças climáticas e a reorganização das bacias hidrográficas teriam criado barreiras naturais e novos habitats, favorecendo, assim, a especiação.
Essas descobertas, além de esclarecer sobre a biodiversidade oculta da Caatinga, também têm implicações significativas para a conservação dessas espécies. Identificar espécies crípticas, que são tão parecidas visualmente que passam despercebidas, é crucial para a preservação de táxons potencialmente ameaçados. “Quando a gente não faz esse tipo de descoberta, algumas espécies que podem estar ameaçadas de extinção muitas vezes passam despercebidas porque estão escondidas dentro de outro grupo”, ressaltou Cerqueira.
Com essa descoberta e abordagem inédita, a pesquisa de Cerqueira abre caminho para futuras investigações sobre a diversidade biológica da Caatinga e reforça a importância de estratégias de conservação específicas para esse bioma.
Homenagem - Por que o nome “Sakesphoroides niedeguidonae”? Após a constatação de que existia uma nova espécie de choca-do-nordeste “escondida” dentro da população de outra espécie, o desafio passou a ser a escolha de um nome para o grupo descoberto.
Por também existir uma série de dados completos dos indivíduos da espécie nova provenientes da Serra da Capivara depositados no Museu Paraense Emílio Goeldi, a escolha do nome Sakesphoroides niedeguidonae para a espécie é uma simbólica homenagem à uma arqueóloga franco-brasileira.
Niède Guidon é uma pesquisadora conhecida pelo trabalho realizado na Serra da Capivara, no estado do Piauí. Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências, Guidon é referência nos estudos acerca do povoamento das Américas e na luta pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara.
Clique aqui para acessar o texto completo de “A new antshrike (Aves: Thamnophilidae) endemic to the Caatinga and the role of climate oscillations and drainage shift in shaping cryptic diversity of Neotropical seasonal dry forests.
Texto: Marcelo Dias
Edição: Joice Santos