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No Museu Goeldi, Ciência é aliada na luta dos povos indígenas
Agência Museu Goeldi - No dia 07 de fevereiro de 1756, o líder guarani Sepé Tiaraju foi morto em batalha contra invasores portugueses e espanhóis, durante a chamada Guerra Guaranítica, na Colônia dos Sete Povos das Missões (no atual Rio Grande do Sul). Sua história inspirou a criação do Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, estabelecido pela Lei nº 11.696/2008.
Atualmente, o trabalho de pesquisadores de instituições como o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) pode auxiliar na luta dos povos indígenas por seus direitos fundamentais, constantemente ameaçados. Do mesmo modo que as comunidades indígenas auxiliam em uma compreensão mais completa da sociobiodiversidade amazônica e atuam como defensores de áreas sob constante perigo.
Incêndios no Gurupi - Em outubro do ano passado, incêndios criminosos foram provocados na Reserva Biológica do Gurupi, uma área com pouco mais de 270 mil hectares, no estado do Maranhão. Ao longo de 3 meses, o fogo consumiu 40% da vegetação da Reserva Biologica (Rebio), que já vinha sendo reduzida por exploração madeireira e pecuária. A Rebio é um dos últimos refúgios da Amazônia maranhense, hoje reduzida a cerca de 20% de seu tamanho original.
O Museu Goeldi faz parte do Conselho da Rebio, sendo representado pela bióloga Marlucia Martins. Ela informa que a Polícia Federal já está investigando os incêndios criminosos e trabalha com cautela: "Eles não querem pegar quem está na ponta do iceberg, querem ir até a raiz do problema".
Existem três TIs (Terras Índigenas) no entorno da reserva: Awá, Alto Turiaçú e Carú. O povo Awá, que habita a região, é tido pela organização Survival International como a tribo mais ameaçada do mundo.
Os Guardas Florestais das etnias presentes nos arredores da Rebio - que monitoram e denunciam a ação de invasores nas terras - identificaram alguns indivíduos começando um dos incêndios, confirmando que a ação é criminosa.
O caso assusta pela violência a que as populações locais são submetidas, e também pela degradação em larga escala de um ambiente de rica biodiversidade e de grande importância para o país. Casas foram destruídas e as queimadas dificultam ações de restauração florestal, já que prejudicam mais o solo e a vida da fauna do que o próprio desmatamento.
“O diálogo direto com os indígenas foi muito importante para aprendermos o que de fato é importante para eles e, por sua vez, eles entenderem do que estamos falando” conta Marlúcia Martins, conselheira da ReBio, sobre sua relação com os povos das TI do entorno da reserva. “Não temos dificuldades em conversar sobre biologia e conservação. Existem maneiras diferentes de decodificar a natureza, mas nós, indígenas e biólogos, falamos da mesma substância.”
Kwazá - O linguista do Museu Goeldi Hein Van der Voort, estuda línguas indígenas com número de falantes extremamente reduzido. Uma das línguas estudadas por Hein é o Kwazá, utilizado por uma minoria de falantes na TI Tubarão Latundê, no estado de Rondônia.
Na década de 90, foi descoberto um grupo étnico que ocupava uma terra tradicional não-demarcada no estado. A área estava ameaçada por fazendeiros ligados a políticos locais. Por isso o grupo, juntamente com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entrou com um processo para a demarcação da Terra Indígena.
Os fazendeiros alegavam que a FUNAI havia implantado índios Tupi lá, o que pôde ser desmentido por meio da pesquisa de Hein: “Eu fui ver - achei documentos, pesquisando - que na época do [Marechal] Rondon, já tinha marcado lá uma terra dos Kwazá”, explica Hein, que acompanhou o caso.
Uma das mulheres mais antigas do grupo ainda lembrava de algumas palavras em Kwazá, então o pesquisador pôde identificar que era a mesma língua que ele estudava. “Foi fácil provar que era a mesma língua”, ele diz, “então puderam ver que a terra era deles mesmo”, concluiu. Hoje, o território é denominado TI Kwazá do Rio São Pedro e, mesmo oficial, as invasões da área são frequentes.
Hein diz que a interação entre os pesquisadores e as comunidades que eles pesquisam é inevitável e que é necessário fazer algum trabalho que retorne para os povos de alguma forma significativa: “Muito linguistas acham que você tem que saber só os dados. Me perguntam: 'mas porque você faz isso?' Passo muito tempo em campo. Aqui no Brasil, eles são como a minha segunda família”, afirma o pesquisador holandês.
Ciência e conhecimento tradicional podem ser linguagens diferentes, mas ambos são fundamentais para garantir a sobrevivência dos povos amazônicos, sejam indígenas ou não-indígenas. No dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, o diálogo entre pesquisadores como os que atuam no Museu Goeldi e os diversos grupos indígenas da Amazônia lembra que há muitos desafios a enfrentar, e que não existe futuro possível para a Amazônia sem a valorização dos conhecimentos e modos de vida de seus habitantes mais antigos.
Texto: Juliana Araujo, Uriel Pinho e João Cunha