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Mudanças climáticas podem reduzir drasticamente espécies abundantes na Amazônia, mostra experimento
Agência Museu Goeldi – Quando pensamos em espécies sob risco, podemos pensar naquelas já ameaçadas atualmente. Só no Brasil, existem 3.209 plantas na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção . Mas um estudo realizado por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Universidade Federal do Pará e da Universidade de Nice (França) mostra que até mesmo espécies que hoje são numerosas e fáceis de encontrar estão sob grande ameaça, caso as mudanças climáticas globais sigam o curso atual, provocando anomalias climáticas como a diminuição das chuvas no bioma amazônico.
O estudo foi liderado pelo biólogo Leandro Valle Ferreira , pesquisador da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi, em colaboração com outros pesquisadores, como a bióloga Pia Parolin , da Universidade de Nice, que apresentará os resultados no 58º Encontro Anual da Associação de Biologia Tropical e Conservação (ATBC). O evento acontece de 10 a 14 de junho, em Cartagena, na Colômbia.
O experimento – O estudo é um dos resultados de um grande experimento que acontece desde 2002 no interior da Floresta Nacional de Caxiuanã, município de Melgaço, na Amazônia paraense. Instalado na Estação Científica Ferreira Penna do Museu Goeldi, o projeto gera informações científicas que alertam para como as mudanças climáticas globais podem afetar a floresta amazônica.
Conhecido como ESECAFLOR (Projeto de Estudo da Seca da Floresta) o experimento simula artificialmente a redução das chuvas em uma parcela de 1 hectare da floresta, que recebe 50% menos água, pois é recoberto por cerca de 6 mil painéis plásticos transparentes. Essa parcela é comparada com outra, do mesmo tamanho, mas que recebe chuva normalmente. Vários estudos são realizados nesse imenso laboratório a céu aberto, medindo a saúde dos seres vivos, sua distribuição e como reagem ao ambiente mais seco.
Para o experimento com o arbusto Faramea anisocalyx , os pesquisadores contabilizaram, comparativamente, o número de arbustos da espécie nessas duas parcelas num intervalo de 9 anos, constatando a sua redução drástica.
Redução – Em 2010, foram registrados 40 exemplares de Faramea anisocalyx no estágio de regeneração natural (plantas que germinaram recentemente) na parcela chamada de controle, aquela que recebeu chuva normalmente. Na parcela chamada de experimental, a que sofreu a redução hídrica, foram encontradas apenas 11.
Nove anos depois, em 2019, foram registrados 22 exemplares de Faramea anisocalyx no estágio de regeneração natural na parcela que recebeu chuva normalmente. Nenhuma foi registrada na parcela com menos chuva. Uma redução drástica.
Também em 2019, quando contabilizadas as plantas já estabelecidas (aquelas jovens e adultas que já se reproduzem), foram encontrados 85 indivíduos na parcela com chuva normal e apenas 10 na parcela com redução de chuva. Novamente, uma grande redução na densidade dos indivíduos.
O Dr. Leandro Valle Ferreira explica que a redução também observada na parcela que recebeu chuvas normalmente faz parte de flutuações populacionais que ocorrem em diversas espécies ao longo do tempo. “Existem anos que as espécies se reproduzem e outros anos que isso não ocorre. Outro fator que pode explicar essa flutuação é a anomalia climática do El Nino que diminui naturalmente a quantidade de precipitação na Amazônia”, pondera.
Arbusto – Uma floresta é composta por diferentes partes e níveis, como se fosse um grande organismo. Na floresta amazônica, a parte chamada sub-bosque é formada pelas plantas que ficam abaixo do topo das grandes árvores, como mudas mais jovens e outros vegetais de menor estatura, como os arbustos. Dentre os arbustos, o da espécie estudada, a Faramea anisocalyx, é um dos mais abundantes.
“A espécie Faramea é um arbusto de sub-bosque muito sensível a diminuição da umidade de solo. Existem diversas espécies com a mesma forma de vida, ou seja, arbustos que não crescem muito em altura e diâmetro e que são extremamente dependentes das condições microclimáticas do solo e do ar”, explica Leandro Ferreira. Dai a relevância dos resultados como parâmetro para novos estudos e alerta para a relevância da diminuição das chuvas.
Por isso, pesquisadores de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Botânica Tropical (PPGBOT-MPEG-UFRA) estão usando os resultados desse trabalho para corroborar outras hipóteses sobre o impacto da redução hídrica artificial na comunidade de plantas
ESECAFLOR – O Projeto ESECAFLOR iniciou em 2002 e funciona até hoje, sendo o único experimento que simula o impacto da redução hídrica em um laboratório a céu aberto, medindo a saúde dos seres vivos, sua distribuição e como reagem ao ambiente mais seco. Desde 2012 é um dos Sítios do Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD), uma iniciativa do Governo Federal do Brasil criada em 1999 e que por meio de uma rede de sítios de referência gera dados por longos períodos de tempo, para ajudar na compreensão de ecossistemas brasileiros.
Texto: Uriel Pinho