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Mulheres cientistas: conheça a trajetória da linguista Ana Vilacy Galúcio
Agência Museu Goeldi – O Museu Paraense Emílio Goeldi tem um papel importante para a história das mulheres na Ciência: foi a primeira instituição a ser dirigida por uma mulher na América do Sul, Emília Snethlage, em 1914. Snethlage também foi a primeira funcionária pública do estado do Pará e ajudou a escrever um capítulo à parte para as ciências no Brasil, com todas as dificuldades que as mulheres enfrentavam para atuar em uma carreira científica naquela época. Passados mais de 100 anos, muita coisa mudou. Mas algumas dificuldades permanecem.
Mulheres cientistas - Segundo relatório da UNESCO e da ONU Mulheres, o maior percentual de mulheres na Ciência encontra-se na América Latina e no Caribe, onde representam 45% dos pesquisadores. No Brasil, elas são maioria e representam 56% dos doutores. Mesmo assim, enfrentam problemas para progressão na carreira como a falta de apoio em períodos de gravidez e licença maternidade e a dificuldade de serem reconhecidas em posições de liderança, um reflexo da misoginia também experimentada em outros setores da sociedade.
Atualmente, o Museu Paraense Emílio Goeldi conta com 310 mulheres atuando em diferentes funções em seus quadros. São 8 Tecnologistas; 20 Pesquisadoras; 32 Pesquisadoras Bolsistas vinculadas ao Programa de Capacitação Institucional; 15 Estagiárias; 11 Analistas; 21 Assistentes; 30 terceirizadas; e 16 Técnicas. Há ainda os dois grupos mais numerosos entre essas 310 trabalhadoras: as bolsistas de iniciação científica (49 mulheres) e as pesquisadoras de mestrado e doutorado (108 mulheres).
Por isso, aproveitamos o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência para celebrar a trajetória de uma das muitas pesquisadoras que constroem o Museu Paraense Emílio Goeldi: Ana Vilacy Galúcio. Hoje pesquisadora reconhecida em sua área de atuação, a Linguística, Ana Vilacy um dia já foi bolsista de Iniciação Científica do Museu Goeldi e encontrou oportunidades para transformar suas curiosidades e encantamentos em uma carreira científica de grande impacto científico e social.
Início - Ana Vilacy Galúcio ingressou na Licenciatura em Português – Francês da Universidade Federal do Pará no ano de 1989. A paixão pela literatura ao longo do Ensino Médio motivou essa escolha. E já no início do curso, ela se deparou com uma nova paixão: a descoberta de que o Brasil é um país multilíngue.
“Naquela época essa não era uma informação muito conhecida, e ainda hoje não é: [o Brasil] é um país onde se fala mais de uma centena de línguas diferentes. Esse despertar para o multilinguismo no Brasil, para essa multiplicidade de línguas e culturas diferentes, especialmente as línguas dos povos originários, foi o meu primeiro grande encantamento com o curso, já na faculdade” relembra Vilacy.
Ela conta que logo no início do curso participou do Encontro Nacional dos Estudantes de Letras, cujo tema era justamente o multilinguismo no Brasil. No evento, esteve junto de pesquisadores do Brasil e de outros países e teve o primeiro contato com a riqueza cultural e linguística brasileira.
Esse novo encantamento e a noção da importância social e científica das línguas e culturas dos povos originários cruzaram os caminhos de Ana Vilacy com os do setor de Linguística do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Ciência e impacto social - “Eu vinha de uma trajetória em movimentos sociais desde a adolescência, em que se valorizava muito os direitos dos povos originários no Brasil”, conta Vilacy. Assim, a então estudante de graduação percebeu nos estudos de Linguística a oportunidade de associar o ativismo social em favor dos direitos dos povos originários com o conhecimento técnico-científico do estudo das línguas indígenas.
A partir desses primeiros contatos, Ana Vilacy conheceu os linguistas do Museu Goeldi, entre eles Denny Moore, seu primeiro mentor. Em 1991, começou a atuar como bolsista de Iniciação Científica da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Goeldi, com foco em pesquisas sobre Linguística Indígena. Prosseguiu para uma bolsa de aperfeiçoamento entre 1993 e 1994, ao final de sua graduação.
Nessas pesquisas, Vilacy aprendeu que a situação social dessas línguas não é favorável à sua manutenção. Assim como a história dos povos originários no Brasil é marcada por violências e insegurança na garantia de seus direitos, muitas das línguas indígenas brasileiras estão em perigo de desaparecimento, por motivos como a interrupção da transmissão da língua de uma geração para a outra e o número reduzido de falantes.
Isso contrasta com a grande importância dessas línguas para o conhecimento científico sobre a linguagem humana de modo geral.
Essas lacunas levaram Ana Vilacy a continuar seus estudos de mestrado e doutorado na área de Linguística, com foco na descrição, análise e documentação das línguas dos povos originários. Ela concluiu o Mestrado em Linguística na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, em 1996 e o doutorado na mesma universidade, em 2001.
Liderança em pesquisa - A partir de 2002, ingressou como Pesquisadora da área de Linguística do Museu Goeldi, onde já desempenhou diferentes funções de pesquisa e administração.
Coordenou a Implementação do Centro de Documentação Permanente de Línguas e Culturas Indígenas da Amazônia. Também atuou como Coordenadora de Ciências Humanas da Instituição e e em sua Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação. Atualmente é credenciada como professora do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Pará, e do recente Programa de Pós-graduação em Diversidade Sociocultural do Museu Paraense Emilio Goeldi. Suas pesquisas focam em línguas amazônicas e na documentação de línguas indígenas ameaçadas. Incluindo a construção de acervos digitais para sua documentação e disponibilidade, atuando ainda na elaboração de produtos como dicionários multimídia para línguas como o Sakurabiat e Kanoe.
Para Ana Vilacy Galúcio, é imprescindível, valorizar, fomentar e incentivar a participação de meninas e mulheres na ciência. Para que haja uma participação e uma visibilidade efetiva do conhecimento da ciência produzida por mulheres.
“Durante séculos e ainda hoje, a Ciência produzida por mulheres é bastante invisibilizada no mundo. O Brasil não é diferente nesse contexto. É imprescindível que haja uma valorização que haja um incentivo da participação feminina na ciência desde a mais tenra idade, para que a gente possa crescer sabendo e tendo registro da nossa capacidade. Sendo ciente de que cada menina e cada mulher pode realizar um trabalho excelente nas Ciências, em qualquer área das Ciências que a gente se dedique a fazer” defende a pesquisadora.
Texto: Uriel Pinho