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Museu Goeldi publica nova edição do seu Boletim de Ciências Humanas
Agência Museu Goeldi - Está no ar a nova edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas. Referente ao quadrimestre maio-agosto de 2016, este é o segundo número da fase totalmente eletrônica de um dos periódicos científicos mais antigos do Brasil. O conteúdo está disponível em site próprio e pode ser “folheado” no Issuu. A edição atual trata principalmente da relação de simbiose entre pessoas e o meio ambiente, expressa no uso dos recursos naturais, em atividades de subsistência e na sociabilidade, quando as populações transformam recursos da natureza em artefatos cuja comercialização possibilita o contato com outros grupos humanos.
A maioria dos trabalhos publicados neste novo número trata dessa simbiose entre gente e natureza a partir da pesca, tema de seis dos nove artigos, discutida a partir de regiões do interior do Amapá, na Amazônia, e de águas sergipanas e pernambucanas, do Nordeste brasileiro. São abordagens plurais sobre um mesmo ofício, que abarcam inclusive um ponto de vista muitas vezes invisibilizado quando o assunto é pescaria: o de mulheres. Temos, então, a pesca como meio de sobrevivência, mas, sobretudo, de convivência: entre homens, mulheres e animais. Relações marcadas também pela tecnologia.
Pesca e vida – O tema da convivência é tratado no artigo “Perspectivas do trabalho feminino na pesca artesanal: particularidades da comunidade Ilha do Beto, Sergipe, Brasil”, onde Mary Martins e Ronaldo Alvim discutem o “saber-fazer” de mulheres que conhecem tanto quanto – ou até mais que – os homens no quesito pescaria. Situação singular em um país onde esse “saber-fazer” pesqueiro é dominado por homens que, mesmo contando com o trabalho feminino dentro dos barcos, insistem em desvalorizá-lo. A natureza, então, testemunha uma cultura machista e patriarcal.
“Pescados, pescarias e pescadores: notas etnográficas sobre processos ecossociais”, de Cristiano Ramalho, mostra a interação entre homens e meio ambiente na caracterização do “saber-fazer” da pesca. O autor revela, por exemplo, como diferentes pontos do mar demandam artefatos variados para o ofício da pesca, por oferecerem diferentes espécies de peixes para o pescador. É em função dessa simbiose entre homem, mar e ferramentas que o autor define a pesca como um processo “ecossocial”, marcado também por relações de poder.
Já em “Pesca do Apaiari, Astronotus ocellatus (Agassiz, 1831), e perfil socioeconômico dos pescadores artesanais de uma região da Amazônia Brasileira”, Márcia Daaddy e coautores traçam o perfil de pescadores artesanais do interior do Amapá que vivem da pesca do apaiari, espécie que os alimenta e provê o sustento, graças à comercialização. As discussões sobre a pesca, portanto, apresentam essa simbiose entre homens, mulheres, paisagens, animais e tecnologias que criam e destroem vínculos (caso da pesca industrial, no litoral pernambucano) e garante a trabalhadores e trabalhadoras o prato de cada dia.
Subsistência – Outros dois artigos tratam também do tema da subsistência. Um deles, “Mobilidade, subsistência e apropriação do ambiente: contribuições da zooarqueologia sobre o Sambaqui do Bacanga, São Luís, Maranhão”, de Arkley Bandeira e coautores, mescla arqueologia e zoologia para explicar os padrões de mobilidade humana a partir dos modelos de subsistências e apropriação do meio ambiente por populações pretéritas, estudando os sambaquis do litoral maranhense, particularmente o do Bacanga. Para tanto, foram identificados vestígios de animais que compunham a dieta desses grupos humanos.
Marie Fleury também discute subsistência em Agriculture itinérante sur brûlis (AIB) et plantes cultivées sur le haut Maroni: étude comparée chez les Aluku et les Wayana em Guyane Française. O texto apresenta análise de práticas de cultivo entre as sociedades Maroons, da Guiana Francesa, produzindo conhecimento sobre a subsistência na fronteira com o Norte Brasileiro.
A subsistência aparece também a partir de uma perspectiva estética, na qual homens e mulheres se apropriam de elementos da natureza, basicamente de pedra, para produzir adornos corporais, cuja comercialização lhes permitiram o contato com outros grupos humanos. Eis o assunto do artigo “Adornos corporais em Carajás: a produção de contas líticas em uma perspectiva regional”, de Catarina Falci e Maria Jacqueline Rodet, no qual as autoras apontam evidências da existência de uma cadeia produtiva desses elementos no início do período conhecido como “Nossa Era”. Os diversos grupos utilizavam técnicas produtivas peculiares, que culminavam na dispersão espacial das matérias-primas, caracterizando indícios de deslocamentos desses povos.
Rural e urbano – A dicotomia entre as noções de rural e urbano é problematizada por Júlia Côrtes e Álvaro D’Antona em “Fronteira agrícola na Amazônia contemporânea: repensando o paradigma a partir da mobilidade da população de Santarém – PA”. Os autores concluem que a chegada do agronegócio na região de Santarém alterou a dinâmica demográfica da área, ora marcada não apenas pelo êxodo rural, mas também pelo retorno de emigrantes devido a questões como relações familiares, identidades junto ao lugar e dissolução da dicotomia urbano-rural, posto que este se urbaniza cada dia mais, em função do agronegócio, por exemplo. A discussão atual sobre a fronteira, então, se torna mais plural e complexa em relação a da década de 1970.
O rural e o urbano também são o pano de fundo para o artigo “Belém e o mundo natural: olhares de viajantes sobre plantas e animais na urbe amazônica (1840-1860)”. Nele, Luciano Lima mostra o caso dos viajantes europeus que desembarcaram na cidade de Belém não apenas para descansar ou, a partir dela, se deslocar para a Floresta Amazônica, mas para estudar as várias espécies de animais e plantas encontradas na própria urbe. Fossem as plantas alocadas dentro das casas como adornos ou as lagartixas domésticas ou “outros aspectos aparentemente corriqueiros para os nativos, como o piscar de vagalumes, [que] podiam transformar-se em momentos especiais ao olhar estrangeiro”.
Também consta da edição, artigo com a análise do dia a dia de um herbário sob um olhar antropológico, que o enxerga para além do seu patrimônio material, como espaço de trocas e de sociabilidades. Trata-se do texto “Memória social e patrimônio cultural: a transmissão de práticas científicas em um herbário brasileiro”, de Sonia Piccinini e coautores. O novo número encerra com a resenha de Sabine Reiter sobre o livro “Huni kuin hiwepaunibuki: a história dos caxinauás por eles mesmos”, conjunto de texto em caxinauá, português e espanhol sobre a etnia Caxinauá, habitante da fronteira Brasil – Peru.
Mudanças editoriais – O ano de 2016 inaugura a fase eletrônica do Boletim. O número atual marca a renovação do Conselho Científico e do Corpo de Editores Associados do periódico. O processo editorial passou à condução de Jimena Felipe Beltrão, atual editora científica do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, em sucessão a Hein van der Voort.
Texto: Antonio Fausto, Núcleo Editorial/MPEG